Férias irregulares, dicas e suposta coação: o esquema com servidores autorizado por Cartaxo e Fulgêncio na campanha de Lucélio

Servidores da Secretaria Municipal de Saúde de João Pessoa foram supostamente utilizados ou coagidos a atuar na campanha do então candidato a governador Lucélio Cartaxo (PV), irmão do prefeito da capital, Luciano Cartaxo (PV). De acordo com o inquérito civil instaurado pelo Ministério Público da Paraíba (MPPB), 14 servidores de cada Distrito Sanitário, somando 70 no total, deveriam ser cooptados para realizarem visitas qualificadas durante os 45 dias de campanha das eleições 2018. O MPPB instaurou um inquérito civil, em maio, para apurar a suposta utilização irregular de servidores na corrida eleitoral, bem como investigar a prática de improbidade administrativa e outros possíveis ilícitos.

Toda a articulação do esquema foi feita pelas diretoras gerais dos Distritos Sanitários e a gerente de Atenção Básica, e tinha anuência do prefeito e do secretário Adalberto Fulgêncio, responsável pela pasta da Saúde. Uma primeira reunião, as quais eram organizadas pelo secretário-adjunto de Desenvolvimento Social, Vitor Cavalcante, aconteceu em agosto, no gabinete da secretária-adjunta Ana Giovana Medeiros, quando foram deliberadas as primeiras ações do grupo.

Para não ficar nítida a utilização eleitoral do servidor, o esquema ‘maquiava’ o período como férias simuladas, com períodos de 15 dias cada, ou 30 mais 15 dias, com início em 20 de agosto. Após a seleção, os funcionários foram convocados ou coagidos, além de obrigados por diretores gerais, a preencherem os formulários de requisição de férias. E, mesmo tendo preenchido três ou duas requisições de férias, cada servidor recebeu apenas a requisição que está dentro do período em atividade. As outras ficavam retidas na sede de seus respectivos distritos sanitários para que fossem distribuídas somente ao início de cada período.

Conforme o inquérito, as férias foram retiradas de maneira irregular, uma vez que muitos dos servidores já haviam gozado férias referentes ao período trabalhado. Além disso, o cronograma de férias é estabelecido no final do ano anterior e ao final de cada mês o Distrito Sanitário consolida as requisições, as encaminhando para a Diretoria de Gestão do Trabalho da SMS, o que não aconteceu neste caso. Veja uma das requisições de férias:

Sede do PSD era ‘central’ do esquema

Os servidores que foram selecionados para atuar no esquema utilizaram, a partir da primeira semana de atividades, a sede municipal do PSD, antigo partido dos Cartaxo, como local de organização e planejamento diário de suas atividades.

A partir do dia 4 de setembro, eles começaram a usar uma segunda base, como cita o MPPB. Uma casa na rua Tito Silva, no bairro Miramar, serviu como ‘nova central’ para os servidores. Para não chamar atenção dos moradores da região, eles desembarcavam de vans na rua por trás do endereço-sede.

No mesmo dia 4, aconteceram novas deliberações do esquema, que foram repassadas por Romeika Cartaxo, esposa do então candidato, em uma reunião convocada por Vitor Cavalcante. O número de servidores nas ações deveria aumentar, bem como o horário das visitas deveria ter seu término estendido e ficou definido um novo ponto base, que passou a ser o comitê de Lucélio.

Kit visita qualificada

O grupo de servidores recebeu uma pasta com o chamado “Kit visita qualificada”, que tinha dados sobre a Paraíba, orientações de como agir, o santinho de Lucélio Cartaxo e as propostas de governo.

8h as 11h e 13h as 16. Esse era o horário a ser cumprido, de acordo com as orientações gerais. O item ainda determinava como agir e até se vestir. As dicas eram: avançar chegando próximo das pessoas, usar roupas neutras, não entrar em conflitos e não fazer adesivagem na fachada exterior da casa.

Além de algumas propostas de governo, o material também estampava ataques a administração do então governador Ricardo Coutinho (PSB), que tinha João Azevêdo  (PSB) como candidato a sucessor nas eleições. “Mais de 120 mil famílias sem casas na Paraíba” e dados sobre fechamento de escolas estaduais integravam o item ‘Porque é a vez de Lucélio?’. Veja ‘kit visita qualificada’ (clique na seta para conferir as outras imagens na galeria):

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Investigação na Polícia Federal

O Ministério Público Eleitoral, através do Procurador Victor Carvalho Veggi, declinou da competência eleitoral do caso, sob o argumento de ter sido representado em janeiro deste ano, passado o período para tais ações. Com isso, ele remeteu os autos ao Ministério Público da Paraíba (MPPB), com a ótica sobre “possível ocorrência de ilícitos na esfera criminal e/ou implicações no âmbito do patrimônio público, haja vista eventuais irregularidades na gestão pública”.

O 37º Promotor de Justiça, Adrio Nobre Leite, então converteu o procedimento de gestão administrativa em notícia de fato, fase que antecedeu a instauração do inquérito.

Posteriormente, ele também solicitou à Polícia Federal, através do ofício 004/2019, a instauração de um inquérito policial, com intuito de arrecadar provas sobre o caso. O promotor sugeriu a oitiva dos citados na notícia de fato e o recolhimento de documentos – como o “kit visita qualificada”.

SMS confirma ‘listão’

Através do ofício nº 809/2019, datado em 2 de maio deste ano, o promotor solicitou informações à Secretaria Municipal de Saúde, sob responsabilidade do secretário Adalberto Fulgêncio.

Nobre pediu a confirmação de que os servidores citados integravam os quadros da SMS e solicitou os dados funcionais deles. Foi dado um prazo de 20 dias para a secretaria responder.

No dia 14 de maio, por volta das 11h30, o documento foi entregue na sede da Secretaria de Saúde, a uma terceira pessoa, identificada apenas como Ana. No dia 3 de junho, a assessoria jurídica da SMS enviou os documentos ao promotor.

“Segue a resposta do setor técnico e planilha de servidores”, se restringiu a escrever no e-mail a SMS. O despacho, em resposta ao ofício do MPPB, foi assinado por Isadora Albuquerque Leite Guedes, diretora de gestão do trabalho e educação na Saúde.

Com relação aos servidores citados como integrantes do esquema, ela confirmou que os nomes integram os quadros da SMS. Confira lista enviada pela SMS ao MPPB:

Próximos trâmites

Com a resposta da Secretaria de Saúde, o promotor decidiu aguardar o desenvolvimento inicial das investigações no âmbito da Polícia Federal.

Já há a “diligência fixada de entrevista de 15 pessoas pela autoridade policial”, tudo sob condução vinculada à 1ª Zona Eleitoral da Paraíba.

Com isso, no dia 3 de julho, Nobre decidiu pelo sobrestamento – interrupção do andamento – do inquérito por 60 dias no âmbito do MPPB, para aguardar as ações da Polícia Federal, com intuito de que corroborem com elementos probatórios a investigação.