Fora, Cunha: STF tenta sanear política com afastamento, mas crise tende a se agravar

Antes tarde do que nunca. A sentença poderia estar escrita numa faixa em frente à entrada da Câmara dos Deputados saudando o afastamento do cargo nesta quinta-feira pelo STF do deputado Eduardo Cunha, presidente da Casa.

Eduardo Cunha, quase todo mundo sabe, é réu da Lava a Jato. Foi flagrado mentindo ao Congresso. Há provas de que enviou ilegalmente dinheiro para o exterior. Há provas contundentes de que pressionou e recebeu propina de empreiteiros presos pela Operação Lava Jato. Há comprovação de que manipulou o regimento da Câmara para achacar empresários. Há fortes indícios de que montou uma tropa de choque para pressionar políticos no sentido de obstruir no Conselho de Ética o processo contra ele de perda do mandato por falta de decoro parlamentar.

Eduardo Cunha, tantas vez vil, tantas vezes nefasto, não poderia coordenar e comandar o processo que iniciou a tramitação do impeachment da presidente da República.

O Ministério Público pediu o afastamento e o STF atendeu. Ele agora está fora. Antes tarde do que nunca.

A frase dança em todas as cabeças, enche o coração e a mente do  Brasil de esperança por dias menos conturbados, o Brasil que espera, precisa e trabalha para que a crise seja superada.

Crise que a partir dos próximos dias tende a ser mais aguda, mais grave no sentido de uma difícil travessia: da conturbada e convulsiva situação atual de paralisia institucional, esgarçamento da governabilidade ao nível do executivo, desidratação da governança, perda de sustentação política da presidente; da inércia da economia golpeada por crescimento da inflação e redução do emprego; da perda da credibilidade junto à população da eficiência da democracia devido à amplitude da corrupção evidenciada pela operação Lava Jato, do descrédito internacional; travessia desse quadro para a definição, com Temer ou com Dilma, de uma nova coalização política capaz de pactuar um programa de reconstituição da governabilidade, de uma nova base de sustentação partidária para a execução de uma política fiscal que estabilize a macroeconomia e do início do debate para as reformas urgentes, principalmente a da previdência.

Vem mais crise, por ai. Bem maior do que a marolinha que Temer enfrenta nessa tentativa tosca e atabalhoada de formar um Ministério – quase todo mundo que ele escolhe tem pendências judiciais, é processado pelo STF ou está na malha fina da Lavado – caso seja aprovado no Senado o afastamento temporário da presidente. E é bom lembrar que o substituto de Cunha é uma espécie de clone do presidente da Câmara afastado, o deputado Valdir Maranhão, também investigado pela Lava Jato.

Mas o afastamento de Cunha é bom para todo mundo. Bom para a República por tentar sanear a comunidade política, por sinalizar quanto à necessidade de virtudes cívicas por parte dos congressistas, por buscar a primazia do bem comum e do interesse coletivo (quem não quer Cunha longe da Câmara?), por ser uma decisão, essa do ministro do Supremo Teori Zavascki, que pretende restabelecer o bom governo no âmbito dos Poderes.

O afastamento também é bom para a democracia por indicar a primazia do texto constitucional. É a constituição que dá legitimidade ao afastamento. É boa para o PT, que vê diminuído o poder de um arqui-inimigo que demonstrou ter força muito além do que se esperava no manejo do cotidiano da Câmara dos Deputados. É bom até para Temer, que se livra de uma presença nefasta no seu grupo com poder de exigir isso e aquilo. E favorece enormemente a cidadania e as instituições. O afastamento é um momento histórico nesses dias de tormenta. Um lampejo de bonança. Mas a crise continua. E repito: tende a se agravar.