Se você não era parte de uma massa de baixinhos na década de 90, não deve ter entendido nada do título desta reportagem. Entre 1997 e 2002, o programa “Planeta Xuxa” foi uma das principais fontes de músicas dançantes para jovens brasileiros.
Não é exagero afirmar que a juventude brasileira aprendeu a gostar de pop internacional vendo Planeta Xuxa. Ok, talvez seja.
Xuxa dança com as paquitas no programa ‘Planeta Xuxa’ — Foto: Divulgação/TV Globo
O fato é que o programa da Globo foi trilha de muitas dancinhas, bem antes de existir TikTok ou Spotify. Sem streaming ou rede social, o negócio era TV ou rádio, com destaque para o “Planeta Xuxa” e “7 Melhores da Jovem Pan”.
O g1 entrevistou a Xuxa e três atrações que viveram o auge da carreira quando passaram pelo programa, há mais de 20 anos.
Alexia, Lou Bega e Aqua estouraram no fim dos anos 90, seguem cantando e lembram com carinho das passagens pelo Brasil.
O “Planeta Xuxa” ficou no ar por seis anos, com algumas pausas. Começou nas tardes de sábado e passou para as manhãs de domingo. Nessa era da Xuxa, ela passou a ter um público mais adolescente. Então, atrações e quadros começaram a ser menos infantis.
Não foi no “Planeta Xuxa” que ela começou essa transição, mas foi esse programa que consolidou essa Xuxa mais popstar, mais dona da festa e menos apresentadora infantil. Antes, os programas “Xuxa Park” e “Xuxa Hits” prepararam a pista.
Foi no “Xuxa Hits”, em 1995, que aconteceu uma apresentação que virou meme. A rapper americana Gillette cantou o único hit dela, “Short Dick Man”. Os versos “Não quero um homem de pau pequeno” foram entoados por ela. E por uma plateia lotada de crianças.
Xuxa vai até o chão com o grupo You Can Dance no programa ‘Xuxa Hits’ — Foto: Divulgação/TV Globo
O “Planeta” passou a dar mais e mais espaço para o pop dançante internacional e para a dança. Tinha até um grupo de dança fixo, o You Can Dance.
Além de dançarinos, o You Can Dance era um grupo musical, uma boy band de funk melody. Eles lançaram músicas como “Anjo” e “Bota o bumbum pra dançar”.
“O Planeta foi uma virada de chave na minha vida, porque muitas coisas estavam acontecendo no mundo. A gente não tinha internet como tem hoje”, contextualiza Xuxa ao g1.
“Então, a gente tinha que pesquisar demais da conta para chegar próximo do que os Estados Unidos tinham na mão toda hora. E aí eu queria ver essa coisa do que as pessoas queriam lá fora, do que elas gostavam e a gente seguia muito pesquisa, eu viajava demais.”
Xuxa entrevista a banda You Can Dance no programa ‘Planeta Xuxa’ — Foto: Divulgação/TV Globo
Foi durante essas viagens que Xuxa e equipe descobriam os lançamentos internacionais e entendiam como a TV e o entretenimento estava sendo feito fora do Brasil. “O ‘Planeta’ foi importante para mudar a cabeça das pessoas. Estavam acostumadas com tudo que ofereciam, não saíam atrás.”
Xuxa diz que, com a internet, “o mundo fica muito pequeno”, mas antes não era assim, claro. “Tive sorte de ter a oportunidade de viajar, de conhecer, de saber o que as pessoas queriam ver. Eu fico lisonjeada que o ‘Planeta’ fez e faz parte da vida das pessoas até hoje.”
Madrinha do pop (e do funk)
Xuxa no ‘Planeta Xuxa’ — Foto: Divulgação/TV Globo
Quando se fala que o “Planeta Xuxa” ensinou uma geração a dançar, o estilo mais pensado pode até ser o pop internacional, mas o funk carioca também foi trilha do programa.
“O funk que ninguém queria ver, na televisão e nada. Foi uma das primeiras coisas que eu comecei a colocar no programa e, graças a Deus, começou a ser aceito pelas pessoas. Começou a parar de ser discriminado.”
Xuxa posa durante filmagem de cena em que dança funk no filme ‘Lua de Cristal’ (1990) com o grupo Movimento Funk Clube — Foto: Divulgação/Facebook da Xuxa
Xuxa é uma das madrinhas famosas do funk, mas o Planeta Xuxa não foi o começo da relação do estilo com a rainha dos baixinhos.
Ela teve uma era funkeira em 1990, quando dançou funk no filme “Lua de Cristal” com o grupo Movimento Funk Clube. Xuxa apresentou o ritmo para cinco milhões de espectadores nos cinemas.
Depois, fez programas especiais sobre o funk e convidou Marlboro para ser DJ residente em programas dela.
Alexia, ‘Uh la la la’ e alguns desabafos
Atração do Planeta Xuxa, a cantora italiana Alessia Aquilani foi backing vocal do Ice MC e colega de gravadora do Double You e da Corona. No auge, Alexia (nome artístico dela) perambulou por programas brasileiros no final dos anos 90 cantando hits como “Uh la la la” e “Summer is Crazy”.
Alexia conversou com Xuxa, cantou com Sandy & Junior, ouviu o “Loucura, loucura” de Luciano Huck e dançou com Angélica. Riu sem graça das piadas machistas de Jô Soares e Otávio Mesquita, ouviu o “fala garota” de Serginho e se esquivou da mãozinha pinça-cintura de Raul Gil.
“Foi intenso”, define Alexia ao g1. “Foi uma pressão, porque quando você é um sucesso tão grande você tem que se repetir. Você se sente um pouco em uma gaiola que você tem que cantar 130 BPM [batidas por minuto] toda vez que faz um disco.”
A cantora italiana Alexia nos anos 90 e em foto recente — Foto: Divulgação
Alexia lembra que era comum ouvir coisas do tipo “tudo bem, ela é tão cool. É um rosto bonito, algo bem-produzido, mas só isso”. “Eu tive que lutar para mostrar quem eu era e provar para esses merdas… Eu tive que ir ao Festival de San Remo duas vezes para provar que era artista.”
O Festival de San Remo acontece desde 1951 na Itália, parecido com as competições de canções que aconteciam no Brasil. Alexia venceu em 2003, com “Per dire di no”. A vitória foi logo antes de uma pausa na carreira para se dedicar à família: ela teve duas filhas.
Não ser mais reconhecida nas ruas também mexeu com a cabeça dela. “Você para e percebe que as pessoas não te reconhecem mais, porque você não está na TV toda hora, porque você mudou o cabelo, porque você engordou por estar grávida. Ou você acabou de ter um bebê e as pessoas apenas olham para você e dizem que você parece familiar, mas não sabem por quê.”
Então, ela responde: “Sim, eu sou Alexia”. “‘Oh meu Deus. É você. Por que você parou de cantar?’ Eu não ‘parei’ de cantar. Eu só decidi ser mãe e não é tão simples se você está no palco, no avião, pelo mundo todo. Se você tem um bebê, o bebê precisa de você. Então, foi complicado.”
Lou Bega
Em 1999, “Mambo number 5” chegou ao primeiro lugar nas paradas de mais de 20 países. A principal apresentação do megahit no Brasil foi no palco do “Planeta Xuxa”, em 2000.
Ele ensinou a apresentadora a dançar, deu várias entrevistas, mas diz que não sabe direito o que rolou naquela viagem.
Xuxa vibra ao apresentar o programa ‘Planeta Xuxa’ — Foto: Divulgação/TV Globo
Hoje, David Loubega, nome real dele, segue em turnês aos 46 anos. Ele explica o sucesso de “Mambo Number 5”, feita a partir de uma repetição dos 30 segundos finais de uma música do cantor cubano Perez Prado (1916-1989).
“Em alemão, eu defino como werksverbindung. Soa técnico, certo? Mas é mais do que um werksverbindung, é a combinação de duas coisas boas.”
Não entendeu o porquê de Lou Bega falar alemão? É que ele é alemão, filho de mãe da Itália e pai de Uganda. Nasceu em Munique e vive em Berlim. Nos clipes, ele é só sorrisos e gritinhos, mas a resiliência com a qual fala da carreira impressiona:
Aqua
A banda dinamarquesa Aqua — Foto: Divulgação
Outra atração do “Planeta Xuxa” levou batidas e letras simples ao programa. O revezamento de vozes era hipnotizante e o visual parecia de banda de desenho animado. Com essa fórmula, o quarteto dinamarquês Aqua vendeu mais de 15 milhões de cópias de seu álbum de estreia, “Aquarium”.
Em 1997, “Barbie Girl” foi uma mais tocadas no Brasil. René Dif, ex-DJ de 53 anos, ficou famoso pela careca, pela voz grave e pelo sorrisão. Lene Nystrøm, 47, mudava de cabelo como quem muda de roupa. Virou cantora após ser modelo e assistente de palco em um famoso programa da TV norueguesa, terra natal dela.
“O Aqua tinha muita ironia, a gente tentava botar cores nas palavras. Era bem visual e tudo sempre brincava com isso”, explica Lene ao g1. “É como se a música fosse uma tela e você começasse a pintar com as palavras e os vocais e tudo isso.”
O Aqua veio só uma vez ao Brasil, em 2000. De todas as atrações ouvidas pelo g1, é a que lembra com mais detalhes do “Planeta Xuxa”.
No final da entrevista, o g1 mostrou para Lene e René o clipe de “Sou a Barbie Girl”, versão lançada por Kelly Key em 2005. Os dois aprovam.
“Ela é totalmente belíssima, primeira coisa. É uma boa, engraçada e linda versão do vídeo de ‘Barbie Girl’. Grande mérito dela”, elogia Lene. René diz que fica lisonjeado quando ouve versões de músicas do Aqua: “Com certeza, dou os parabéns a ela.”
“Esperamos que se a gente um dia voltar ao Brasil e talvez a gente possa se encontrar com ela… Daí a gente a leva para o palco para cantarmos juntos para todos os fãs brasileiros.” Em português? Ele ri e responde: “Eu até que falo um pouco de espanhol, mas só isso.”
Do G1.