CPI da Covid: veja as principais conclusões do relatório final

A última versão do relatório da CPI da Covid, apresentada nesta terça-feira (26), manteve as conclusões do documento anterior, do dia 20/10. As considerações finais foram tiradas das investigações e depoimentos de testemunhas ao longo dos 6 meses de trabalho da comissão.

Em tópicos, o g1 reúne as principais citações presentes no texto do relator, o senador Renan Calheiros (MDB-AL).

O novo texto sugere o indiciamento de 79 pessoas e duas empresas. O presidente Jair Bolsonaro é uma delas. O relatório incluiu ainda um pedido de ação no Supremo Tribunal Fedeal (STF) para afastar o presidente das redes sociais.

A CPI se reúne nesta terça-feira (26), pela última vez, para votar a nova versão do relatório final.

Os pedidos de indiciamento serão encaminhados aos órgãos competentes, entre os quais Procuradoria-Geral da República, aos ministérios públicos estaduais e ao Departamento de Polícia Federal.

A atuação do governo causou número elevado de mortes

O texto indica que as orientações dadas pelo governo federal, seja nas declarações do presidente Jair Bolsonaro ou nas informações divulgadas pelo Ministério da Saúde, mostram que o objetivo dos mandatários era expor os brasileiros ao contágio em massa, buscando eliminar a pandemia por meio da chamada imunidade de rebanho.

“Esta Comissão Parlamentar de Inquérito da Pandemia colheu elementos de prova que demonstraram sobejamente que o governo federal foi omisso e optou por agir de forma não técnica e desidiosa no enfrentamento da pandemia do novo coronavírus, expondo deliberadamente a população a risco concreto de infecção em massa”, diz o relatório.

É aqui que possíveis crimes do presidente Jair Bolsonaro começam a se enquadrar.É o caso de epidemia com resultado morte, infração de medida sanitária preventiva, incitação ao crime, charlatanismo, prevaricação, crimes contra a humanidade e crimes de responsabilidade.

Mas podem ser responsabilizados também o ex-ministro da Saúde Eduardo Pazuello e o atual dono do cargo, Marcelo Queiroga. Ambos foram indiciados por epidemia com resultado morte e prevaricação.

Pazuello ainda acumula emprego irregular de verbas públicas, comunicação falsa de crime e crime contra a humanidade.

Gabinete paralelo como chancela à ‘imunização natural’

Segundo a CPI, o chamado “gabinete paralelo”, composto por médicos, políticos e empresários, servia de validação para disseminar a ideia de que era seguro se contaminar pelo coronavírus contanto que se fizesse uso de medicamentos sem eficácia contra a Covid.

De acordo com o relatório, como os integrantes não faziam formalmente parte da administração, seria mais difícil responsabilizar o governo pelas informações que prestavam. Neste grupo estão nomes conhecidos, como o empresário Carlos Wizard, a médica Nise Yamaguchi e o virologista Paolo Zanotto, todos indiciados por epidemia com resultado morte.

“A CPI também pôde concluir que um dos principais objetivos do gabinete paralelo era o aconselhamento do Presidente da República para que fosse atingida a imunidade de rebanho pela contaminação natural no Brasil”, diz o texto.

Foi com base nas orientações dos integrantes do gabinete paralelo e acreditando que a pandemia se dissiparia naturalmente que o presidente Jair Bolsonaro resistiu ao uso de máscaras, ao distanciamento social e até mesmo à compra de imunizantes.

“O governo federal, em particular o presidente Jair Messias Bolsonaro, com o uso da máquina pública, de maneira frequente e reiterada, estimulou a população brasileira a seguir normalmente com sua rotina, sem alertar para as cautelas necessárias, apesar de toda a informação disponível apontando o alto risco dessa estratégia”, diz o relatório.

A CPI também conclui que foi com base na credibilidade dos integrantes do gabinete paralelo que o governo fez — e segue fazendo — propaganda de medicamentos que compõem o “kit covid” (como hidroxicloroquina, ivermectina e azitromicina), mesmo com estudos de alto padrão científico atestando sua inutilidade no tratamento da Covid e de órgãos internacionais, como a Organização Mundial da Saúde (OMS), recomendando o abandono de seu uso.

“A insistência no tratamento precoce em detrimento da vacinação aponta para o Presidente da República como o principal responsável pelos erros de governo cometidos durante a pandemia da Covid-19, já que foi corretamente informado e orientado pelo Ministério da Saúde, e mesmo assim agiu em contrariedade à orientação técnica, desprezando qualquer alerta que se contrapusesse a suas ideias sem fundamento científico, ou simplesmente demitindo os técnicos responsáveis por esses alertas”, afirma o texto.

‘Fake news’ impulsionaram orientações erradas no combate à pandemia

Segundo a CPI, as notícias falsas contribuíram para que a filosofia negacionista se expandisse, confundindo a população sobre as medidas corretas de prevenção contra a doença.

Além de constatar omissão dos órgãos competentes sobre a circulação de informações incorretas sobre a Covid, a CPI afirma que os órgãos oficiais de comunicação, a cúpula do governo e o presidente Bolsonaro tiveram atuação forte no fomento às “fake news”.

“As notícias falsas relacionadas ao novo coronavírus envolveram diversos tópicos, como a origem do vírus, com ataques xenófobos à China; a oposição infundada ao isolamento social; a divulgação de que o STF teria proibido o governo federal de atuar no combate à pandemia; o incentivo ao ‘tratamento precoce’; a desinformação sobre o número de mortes pela Covid-19; a contestação sobre a eficácia do uso de máscaras; e, por fim, a propaganda antivacina”, diz o relatório.

Para a CPI, a falsa sensação de segurança, desencadeada por informações inverídicas contribuiu decisivamente para o aumento do número de infectados e mortes. A divulgação era patrocinada por empresários como Otávio Fakhoury e contava com trabalho de blogueiros bolsonaristas, como Allan dos Santos, Oswaldo Eustáquio, Leandro Ruschel e Bernardo Kuster. Todos foram indiciados por incitação ao crime.

“As consequências dessas ações foram trágicas. A propagação das notícias falsas gerou um clima de desconfiança na população, incentivou as pessoas a agirem com leviana normalidade, fato que gerou uma exposição perigosa e desnecessária ao novo coronavírus e, consequentemente, contribuiu para a perda de vidas adicionais durante a pandemia”, diz o texto.

Falta de coordenação com governos estaduais e municipais

A CPI da Covid dá destaque ao fato de que o governo federal não articulou qualquer ação em conjunto com os governos estaduais e municipais durante a pandemia, além de não planejar aquisição de insumos estratégicos ou monitorar riscos de desabastecimento.

Além disso, a CPI diz que houve enfraquecimento da função de comunicação com o público em geral, com o embaçamento da transparência e o fim das coletivas de imprensa diárias, que serviam de informações importantes para a população e determinantes para a gestão da crise.

“Até meados de maio de 2021, o país não contava com uma estratégia bem delineada para a realização de testes de detecção e triagem da Covid-19”, afirma o relatório.

O relatório indica que a atuação do presidente Jair Bolsonaro, que incentivou a população a não seguir a política de distanciamento social, opôs-se ao uso de máscaras, convocou, promoveu e participou de aglomerações e procurou desqualificar as vacinas, serviu como fator de confusão às orientações passadas por autoridades locais.

“As consequências dessa estratégia macabra foram mensuradas pela ciência. Se medidas não farmacológicas tivessem sido aplicadas de forma sistemática no País, poderiam ter reduzido os níveis de transmissão da covid-19 em cerca de 40%, o que significa que 120 mil vidas poderiam ter sido salvas até o final de março de 2021”, diz o texto.

Omissão do governo levou ao atraso de vacinas

Apesar de dar clareza à falta de atuação do governo em uma organização do combate do pandemia, o relatório dá destaque especial ao atraso na compra de vacinas contra a Covid. Segundo a CPI, “a mais grave omissão do governo federal foi o atraso deliberado na compra de vacinas”.

“Foi possível concluir que a aquisição de imunizantes deveria ter figurado como a principal providência no processo de prevenção à disseminação do novo coronavírus e, consequentemente, de proteção à saúde das pessoas, mas infelizmente essa medida foi negligenciada”, diz.

O relatório afirma que esse atraso e a “imposição de escassez” de doses foi determinante para o alto índice de novos casos e de mortalidade no país, “assim como facilitou o alastramento de novas variantes”.

“As apurações feitas pela Comissão revelaram que, durante a gestão do ex-Ministro da Saúde, Eduardo Pazuello, e do ex-Secretário Executivo do Ministério da Saúde, Élcio Franco, foram feitas as primeiras ofertas de aquisição preferencial de vacinas, com destaque para o imunizante CoronaVac, da empresa Sinovac, em parceria com o Instituo Butantan, e o da Pfizer”, diz o texto.

“Não obstante, as tratativas e a conclusão das negociações do governo federal sofreram injustificável e intencional atraso, que impactou diretamente na compra das vacinas e no cronograma de imunização da população brasileira”, prossegue.

A CPI afirma que as apurações identificaram que a aquisição de imunizantes não foi prioridade do governo, que houve demora na conclusão dos contratos de compra de imunizantes e ficou clara a falta de iniciativa do governo em propor ajustes na legislação para permitir a aquisição de doses.

“Essa atuação negligente apenas reforça que se priorizou a cura via medicamentos, e não a prevenção pela imunização, e optou-se pela exposição da população ao vírus, para que fosse atingida mais rapidamente a imunidade de rebanho”, diz.

‘Interesses escusos’ permearam a aquisição de vacinas

O relatório entra em um longo descritivo de todos os esquemas encontrados pela CPI da Covid, em especial a compra da vacina indiana Covaxin, que sofreu pressão pela importação de dentro do Ministério da Saúde e era negociada por meio de intermediárias.

“Para além da criminosa negligência quanto à proteção da vida e da saúde dos brasileiros, havia também interesses escusos permeando as ações de autoridades federais durante a pandemia”, diz o texto.

No caso Covaxin, o relatório lembra:

  • As falhas graves no contrato, que totalizava R$ 1,6 bilhão;
  • A intermediação da Precisa Medicamentos, que tinha vínculos com a Global Gestão em Saúde, empresa que tinha pedido não entregue em outra contratação com o ministério;
  • O preço de US$ 15 por dose da vacina, mais alto que as demais contratadas no país;
  • O pedido de pagamento adiantado do contrato em offshore em Singapura;
  • O fato de a vacina não estar aprovada pelas autoridades sanitárias do país;
  • A pressão dentro do Ministério da Saúde para liberação da importação das vacinas;
  • A denúncia feita pelo funcionário de carreira do Ministério da Saúde Luis Ricardo Miranda e pelo deputado federal Luis Miranda, que foram negligenciadas pelo presidente Jair Bolsonaro;
  • Surgimento dos nomes de Roberto Ferreira Dias e Alex Lial Marinho como integrantes do ministério que tinham pressa na importação da Covaxin, segundo a denúncia de Miranda;
  • O possível envolvimento do deputado federal Ricardo Barros como facilitador de todo o esquema;
  • Semelhança com a negociação da vacina CanSino, também por meio da intermediária Belcher Medicamentos, que tem sócio ligado a Barros;
  • A falsificação de documentos da Bharat Biotech pela Precisa Medicamentos;
  • Atuação do FIB Bank como garantidor da operação, empresa que não teria recursos para garantir o contrato.

Em seguida, o texto dá atenção especial à figura de Roberto Ferreira Dias, que seria ponto central desse esquema e também da proposta dos 400 milhões de doses fantasmas da vacina de Oxford/AstraZeneca oferecidas pela Davati. Dias foi indiciado por corrupção passiva, formação de organização criminosa e improbidade administrativa.

“Os indícios apontam que Roberto Ferreira Dias, então diretor de Logística do Ministério, teria pedido propina para facilitar a negociação de vacinas oferecidas por um mercado secundário cheio de atravessadores”, diz o texto.

E prossegue apontando atuação de Dias em um reajuste de contrato acima do que foi indicado pela área técnica do ministério com a empresa VTCLog.

“Ao analisar os documentos do processo licitatório que resultou no contrato com a VTCLog, a CPI identificou a presença de uma série de indícios que demonstram a possível ocorrência do chamado “jogo de planilha”, artifício utilizado para possibilitar que um licitante vença o certame de maneira aparentemente legal e, posteriormente, ao longo da execução contratual, passe a manipular preços unitários com o intuito de aumentar demasiadamente o valor do contrato, mediante termos aditivos, em prejuízo ao erário. Não se pode descartar corrupção para funcionários permitirem tal jogo”, afirma a CPI.

A CPI lembra que, por meio da quebra de sigilo bancário, foram identificados saques feitos por um motoboy da VTCLog para pagamento de boletos e fornecedores, o que seria uma “tentativa de ocultar a destinação do dinheiro, que provavelmente serviu para o pagamento de propina”.

“Verificou-se também que boletos do Sr. Roberto Ferreira Dias foram pagos pela VTCLog com dinheiro proveniente desses saques, o que constitui sério indício de corrupção nas transações entre o Ministério da Saúde e a empresa”, diz o relatório.

Indígenas

O relatório afirma que “não é segredo” que o governo de Jair Bolsonaro foi responsável por “políticas contra o direito dos indígenas” e que o coronavírus foi “mais uma arma, a mais mortífera” na “campanha que já estava em curso”.

Segundo a CPI, o governo se recusou a fornecer insumos vitais e usou a pouca assistência oferecida como álibi para tentar “esconder as omissões deliberadas no seu dever de proteger”.

“Mesmo a prioridade dada aos indígenas na vacinação foi parcial”, diz o relatório. “Quando o Supremo Tribunal Federal determinou a vacinação abrangente, o governo resistiu.”

“As campanhas oficiais de vacinação contrastam com a ofensiva extraoficial que o Presidente Bolsonaro instiga contra as vacinas, criando boatos que seus apoiadores replicam nas redes sociais e fazem chegar aos indígenas.”

Caso Prevent Sênior

As conclusões do relatório destinam pouco espaço, mas fazem menção ao caso Prevent Sênior, que conduziu experimentos para validar uma suposta eficácia dos remédios que compõem o chamado “tratamento precoce” contra a Covid-19.

A CPI chama de “macabra atuação” o procedimento da empresa de promover testes clínicos conduzidos sem autorização dos comitês de ética em pesquisa, “transformando os segurados do plano em verdadeiras cobaias humanas”.

“Ademais, kits com medicamentos foram enviados sem avaliação dos pacientes e de seus riscos, médicos foram perseguidos por se recusarem a prescrever tratamentos ineficazes, mortes por Covid foram ocultadas para ocultar a ineficácia do tratamento, declarações de óbito foram fraudadas para reduzir a morbimortalidade nos hospitais da empresa”, recorda o texto.

Por conta do caso Prevent Sênior, os principais indiciados são os donos da empresa, Fernando e Eduardo Parrillo, e o diretor técnico Pedro Benedito Batista Junior, todos enquadrados por perigo para a vida ou saúde de outrem, omissão de notificação de doença, falsidade ideológica, crime contra a humanidade.

Médicos que assinaram laudos de óbito de pacientes em que foi ocultada a Covid-19 como causa da morte também entram na lista.

Caso Prevent Sênior

As conclusões do relatório destinam pouco espaço, mas fazem menção ao caso Prevent Sênior, que conduziu experimentos para validar uma suposta eficácia dos remédios que compõem o chamado “tratamento precoce” contra a Covid-19.

A CPI chama de “macabra atuação” o procedimento da empresa de promover testes clínicos conduzidos sem autorização dos comitês de ética em pesquisa, “transformando os segurados do plano em verdadeiras cobaias humanas”.

“Ademais, kits com medicamentos foram enviados sem avaliação dos pacientes e de seus riscos, médicos foram perseguidos por se recusarem a prescrever tratamentos ineficazes, mortes por Covid foram ocultadas para ocultar a ineficácia do tratamento, declarações de óbito foram fraudadas para reduzir a morbimortalidade nos hospitais da empresa”, recorda o texto.

Por conta do caso Prevent Sênior, os principais indiciados são os donos da empresa, Fernando e Eduardo Parrillo, e o diretor técnico Pedro Benedito Batista Junior, todos enquadrados por perigo para a vida ou saúde de outrem, omissão de notificação de doença, falsidade ideológica, crime contra a humanidade.

Médicos que assinaram laudos de óbito de pacientes em que foi ocultada a Covid-19 como causa da morte também entram na lista.

Do G1.