“Assistiremos um começo de vazio político no ar?”, questiona colunista

Está-se brincado com fogo no Brasil. Não se interrompe regressivamente um processo de afluência social sem graves consequências, inclusive no campo da política. Lembremos do verso da canção de Chico Buarque e nosso conterrâneo Paulo Pontes: “pode ser a gota d’água”.

É preciso traduzir os números, aparentemente frios, de nosso debate intelectual sobre a recessão econômica na carne e osso da vida real e suada dos homens e mulheres. E principalmente retirar conclusões visando a ação. Em primeiro lugar, se a crise é política e econômica, os números em elevação do desemprego perspectivam a proximidade do agravamento da dimensão social da crise. Depois, e não é de hoje, várias experiências históricas do passado confirmam que quando crise bate no social, a política entra em curto-circuito e sobrevém a desesperança.

Por tudo isso, os números da pesquisa do IBOPE divulgados há 15 dias, conquanto tenham caído como uma bomba atômica entre os agentes do sistema político em Brasília, jamais, a quem acompanha os sinais emitidos das ruas, poderiam ser recebidos como um raio em céu azul. Mais que partido A ou B, a pesquisa IBOPE descortinou que o sistema político brasileiro se encontra na UTI. Todos os hipotéticos candidatos à presidência em 2018 (Lula, Aécio, Serra, Alckmin, Marina e Ciro), de quase todas as vertentes políticas e ideológicas, amargam altíssimos índices de rejeição. Assistiremos um começo de vazio político dissoluto, no ar?

Quem semeia ventos colhe tempestades (versículo bíblico, Oséias 8). A oposição, principalmente PSDB e DEM, pensava que fazendo um combate sem regras nem princípios ao governo Dilma – desgastado em virtude da política econômica -, como por osmose estaria credenciada a ocupar em breve a Presidência da República, na qual foi derrotada em quatro eleições seguidas.

Era só cumprir tabela e correr para o abraço, calculavam os maus alunos que não entenderam as verdadeiras intenções de Maquiavel. Engano da oposição. Não se faz política sem esperança. Todos sabem, e a população tem essa intuição, que o programa econômico da oposição é o mesmo de Joaquim Levy, um programa de desesperança.

Poderia arguir muitos exemplos históricos de situações parecidas. Fico com a vizinha Argentina de finais do governo de Carlos Menem, em dezembro de 1999. Resultado de uma política econômica desastrada de paridade 1/1 entre a moeda local, sob a batuta do ministro financista Domingo Cavallo, o peso, e a moeda internacional, o dólar- preceito cambial por desatino absoluto inscrito inclusive na constituição do país, um autêntico sistema neocolonial de CurrencyBoard -, depois um breve período de euforia de consumo nas classes médias, logo sobreveio a realidade da falsidade do artifício da âncora cambial. Aconteceu uma corrida bancária de retirada de depósitos em peso em compra de dólares.

A crise social se agravou, a taxa de desemprego chegou a 20%. O governo caiu, Menem e Cavallo, antes incensados, viraram pó da história. Novos presidentes foram empossados no Congresso, todos caindo em sequência de dominó. A desesperança era absoluta, ninguém virou portador credenciado da política. A sociedade, por um tempo, recusou a política, tanto que cunhou o conhecido refrão “que se vayan todos”.

Qual seria o efeito do lema “que se vayan todos” no Brasil? Na Argentina, depois de um tempo de agonias, em razão das raízes do peronismo na sociedade – um fenômeno de longevidade política que se assemelha mais a uma mentalidade que uma ideologia – e do lema “que se vayan todos” expressar justa indignação, mas não projeto político, as coisas começaram a se acomodar a partir da eleição de Nestor Kirchner, em fevereiro de 2003.

Outro resultado perverso da crise de desesperança pode ser a chegada de surpresa de um personagem novo, um outsider alheio ao sistema político. Foi que o aconteceu na Itália com a assunção do empresário de mídia e dono de time de futebol Silvio Berlusconi, na esteira da débâcle do sistema político italiano na década de 1990, com as consequências da operação “Mãos Limpas”.

A corrupção precisa ser combatida sem tréguas e os culpados condenados. Entretanto, como no pior passado brasileiro (lembremos do combate da UDN a Getúlio Vargas) não podemos instrumentalizar a justa bandeira do combate à corrupção para provocar um clima de intolerância e desestabilização de governo, como tem sido durante o ano inteiro a malograda – como atesta a pesquisa IBOPE – estratégia da oposição. Miraram um alvo específico – o PT e o governo Dilma – e podem ter acabado de atirar em si mesmos.