Saiba tudo sobre o primeiro dia da sétima edição do Cine Congo

Algo de mágico parecia tomar conta da pequena cidade do Congo, município do Cariri paraibano de pouco mais de 5 mil habitantes, distante 268 km da capital João Pessoa. A cidade de ruas pequenas, calçadas extensas e ladeada de casas e pequenos empreendimentos comerciais tinha uma energia diferenciada, estava acesa e receptiva – e não era apenas os ornamentos decorativos da 7ª edição do Cine Congo, festival de cinema dedicado a curtas-metragens que acontece desde 2009.

Ana Cristina, moradora do lugar, revelou estar animada e que esse clima tinha algo de envolvente. “Estou achando tudo lindo! Meus filhos gostam muito, a cidade se enche de vida!”. A atmosfera gerada pelo Cine Congo é mesmo algo contagiante. Os jovens se engajam na produção do Festival, organizado pela ACCON (Associação Cultural do Congo), as crianças ficam eufóricas, os moradores comparecem em peso.

As sessões de cinema e apresentações culturais do Cine Congo acontecem numa avenida da cidade, num palco montado com estrutura de projeção (tela e sistema de som). Lá as pessoas lotam o ambiente e os espaços ao redor: cadeiras todas ocupadas, calçadas com famílias e amigos reunidos para acompanhar a programação. É uma verdadeira celebração coletiva. Nunca tinha presenciado um clima tão peculiar num festival de cinema, onde o público parece imergir e “abraçar” o evento como uma extensão de casa, de uma festa de família.

A abertura foi com uma apresentação que misturava performance teatral, música e poesia e homenageou o Dia da Consciência Negra, que coincidiu com a data da cerimônia de início oficial do Cine Congo. Em seguida foi exibido um vídeo em homenagem a trajetória artística da atriz Zezita Matos, o nome homenageado na 7ª edição do Festival. Zezita não pode estar presente porque está no Rio de Janeiro participando do processo de preparação de elenco para próxima novela das 21hs da TV Globo, Velho Chico. Quem a representou foi a cineasta Virgínia Gualberto, que recebeu o troféu e agradeceu o reconhecimento dado a uma das mais importantes artistas paraibanas.

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Foto: Arthur Medeiros

Os filmes

No primeiro dia da mostra competitiva foram exibidos 4 curtas:

A pré-estreia de Amargo da Cana (PB), curta de documentário sobre a cultura de exploração da cana-de-açúcar no município paraibano de Juripiranga. O filme surgiu de um projeto do qual participaram vários jovens estudantes da cidade fizeram um curso de formação audiovisual e se engajaram em todas as etapas de produção da obra.

O curta de ficção Olhos de Botão (PE), de Marlon Meireles, que tem a homenageada Zezita Matos como uma das protagonistas, foi o grande destaque da noite, com uma história que mistura suspense, drama e alguns elementos de thriller. Uma produção muito bem construída, com narrativa sólida, direção de atores muito boa, roteiro e montagem consistentes.

Terceiro curta exibido, a ficção Quebra de Contrato (RJ), de Lindebergue Vieira, cujo argumento é baseado numa notícia publicada no tabloide alemão Bild, sobre um casal cuja mulher deseja muito ter um filho, mas descobre que o marido é estéril, não dispõe de recursos para inseminação artificial e abre uma seleção para encontrar um “fecundador” para consumar o intento e propõe esse acordo via contrato. Divertiu o público com o humor do enredo, mas é uma produção deveras simplista e tecnicamente capenga, parecia ter sido editado usando o Movie Maker.

O último filme exibido na primeira noite da mostra competitiva foi o documentário Xampy (SP), de Paulo Menezes e Daniel Wierman, sobre a história de uma figura homônima do segmento LGBT da cidade de São Paulo enfocando as várias matizes e vivências pelas quais ela passou. Um olhar humanizado e de construção de identidade. Após a exibição, fechando a noite e casando bem a temática do último curta, houve a performance de Elvis Ferrier, um dos apresentadores do Cine Congo, com a canção Volta, do músico pernambucano Jhonny Hooker, uma quebra de tabu e uma ousadia, tendo em visto o tradicionalismo que ainda é muito forte no interior

Moda

Antes da mostra competitiva, foi exibida uma prévia do documentário sobre as rendeiras da paraíba, que produzem a Renda Renascença, que ganhou destaque nacional ao ter sido utilizada no desfile da estilista Fernanda Yamamoto no São Paulo Fashion Week 2015. Ela esteve na abertura do Cine Congo e falou sobre a experiência e o contato com o trabalho das rendeiras e adiantou que o lançamento do documentário completo sobre a história delas acontecerá em meados de 2016.

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Fernanda Yamamoto visita exposição de peças de renda renascença no Cine Congo deste ano. Foto: Arthur Medeiros

Também foi exibido um vídeo do desfile de Yamamoto na SPFW, que contou com a participação especial das rendeiras que produzem a renda Renascença. Como parte da programação do 7º Cine Congo, está aberta a Exposição de Moda Fernanda Yamamoto, com peças produzidas pela estilista a partir do contato com a renda paraibana.

Fernanda Yamamoto falou sobre objetivo e a importância do trabalho desenvolvido com base na tradição da renda paraibana e de dar projeção a ele. “É importante para desmistificar o glamour que ronda o mundo da moda. Trazer (a exposição e o filme) pra cá e mostrar que, no fundo, o que existe é esse trabalho do dia-a-dia, uma peça (de renda) que demora 3 meses pra se fazer e é feita por essa mulher que faz renda e também faz tantas outras coisas ao mesmo tempo. Trazer pra cá e mostrar um pouco do que é mais importante, esse trabalho manual, essa cultura que está se perdendo com o tempo”, defendeu Yamamoto.

Mostra Noite proibida (+18)

Na programação desse ano foi incluída uma mostra paralela com filmes de temática mais adulta e para maiores de 18 anos. Para evitar ruídos e burburinhos junto à população do município do interior, as obras que continha nudez e abordagem sexual mais incisiva foram incluídas nessa mostra.  As sessões ocorreram num espaço fechado, o Auditório Municipal do Congo.

Os filmes exibidos foram Virgindade (PE), de Chico Lacerda, sobre o despertar da sexualidade e as vivências de um jovem homossexual no Recife. Dito (PB), de José Dhiones Nunes conta história do mito popular do Vaqueiro que se dorme nu tem pesadelos, causo do folclore local. O último filme exibido foi Moído (PB), de Torquato Joel, uma espécie de ensaio poético-visual sobre as relações humanas, a organização das camadas sociais e em que todos os atores em cena aparecem nus.

Ao final, os diretores Torquato Joel e José Dhiones participaram de um debate com o público presente onde discutiram a proposta dos filmes e as várias significações que eles ensejam. Sobre a relevância da ousadia e transgressão no cinema, representada, em certa medida, pelas cenas de nudez, Torquato enfatizou o aspecto político do uso desses recursos estético-narrativos. “Nesses tempos sombrios de retrocesso cultural e moralismo a Arte precisa ser usada como instrumento de transgressão”, defendeu o cineasta.