Hacker diz à CPI que Bolsonaro pediu que ele assumisse autoria de grampo contra Moraes

O hacker Walter Delgatti Neto disse, em depoimento à CPI dos Atos Golpistas nesta quinta-feira (17), que, em uma reunião com o então presidente Jair Bolsonaro, em 2022, ouviu que o governo já tinha conseguido grampear o ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Alexandre de Moraes.

Ele disse, ainda, que Bolsonaro teria, nesse encontro, sugerido que Delgatti Neto “assumisse a autoria” do grampo.

A conversa, ainda de acordo com o hacker, foi intermediada pela deputada federal Carla Zambelli (PL-SP). “Ela pegou um celular que estava com ela, enviou mensagem a alguém e o presidente da República entrou em contato comigo”, disse Delgatti.

“E segundo ele [Bolsonaro], eles haviam conseguido um grampo, que era tão esperado à época, do ministro Alexandre de Moraes. Que teria conversas comprometedoras do ministro, e ele precisava que eu assumisse a autoria desse grampo”, diz o hacker.

Ainda segundo Delgatti, a ideia por trás dessa estratégia era evitar questionamentos “da esquerda” – já que, por ter hackeado autoridades ligadas à operação Lava Jato, em anos anteriores, ele gozaria de certo prestígio entre os opositores de Bolsonaro.

“Lembrando que, à época, eu era o hacker da Lava Jato, né. Então, seria difícil a esquerda questionar essa autoria, porque lá atrás eu teria assumido a ‘Vaza-Jato’, que eu fui, e eles apoiaram. Então, a ideia seria um garoto da esquerda assumir esse grampo”, relatou.

Delgatti disse ainda:

  • que o grampo, segundo ouviu de Bolsonaro, teria sido feito por estrangeiros;
  • que não chegou a acessar as conversas supostamente grampeadas, e não sabe se elas existem;
  • e que, em troca de assumir a autoria do grampo, receberia um indulto presidencial.

Delgatti ficou conhecido por ter vazado, em 2019, mensagens atribuídas ao então ministro da Justiça e ex-juiz Sergio Moro, a integrantes da força-tarefa da Lava Jato e outras autoridades. Ele chegou ao Senado pouco antes das 9h.

Recentemente, o “hacker de Araraquara” voltou à mira da Polícia Federal pela invasão de sistemas do Conselho Nacional de Justiça (CNJ) para a inclusão de um falso mandado de prisão contra o ministro Alexandre de Moraes, presidente do Tribunal Superior Eleitoral (TSE).

No ofício, havia inclusive a frase “faz o L” — um dos slogans da campanha eleitoral mais recente do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT).

À época, Walter Delgatti Neto disse que o falso documento foi redigido pela deputada Carla Zambelli (PL-SP).

No total, foram aprovados 6 requerimentos para convocação do hacker — todos de autoria parlamentares da base de apoio do governo, entre eles a senadora Eliziane Gama (PSD-MA).

Na noite desta quarta (16), o ministro Edson Fachin, do Supremo Tribunal Federal (STF), autorizou que o hacker recorra ao silêncio durante o depoimento. A decisão atendeu a um pedido da defesa de Delgatti.

Walter Delgatti Neto voltou a ser ouvido pela Polícia Federal nesta quarta (16), um dia antes da ida à CPI. Foi a segunda vez em que o hacker depôs sobre a relação com Zambelli e o plano para invadir sistemas do Judiciário.

Investigado pela tentativa de invasão à Justiça, Delgatti está preso desde o início de agosto. Ele foi detido em operação da PF, que também contou com buscas e apreensões em endereços de Zambelli.

Segundo o advogado Ariovaldo Moreira, no depoimento, o hacker complementou informações e apresentou provas à PF de que foi contratado pela deputada para “invadir qualquer sistema do Judiciário”.

Em entrevista a jornalistas, Moreira declarou que Delgatti recebeu R$ 40 mil pelo serviço.

“Ele faz provas de que recebeu valores da Carla Zambelli. Segundo o Walter, o valor chega próximo a R$ 40 mil. Foi próximo a R$ 14 mil em depósito bancário. O restante, em espécie. [Para] invadir qualquer sistema do Judiciário”, disse o advogado.

Em depoimento à PF, Delgatti disse que esteve no Palácio da Alvorada e que, na ocasião, o então presidente Jair Bolsonaro (PL) teria questionado a ele se seria possível invadir as urnas eletrônicas.

O encontro entre o hacker e Bolsonaro foi articulado por Zambelli.

Enquanto presidente da República, Bolsonaro fez reiteradas críticas às urnas e tentou colocar em xeque o sistema eleitoral sem jamais ter apresentado provas de eventuais irregularidades.

Em uma das empreitadas contra o sistema eleitoral, o então presidente convocou embaixadores para encontro no Palácio da Alvorada, com o objetivo de apresentar suposições infundadas sobre o processo eleitoral brasileiro. A reunião levou o TSE a declarar Bolsonaro inelegível.

À imprensa, a defesa de Carla Zambelli afirmou que a deputada “rechaça qualquer acusação de prática de conduta ilícita e imoral pela parlamentar, inclusive, negando qualquer tipo de pagamento ao mencionado hacker”.

Lava Jato
Preso pela PF por suspeita de fraude em sistemas de órgãos públicos, Delgatti ficou conhecido no episódio do vazamento de mensagens da Lava Jato.

À época, Walter Delgatti Neto afirmou ter conseguido acessar perfil de aplicativo de mensagens vinculado a autoridades da Operação Lava Jato, em Curitiba (PR).

Em 2019, foram vazadas mensagens atribuídas, por exemplo, ao então juiz Sergio Moro, atualmente senador, e ao então procurador Deltan Dallagnol, ex-deputado.

Delgatti e outros três suspeitos chegaram a ser presos, apontados como responsáveis pela invasão dos dispositivos.

Um ano depois, em 2020, Walter Delgatti Neto foi posto em liberdade, com a adoção de medidas cautelares. Entre os requisitos para o relaxamento da prisão estavam o uso de tornozeleira eletrônica e a restrição ao uso de internet.

Nos últimos meses, voltou a ser preso e solto. Primeiro, em junho, ele foi deitdo pelo descumprimento das medidas cautelares. Isso porque, à época, Delgatti afirmava estar cuidando do site e das redes sociais de Zambelli.

Em julho, foi solto e voltou a usar tornozeleira. No último dia 2, voltou a ser preso na operação da PF que investiga o plano para invadir sistemas do Judiciário.

Do g1