Filme retrata relações humanas, socioculturais e políticas em Cuba

Numa Escola de Havana (Cuba, 2014. Título original: Conducta) é mais um dos diversos exemplos do quão singular pode ser a produção cinematográfica em Cuba – tanto na abordagem temática, quanto na qualidade estética. Não é de hoje que o cinema cubano produz obras notáveis, vide os excelentes Morango com Chocalate e Guantanamera, além de vários outros. Mas o tom da crítica social que a película de Ernesto Daranas traz é peculiar e sintomática da atual conjuntura que a ilha caribenha vive. É, portanto, um diferencial em relação até mesmo outros filmes que trouxeram um viés político-social às telas cubanas.

O filme é centrado na história de Carmela (Alina Rodriguez), professora com mais de meio século de magistério (“menos tempo que os dirigentes deste país”, como responde quando questionada se já não era o momento de uma aposentadoria), dedicada e comprometida com sua função, e Chala (Armando Valdes Freire), um legítimo garoto-problema. Filho de mãe drogada e alcoólatra, à deriva de sua vulnerabilidade, ele ajuda a organizar brigas entre cães para trazer dinheiro para casa enquanto estuda numa escola regular e arruma encrencas.

Conduta, no título original, faz alusão a várias nuances das relações presentes em Cuba, em diversos âmbitos: conduta ética-humanitária, de sobrevivência, da máquina da burocracia institucional, de olhar e sentir a necessidade do outro e acolhê-lo, de escolher se posicionar de forma diferenciada, contestando modelos estabelecidos.

Na película de Daranas são mostradas as relações humanas, socioculturais e, em certa medida, políticas, numa Cuba contemporânea e extremamente paradoxal, onde os serviços públicos de qualidade como o de saúde, por exemplo, coexistem com o empobrecimento, a falta de perspectivas, a marginalização. Há também a burocratização excessiva do governo na vida dos cidadãos em contraste com as idiossincrasias da estrutura organizacional do país, o que cria casos de profunda controvérsia na trajetória de vários indivíduos.

Não obstante, é uma obra realizada com patrocínio do ICAIC (Instituto Cubano del Arte e Industrias Cinematographicas), órgão oficial do Governo de Cuba para fomento à produção audiovisual. Foi, também, vencedor do prêmio de melhor filme no Festival de Havana, em 2014, principal premiação de cinema do país.

A questão política local permeia o filme, mas aparece como pano de fundo. A educação humanizada e as relações de afeto que se entremeiam no ambiente escolar e fora dele é que são o plano central. “Se você quer que ele seja um delinquente, trate-o como um”, é a frase dita por Carmela ao ser questionada sobre sua insistência com Chala. Ciosa de sua missão, ela persiste e enfrenta a burocracia e o comodismo da direção da escola.

A falta de um olhar mais sensível no ambiente escolar e familiar, os velhos arcabouços que persistem e cerceiam, o rebelar-se contra o establishment posto e se jogar em aventuras infrutíferas, numa procura por si mesmo, por um caminho, tudo isso perpassa e estrutura a produção – elementos que tornam a obra universal, para muito além do território e das questões inerentes a Cuba. Não é à toa a referência de Os Incompreendidos, de Truffaut, reforçada pela notória semelhança física entre Armando Valdes Freire e o Antoine Doinel de Jean-Pierre Léaud.

A fotografia é esplêndida, mostra Cuba e suas matizes imagéticas e sociais de forma minimalista, amplificando o apelo emocional que a obra enseja. O elenco está afinadíssimo – destaque para os já citados Armando Valdes e a saudosa Alina Rodriguez -, o roteiro primorosamente construído e as sequências bem produzidas – técnica e artisticamente. Não fossem alguns chavões dramáticos isolados seria perfeito. Mas é até compreensível, dada a temática. Um filme que vale muito apena ser visto, refletido e sentido. Cinema com C maiúsculo, de Cuba.