Fest Aruanda: 15ª edição do evento realiza estreia de longa paraibano, neste domingo

Filme de Kalyne Almeida, “Aponta Pra Fé ou Todas as Músicas da Minha Vida”, foca a vida, os afetos e a militância das mulheres no Porto do Capim

Aponta Pra Fé ou Todas As Músicas da Minha Vida, de Kalyne Almeida, já é um marco do cinema paraibano. Terceiro longa-metragem de ficção dirigido por uma mulher na Paraíba, sendo a segunda mulher a dirigir um longa-metragem de ficção na história do cinema paraibano, o filme se junta às duas produções da cineasta veterana Vania Perazzo, Por Trinta Dinheiros (2005) e O Que Olhos Não Veem (2019) e integra um grupo seleto de obras audiovisuais com realização feminina no Estado. O filme fará sua estreia no 15ª Fest Aruanda do Audiovisual Brasileiro, na Mostra Competitiva “Sob o Céu Nordestino”.

Mas não só é um filme de direção feminina, como é centrado na figura da mulher e apresenta um olhar sobre o cotidiano e suas múltiplas questões que parte de um ponto de vista feminino. Essa é uma característica central da filmografia da cineasta Kalyne Almeida, que ela aprofunda nesse seu primeiro longa-metragem.

O enredo do filme é focado em Martha, interpretada por Rayssa Holanda, uma jovem mulher que divide seu tempo entre a maternidade, a casa, o esposo, faz curso superior e é uma das principais lideranças da comunidade Porto do Capim. Ela luta pela preservação e por melhores condições de vida no lugar, contra um projeto de remoção das famílias para construção de um complexo turístico. A protagonista ainda lida com a doença da avó, a matriarca da família.

Embora seja uma obra de ficção, o longa tem vários elementos documentais e seu enredo é alicerçado numa situação real, que é a ameaça de retirada das famílias de moradores do Porto do Capim, projeto idealizado pela prefeitura da capital paraibana. Há um destaque para o ativismo das mulheres da comunidade e o cotidiano do lugar. Ficção e realidade se misturam, deixando a fronteira entre a narrativa ficcional e o documentário mais tênue, embora sempre demarcada. Sobre essa particularidade, Kalyne Almeida ressalta que não vê problema nesse hibridismo na forma de contar a história.

“Não me apego à [classificação de] gênero ficção ou documentário, confio muito no hibridismo e na transição entre os dois. A obra está aberta a ser complementada”, salienta ela. “Mas, para indexação dessa obra, o filme é uma ficção”, pontua. Ela complementa destacando esse caráter fronteiriço da produção como um aspecto que potencializa seu discurso. “É um filme de fronteiras. Acho que os elementos simbólicos do filme também são fronteiras entre ficção e documental, entre a cidade e a comunidade, a linha do trem que divide o Centro da cidade e a comunidade é o raio que delimita e abraça ao mesmo tempo a localidade. É um filme de fronteiras!”, avalia Kalyne.

Aponta Pra Fé ou Todas as Músicas da Minha Vida nasceu como curta, com patrocínio de um Edital do Ministério da Cultura, mas no seu percurso de realização a diretora viu um potencial na história que se expandia ao formato de filmes de curta duração. Do curta que já foi lançado no Porto do Capim em 2019, nasceu o longa-metragem.

“O Porto do Capim é uma comunidade muito rica e percebemos durante a vivência de pré-produção que somente um curta-metragem não iria dar conta das construções simbólicas. Logo, as narrativas do projeto cresceram junto com a vivência da nossa equipe dentro da comunidade. Com isso, nasce o longa-metragem que acaba sendo um spin off do curta-metragem Aponta Pra Fé. O nosso longa-metragem chama-se Aponta Pra Fé ou Todas as Músicas da Minha Vida” destaca a cineasta Kalyne Almeida, dando ênfase ao título composto do filme, também um dos modos de fazer distinção à sua versão curta, que foi lançada antes do longa.

Sobre o nome composto, a diretora revela que a música foi um elemento muito marcante na constituição tanto da história quanto da produção do longa. “Durante a construção do roteiro e dos protagonistas, cada sequência tinha como tema uma canção. O processo criativo do filme foi todo embalado em canções”, detalha ela.

Um filme feito “de dentro pra fora”

O processo de construção de Aponta Pra Fé Ou Todas As Músicas da Minha Vida teve a coloração e a integração do Porto do Capim por meio da associação das mulheres do Porto do Capim, da qual fazem parte a protagonista Rayssa Holanda e sua irmã gêmea, Rossana Holanda, Joyce Lima, dentre outras mulheres. Para que o projeto acontecesse, foi fundamental o apoio da comunidade, tanto na estrutura quanto na abertura para que o lugar pudesse ser mostrado como ele é, que as famílias se sentissem à vontade para abrir suas casas e fazer delas set de filmagens por alguns dias.

“Quando chegamos na comunidade, em 2016, eu e a produtora executiva do curta-metragem, Renata Abreu, já com roteiro do curta pronto, a gente percebeu que as apreensões simbólicas necessitavam de mais tempo de vivência na comunidade, de maior troca e inclusive abrir o roteiro para uma construção coletiva. É daí onde o longa-metragem nasce, dessa abertura do roteiro e da construção coletiva da narrativa com a comunidade”, explica Kalyne.

Ela revela que o roteiro da versão curta do filme foi escrito antes do diálogo com a comunidade. Depois de estabelecido o contato com os moradores do Porto do Capim e apresentado o roteiro, percebeu-se que o processo de construção da narrativa deveria ser algo colaborativo e coletivo, com estreita participação das pessoas que vivem na localidade, fazendo de Aponta Pra Fé um filme feito “de dentro pra fora”.

“Percebemos que o método [de construção do filme] deveria ser outro, entendemos que precisávamos construir aquele projeto junto com a comunidade e a associação das mulheres do Porto do Capim, que junto com o coletivo Garças do Sanhauá, sustenta a militância por direito à moradia. Quando eu falo que é um filme ‘de dentro para fora’ é porque durante o processo entendemos que o filme precisava ser construído junto com a comunidade, estávamos abertos para essa construção coletiva. Metade da equipe é da comunidade” pontua a diretora Kalyne Almeida. “Realmente aprendemos a fazer Aponta Pra Fé ou todas as músicas da minha vida através dos ensinamentos e posicionamentos das mulheres do Porto do Capim. Foi uma escola”, completou.

Elenco

Outro aspecto da integração entre a equipe do filme e a comunidade do Porto do Capim foi o elenco, que tem a moradora do Porto e liderança comunitária Rayssa Holanda como protagonista. A escolha dela para o papel principal do longa foi feita através de um teste de elenco em que participaram várias atrizes, desde figuras do circuito artístico do cinema local até pessoas sem experiência profissional em dramaturgia – caso de Rayssa, que fez sua estreia como atriz.

“A protagonista fez teste de elenco junto com outras atrizes e a criança que interpreta a filha dela também é da comunidade, então, a relação que a gente construiu não foi somente de produção de um produto, foi uma construção simbólica de um projeto que precisamos reaprender a fazê-lo”, destacou a diretora Kalyne Almeida.

Rayssa corrobora a fala da cineasta e ressalta como o processo de construção coletiva foi importante tanto para o envolvimento da comunidade no projeto quanto do ativismo pelos direitos dos moradores do Porto. Para ela, interpretar Martha foi um desafio com o mesmo nível de facilidade e dificuldade.

“Eu guardo esse momento [da produção do filme] como um momento muito importante e singular que veio a agregar ainda mais o meu processo de militância na comunidade. Ao mesmo tempo que foi fácil interpretar Martha, no sentido de ser uma vivência próxima à minha, também foi difícil porque eu tive de retratar e tentar transmitir um processo árduo da resistência, da militância, que tanto dói nos nossos corpos”, destacou a protagonista de Aponta Pra Fé ou todas as músicas da minha vida.

“Martha é uma mulher negra sendo protagonista de um filme e da sua própria história” – Rayssa Holanda, protagonista do longa-metragem.

Para Rayssa, Martha é uma espécie de síntese de todas as mulheres que estão no dia-a-dia, vivendo suas vidas, suas alegrias, seus dramas, amores e na linha de frente da luta pela resistência.

“Martha é uma mulher da vida real, a expressão que resvala no meu corpo atuando é um pouco de Rayssa, de Rossana, de Odenice, de todas as mulheres que fazem esse processo de resistência aqui no Porto do Capim. Um pouco de tudo isso: é uma mulher negra sendo protagonista de um filme e da sua própria história”, concluiu.

Outra figura-chave do elenco é o ator pernambucano Bruno Goya, que interpreta Tiago, o marido de Martha, um homem apaixonado pela mulher e pela filha mas que carrega uma grande dor e uma vontade de sair do Porto do Capim. Ele é pescador, porém tira a maior parte da renda como operário da construção civil.

Conhecido por trabalhos como o filme Aquarius (2016), de Kleber Mendonça Filho e das séries Onde Nascem os Fortes (2018) e Aruanas (2019), da TV Globo, ele revela que a experiência de atuar em Aponta Pra Fé como algo desafiador e maravilhoso ao mesmo tempo.

“Foi maravilhoso! Adoro personagens desafiadores. É uma personagem repleta de dilemas, o maior desafio foi entender até que ponto esses dilemas afetam o emocional de um ser humano. Às vezes os traumas afetam muito o nosso presente. Ele [Tiago, a personagem] teve um grande trauma no passado que atravessa o presente dele”, avalia o ator.

Entre as experiências marcantes durante as filmagens, Bruno destaca as cenas em que teve de remar numa jangada em pleno Sanhauá – a Paraíba, João Pessoa e a comunidade do Porto do Capim surgiram às margens desse rio.

“Gravar no rio, remando na jangada, foi desafiador porque é algo que eu nunca tinha feito. Estar numa imensidão daquelas, com a equipe no barco e você remando foi uma experiência maravilhosa porque são nesses momentos em que literalmente você precisa esquecer o ‘eu’ e se transportar totalmente pra personagem, pra aquela atmosfera e esquecer o seu medo de estar ali, já que pra personagem aquela situação era absolutamente corriqueira – e pra mim não”, relembra Bruno.

Sobre ser a principal figura masculina num projeto onde o feminino é a tônica maior, ele pontuou que Aponta Pra Fé ou Todas As Músicas da Minha Vida foi a primeira vez na sua carreira de ator em que ele foi dirigido por uma mulher.

“Foi a primeira vez que fui dirigido por uma mulher e adorei a experiência. Depois desse filme eu já tive a possibilidade de ser dirigido outras vezes por mulheres e é sempre maravilhoso, você aprende um outro olhar, uma outra visão. É sempre um grande aprendizado. Adorei a condução e a atmosfera do filme. Todas as mulheres da equipe foram fantásticas!”, avalia Bruno Goya.

Além de Rayssa Holanda e Bruno Goya, Aponta Pra Fé ou Todas as Músicas da Minha Vida também conta no elenco com nomes de expressão do circuito artístico paraibano, como as atrizes Kassandra Brandão, Jamila Facury (Bacurau), Eliana Figueiredo, apresentando também a atriz mirim Yasmin Wictória e com participação especial da mestre de cultura popular Vó Mera interpretando a avó da protagonista.

Um cinema localizado e urgente

Com o lançamento Aponta Pra Fé ou Todas as Músicas da Minha Vida, Kalyne Almeida se tornou a segunda mulher na história do cinema paraibano a dirigir um longa-metragem de ficção. Até conseguir esse feito, enfrentou diversas dificuldades, um orçamento muito reduzido e falta de apoio, que ela teve de driblar com as possibilidades que conseguiu galgar durante o processo.

Ela classifica sua estreia na direção de longas como um exercício de cinema localizado, feito a partir do local e com todos os traços de identidade que ele traz, mas também pronto para ganhar o mundo, e urgente, ou seja, realizado com os recursos que se dispõe, um cinema que urge por vir à luz das telas.

Sobre essas características, a cineasta Kalyne Almeida reafirma a necessidade de fazer os filmes acontecerem mesmo que não se tenha a estrutura ideal, o fomento financeiro.

“Cinema urgente: tem de fazer. Eu apoio e defendo tanto políticas públicas consistentes de fomento à atividade audiovisual quanto a arte, ao cinema que `urge´, aquele que você precisa realizar, porque de outro jeito, jamais seria convidada. Como mulher, é ainda mais difícil”, pontuou ela.

Em relação à dimensão do local e diegética (de dentro da obra), ela destaca que o filme se passa ente 2019 e 2020 numa comunidade que se formou num local histórico e representativo para a construção e formação da cidade de João Pessoa, a então Parahyba – capital da Paraíba – e que ao mesmo tempo tem uma relação estreita com a comunidade Porto do Capim.

“É a representatividade daquele local que permeia e se aproxima do centro da cidade, logo, do Centro Histórico e da Rua da Areia, que é uma rua icônica. Ou seja, a gente respira a história da construção do que hoje a gente conhece como a capital da Paraíba, nossa eterna Parahyba com hy”, ressalta.

Estreia e lançamento

Sobre a estreia do longa na edição 2020 do Fest Aruanda, a diretora Kalyne Almeida revelou estar muito animada. “A expectativa é das melhores! A gente escolheu o festival Aruanda para ter essa primeira exibição por ser um festival de João Pessoa, ou seja, antes da gente mostrar para fora, pensamos em mostrar para os nossos. Como o festival vai ser online, por conta da pandemia, entendemos que é uma oportunidade de mais pessoas assistir ao filme e participar do debate”, avalia ela.

Quanto à distribuição do filme, Kalyne esclarece que ainda está articulando. “Estamos em contato com uma distribuidora nacional e esperamos que o filme circule em festivais e que seja exibido por uma TV à cabo. Que o filme ganhe vida para além do que a gente imagina!”, concluiu.

Sobre o filme

Nas palavras de Kalyne Almeida, diretora e roteirista do longa, Aponta Pra Fé ou Todas as Músicas da Minha Vida é “um filme com cheiro de mangue, cheio de identidade, que fala sobre fé afetos e direitos”. A obra é uma produção da Grão de Cinema com parceria da Olinda Filmes e do Salve! Estúdio.

Sobre a diretora

Kalyne Almeida é realizadora audiovisual, professora e fotógrafa. Começou a carreira no cinema como diretora de produção e produtora executiva. Atuou em mais de vinte projetos audiovisuais. É graduada em Comunicação Social pela UFPB com estudos na Universidade de Coimbra. É mestre em Literatura pela UEPB. É docente de graduação e doutoranda em Estudos da Mídia (UFRN), onde estuda vertentes do cinema urgente. Tem seu trabalho autoral voltado, principalmente, para o universo feminino, tanto em produção de sentido quanto em inclusão das mulheres nas equipes de liderança de seus projetos. É diretora dos filmes de curta-metragem A Ruga (2012), Divas – Vozes Femininas (2012), Velhos Tempos (2016), e Aponta Pra Fé – o curta (2019). Aponta Pra Fé ou Todas as Músicas da Minha Vida (2020) é seu primeiro longa-metragem.

TEASER DO FILME:

Aponta Pra Fé ou Todas as Músicas da Minha Vida (fic, PB. 71 min.)

Sinopse

Martha é uma jovem estudante universitária que mora no Porto do Capim, comunidade situada no Varadouro, ao pé do Rio Sanhauá, no centro de João Pessoa – onde a cidade nasceu. Cuida da casa e da associação das mulheres. Casada com Tiago, ex pescador e, agora, trabalhador da construção civil no bairro do Altiplano e que sonha em ter uma vida melhor. Pais da pequena Ester, a vida do casal toma novos rumos diante do impasse entre os moradores do Porto do Capim e a prefeitura da cidade que busca retirar a comunidade daquele local. Guardando um segredo que corrói e os angustiam, o casal começa a tomar novos rumos, embora exista amor e afeto entre os dois

Elenco

VÓ MERA como Vó

RAYSSA HOLANDA como Martha

BRUNO GOYA como Tiago

YASMIN WICTÓRIA como Ester

ELIANA FIGUEIREDO como Soraya

JAMILA FACURY como Ariane

KASSANDRA BRANDÃO como Neide

Apresentadora do telejornal

GABRIELA LIMA

Narração final
TUNA DWEK

Ficha técnica

Argumento e Direção ● KALYNE ALMEIDA

Roteiro ● KALYNE ALMEIDA
Associação das Mulheres do Porto do capim

Storyboard ● TATIANE ALMEIDA

1º Assistente de Direção ● FELIPE LAVORATO

2º Assistente de Direção / Continuísta ● FABIANA MELO

Preparação de Elenco ● ANDRÉ DA COSTA PINTO

Produção Executiva ● KALYNE ALMEIDA

● RENATA ABREU

Direção de Produção ● MOEMA VILAR

● MANU DIAS

Produção Local ● ROSSANA HOLANDA

Assistentes de produção ● VERUSA GUEDES

● SUELLEN GARCEZ

● PRISCILLA AMORIM

● JOYCE LIMA

Produção de Set ● MANU DIAS

Direção de Fotografia ● LUIS BARBOSA

Assistente de Câmera ● ALESSANDRO POTTER

Imagens Adicionais ● LEANDRO CUNHA

● YEBÁ NGOAMAN

● KALYNE ALMEIDA

●MANO DE CARVALHO

Operador de Drone ● ANDRHEY FERREIRA

Maquinaria / Gaffer ● PABLO GIÓRGIO (PABLITO)

Direção de Arte ● HELDER NÓBREGA

Produção de Arte ● RODRIGO QUIRINO

Figurino ● DIÓGENES MENDONÇA

Maquiagem e Cabelo ● WILLIAM MUNIZ

Direção de Som ● GIANCARLO GALDINO

Microfonia ● DIOGO ROCHA

Trilha Original ● VITOR GALMARINI

Montagem ● EDSON LEMOS AKATOY

Mixagem de Som ● VITOR GALMARINI

Finalização ● EDSON LEMOS AKATOY

Grafismo ● FLORA SANTOS

DCP e Legendagem ● EDSON LEMOS AKATOY

Serviço:

Estreia do filme Aponta Pra Fé ou Todas as Músicas da Minha Vida

Data: 13 de dezembro de 2020

Espaço: Aruanda Play (streaming do Fest Aruanda 2020)

Endereço: festaruanda.com.br