Entrega da Butanvac para uso em julho é improvável, aponta analistas

Pesquisadores e técnicos da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) veem com cautela o cronograma de testes da Butanvac, vacina contra Covid-19 anunciada pelo governo de São Paulo nesta sexta-feira (26). O diretor do Instituto Butantan, Dimas Covas, disse que o estudo clínico deve ser concluído até o meio deste ano.

O histórico de atrasos nas promessas do governador João Doria (PSDB) – que chegou até a anunciar que todos os paulistas seriam vacinados contra o coronavírus até fevereiro de 2021 – também contribui para a desconfiança em relação às datas propostas para a nova vacina.

Nesta sexta (26), o Butantan anunciou a vacina como um produto “100% nacional”, mas, depois de críticas, reconheceu que um consórcio internacional, que inclui a universidade americana Mount Sinai, tem um “papel importantíssimo na concepção da tecnologia”.

Técnicos da Anvisa afirmaram à GloboNews que não consideram factível o prazo anunciado pelo Butantan. Eles disseram que ainda é preciso analisar os documentos do instituto – que ainda não enviou o pedido à agência –, mas que é necessário ter cautela porque o processo não é tão simples como anunciou o governo de São Paulo.

Já membros da comunidade científica brasileira celebraram o anúncio do governo paulista, mas destacaram que os trâmites para o desenvolvimento de um estudo clínico são complexos, e que, até que a vacina comece a ser utilizada, ainda resta um “longo caminho pela frente”.

Cronograma da Butanvac

O diretor do Butantan, Dimas Covas, afirmou que vai entregar o dossiê da vacina à Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) ainda nesta sexta (26). Segundo ele, se a agência autorizar, os testes de fase 1 e 2 simultâneas podem começar em abril.

Na fase 1 de testes de uma vacina, os cientistas testam a segurança e eficácia em fase inicial, normalmente com dezenas de voluntários. Na fase 2, os testes são feitos com mais voluntários – geralmente, centenas.

Os testes de fase 1 já começaram no Vietnã e na Tailândia, nos quais o Butantan se aliou a parceiros locais.

No entanto, para concluir os estudos clínicos, é necessária a conclusão da fase 3, a última, na qual milhares de participantes recebem a vacina para avaliar sua eficácia.

Prazo irreal

Especialistas ouvidos pela GloboNews acreditam que o prazo apresentado pelo Butantan pode ser irreal, já que ainda são necessárias várias fases antes da autorização para aplicação na população.

“O anúncio feito pelo Instituto Butantan de uma vacina promissora é excelente. Mas há muitas etapas a serem cumpridas ainda. Os estudos clínicos de fase 1 e 2, e depois de eficácia de fase 3, que vão demonstrar se essa vacina terá ou não condições de ser utilizada em programas públicos de vacinação. Há uma esperança, uma boa notícia, mas ainda um longo caminho pela frente”, diz o diretor da Sociedade Brasileira de Imunizações, Renato Kfouri. 

O vice-presidente da Sociedade Brasileira de Infectologia, Alberto Chebabo, também afirma que julho pode ser muito cedo para que todo o processo seja concluído.

“Sinceramente acho pouco provável que até julho essa vacina já esteja pronta para uso. A gente já viu que esses estudos demoram e o acompanhamento dessas pessoas, 3 a 4 meses é certo, para que a gente tenha esses dados encaminhados à Anvisa para aprovação”, afirma.

A microbiologista e presidente do Instituto Questão de Ciência, Natalia Pasternak, destaca que os dados dos estudos pré-clínicos da Butanvac ainda não foram apresentados para a comunidade científica.

“Nós gostaríamos de ter acesso a um estudo pré-clínico que foi feito em animais, acompanhar melhor como estão esses resultados para poder dar algum tipo de opinião. Porque sem saber isso, sem saber se já foram feitos acordos para começar os testes clínicos em humanos, qual a previsão, como vai recrutar, quem que vai financiar – tem muitas perguntas que estão em aberto -, não nos cabe tentar fazer nenhum tipo de comentário antes de ter acesso a esses dados.”

Para Pasternak, o fato de o Butantan já dominar a tecnologia que será usada na nova vacina pode contribuir para facilitar o processo.

“A ideia foi muito boa de usar como vetor um vírus de uma doença de ave. A tecnologia de propagar vírus em ovo é uma tecnologia que o Butantan domina. Assim que eles fazem a vacina da gripe, todo ano. É uma tecnologia bastante usada no Brasil, a vacina de febre amarela também é usada em ovo”, afirma.

Histórico de atrasos

O governo de São Paulo protagonizou uma disputa política com o governo federal de Jair Bolsonaro (sem partido) desde o início da pandemia.

Em meio a essa disputa, diversas promessas feitas pelo governador João Doria (PSDB) relacionados ao combate à Covid-19 tiveram atrasos.

Doria assinou, no final de setembro de 2020, um contrato com o laboratório chinês Sinovac para o recebimento de 46 milhões de doses da vacina Coronavac, desenvolvida pela empresa em parceria com o Butantan. Na época, o governador declarou que a vacinação de profissionais de saúde teria início em 15 de dezembro.

No entanto, a vacinação desse grupo teve início apenas em 17 de janeiro deste ano, quando a enfermeira Mônica Calazans tornou-se a primeira pessoa a receber uma vacina contra o coronavírus no Brasil.

Antes mesmo da assinatura do contrato, que ocorreu no dia 30 de setembro, o governador anunciou que toda a população paulista seria vacinada até fevereiro de 2021. A declaração de João Doria foi feita no dia 21 de setembro, em entrevista coletiva a jornalistas.

Outra promessa do governo estadual que sofreu atrasos e mudanças foi a compra de respiradores para pacientes com Covid-19. A compra de respiradores da China, feita sem licitação, é investigada pelo Ministério Público e pelo Tribunal de Contas de São Paulo.

O governo estadual anunciou, em abril, a aquisição de 3 mil respiradores da China ao valor de R$ 550 milhões. A promessa inicial do governo era de que parte dos respiradores chineses, que viriam via Estados Unidos, chegaria a São Paulo no início de maio. No entanto, o governo reconheceu uma mudança no prazo e no total de aparelhos comprados, e o estado acabou recebendo menos da metade dos produtos – 1.280 respiradores, que chegaram apenas em junho.

Do G1.