CPI: Marcelo Queiroga evita comentar posições de Bolsonaro sobre cloroquina

Ministro defendeu que a adoção de um lockdown nacional não teria o efeito desejado pois, na avaliação dele, não haveria adesão da população

BRASÍLIA (Reuters) – O ministro da Saúde, Marcelo Queiroga, evitou responder na CPI da Covid do Senado sobre as posições do presidente Jair Bolsonaro a favor do uso da cloroquina como tratamento precoce contra o coronavírus e sobre a ameaça do presidente de editar decreto contra medidas restritivas de Estados e municípios para coibir a transmissão da doença.

O ministro foi constantemente pressionado a responder se concordava ou não com a opinião de Bolsonaro sobre a cloroquina tanto pelo relator da Comissão Parlamentar de Inquérito, Renan Calheiros (MDB-AL), quanto pelo presidente da CPI, Omar Aziz (PSD-AM), que o lembraram diversas vezes que ele estava ali na condição de testemunha e, portanto obrigado a dizer a verdade e a responder aos questionamentos.

“Eu não faço juízo de valor acerca da opinião do presidente da República”, afirmou o ministro quando questionado sobre o uso da cloroquina. Ele recorreu à mesma afirmação para responder sobre o eventual decreto que Bolsonaro ameaçou editar e também sobre declarações do presidente sobre a China e questionando a eficácia de vacinas.

As esquivas do ministro provocaram algum tumulto na CPI, à medida que Aziz e Renan, de um lado, pressionavam por respostas e senadores governistas, de outro, tentavam intervir.

“Presidente, o relator está tentando induzir a testemunha. Isso não é permitido”, disse o senador Marcos Rogério (DEM-RO), respondido em seguida pelo presidente da CPI.

“Não, senhor! Até minha filha de 12 anos falaria ‘sim’ ou ‘não’”, disse Aziz.

AMEAÇA

Ao evitar responder se concordava com a edição de um decreto por Bolsonaro contra medidas locais de restrição contra a Covid, Queiroga garantiu que a pasta não participou e não foi consultada sobre eventual decreto. Admitiu, no entanto, ter conversado genericamente sobre medidas restritivas com o presidente, que teria externado sua preocupação em “assegurar a liberdade das pessoas”, preocupação com a qual o ministro disse concordar.

Bolsonaro afirmou na véspera, em discurso recheado de ameaças e insinuações, que tem pronto para edição um decreto para “garantir o direito de ir e vir”, acrescentando que se o texto for publicado “não será contestado em nenhum tribunal”.

Mais adiante no depoimento, o ministro defendeu que a adoção de um lockdown nacional não teria o efeito desejado pois, na avaliação dele, não haveria adesão da população. Ele afirmou também ser favorável a que Estados e municípios adotem medidas de restrição localmente, algo que Bolsonaro critica frequentemente e que, na véspera, classificou de “excrescência”.

Ao desviar de pergunta sobre o chamado tratamento precoce e a prescrição de cloroquina contra o coronavírus, o titular da Saúde negou ainda ter recebido qualquer orientação do presidente sobre o tema.

Explicou que seu posicionamento dependia de uma análise técnica, e argumentou que, como ministro da Saúde, deverá, em última instância, opinar formalmente sobre o tema, por isso não poderia responder objetivamente aos questionamentos dos senadores.

“Essa é uma questão técnica que tem que ser enfrentada pela Conitec (Comissão Nacional de Incorporação de Tecnologias no Sistema Único de Saúde)”, disse o ministro.

“Segundo o decreto-lei que regulamenta a Conitec, eu sou instância final decisória. Então, eu posso ter que dar um posicionamento acerca desse protocolo, de tal sorte que eu gostaria de manter o meu posicionamento final acerca do mérito do protocolo quando o protocolo for elaborado”, argumentou.

CHINA

Queiroga disse no depoimento que o Bolsonaro não mencionou nominalmente a China no discurso em que insinuou que o país asiático teria criado o coronavírus.

Embora não tenha de fato citado a China no discurso, Bolsonaro perguntou qual era o país que teve crescimento econômico durante a pandemia em clara referência ao país asiático.

Também evitando comentar as declarações de Bolsonaro sobre a China, amplamente criticada por parlamentares, Queiroga afirmou que as relações sino-brasileiras são excelentes e disse manter contato quase semanal com o embaixador da China no Brasil. A China fornece insumos para o envase no Brasil das vacinas CoronaVac e AstraZeneca/Oxford, praticamente as duas únicas sendo aplicadas no Brasil atualmente.

O titular da Saúde negou ainda ter conhecimento de indícios sobre eventual guerra biológica promovida pelo país asiático, após, no mesmo discurso, Bolsonaro insinuar que a China teria criado o vírus para promover uma “guerra bacteriológica”.

Em reação às declarações de Bolsonaro, o senador Tasso Jereissati (PSDB-CE) anunciou logo no início da sessão da CPI que pretende convidar representante da Agência Brasileira de Inteligência (Abin) para debater o conceito de guerra biológica.

AUTONOMIA

No depoimento à CPI, Queiroga também disse que desde que chegou ao ministério, há pouco mais de 40 dias, tem autonomia para tocar a gestão de forma técnica. Ele negou que seu relacionamento com parentes e conhecidos de Bolsonaro interfira em sua atuação.

Também disse à CPI que sua nomeação não foi condicionada a apoio a qualquer protocolo de tratamento da Covid-19.

“Recebi uma única recomendação do presidente da República: para que todos os recursos públicos que chegassem ao Ministério da Saúde fossem revertidos em políticas públicas para atender nossa sociedade. Não tratei com o presidente acerca de protocolos, acerca de medicamentos, não houve nenhuma conversa dessa natureza e o presidente me deu autonomia para que eu constituísse uma equipe técnica”, garantiu.

Na véspera, o ex-ministro Nelson Teich disse à CPI que decidiu pedir demissão do cargo ao perceber que não teria autonomia, inclusive em relação ao uso de cloroquina, um dos motivos principais para decidir deixar o cargo.

Queiroga admitiu que sua chegada ao ministério marcou uma mudança de posição. O titular afirmou que foca sua gestão no fortalecimento do plano nacional de imunização e na intensificação da orientação da população sobre medidas não farmacológicas para evitar o contágio, como o uso de máscaras e o distanciamento social.

“Sim, é uma mudança. Nós pretendemos fazer ajustes nas políticas que vinham sendo colocadas em prática, e isso já tem sido feito. Eu acho que a sociedade brasileira já tem visto”, disse Queiroga ao responder a uma pergunta do relator da CPI.