Abin é alvo de operação da PF por espionar celulares sem autorização judicial durante governo Bolsonaro

Foto: Antonio Cruz/Agência Brasi

A Polícia Federal deflagrou, na manhã desta sexta-feira (20/10), a Operação Última Milha para investigar o uso indevido de sistema de geolocalização de celulares sem autorização da Justiça por servidores da Agência Brasileira de Inteligência (Abin).

Os agentes cumprem dois mandados de prisão e 25 de busca e apreensão, além de medidas cautelares diversas da prisão, expedidos pelo Supremo Tribunal Federal (STF), nos estados de São Paulo, Santa Catarina, Paraná, Goiás e no Distrito Federal.

De acordo com as investigações, o sistema de geolocalização usado pela Abin é um software intrusivo na infraestrutura crítica de telefonia brasileira. A rede de telefonia teria sido invadida diversas vezes, com a utilização do serviço adquirido com recursos públicos.

Entre os alvos que teriam sido monitorados estão jornalistas, políticos e adversários da gestão de Jair Bolsonaro (PL).

Além do uso indevido do sistema, apura-se a atuação de dois servidores da Abin que respondiam a processo administrativo disciplinar, com risco de perderem o emprego. De acordo com a investigação, eles teriam utilizado o conhecimento sobre o uso indevido do sistema como meio de coerção indireta para evitar a demissão.

Os investigados podem responder, na medida de suas responsabilidades, pelos crimes de invasão de dispositivo informático alheio, organização criminosa e interceptação de comunicações telefônicas, de informática ou telemática sem autorização judicial ou com objetivos não autorizados em lei.

Milhares de celulares monitorados

Em março, a PF determinou a instauração de um inquérito para investigar denúncias de que a Abin monitorou celulares de milhares de brasileiros durante os três primeiros anos do governo Bolsonaro.

Segundo a agência, o contrato de uso do software de localização teve início no final de 2018, ainda no governo Michel Temer, e foi encerrado em 8 de maio de 2021. O programa, chamado FirstMile, foi comprado por R$ 5,7 milhões da empresa israelense Cognyte, com dispensa de licitação.

A ferramenta permitia o monitoramento de até 10 mil celulares a cada 12 meses, bastando digitar o número da pessoa. Além disso, a aplicação criava históricos de deslocamento e alertas em tempo real da movimentação dos aparelhos cadastrados.

“A solução tecnológica em questão não está mais em uso na Abin desde então [8 de maio de 2021]. Atualmente, a Agência está em processo de aperfeiçoamento e revisão de seus normativos internos, em consonância com o interesse público e o compromisso com o Estado Democrático de Direito”, informou a Abin, em nota. A investigação da PF foi conduzida pela Diretoria de Inteligência Policial.

Denúncia na ONU

O ex-presidente Jair Bolsonaro foi denunciado na Organização das Nações Unidas (ONU), durante a 52ª sessão do Conselho de Direitos Humanos, realizada também em março, pelo uso desordenado de tecnologias digitais e sistemas de monitoramento no período da pandemia de Covid-19.

As organizações não governamentais (ONGs) Conectas, Artigo 19, Data Privacy Brasil e Transparência Internacional Brasil, responsáveis pela denúncia, pediram à ONU que questione o Brasil sobre o uso dessas tecnologias e o tratamento dos dados coletados durante a pandemia.

Segundo o documento apresentado na ONU, entre 2020 e 2022 foram utilizadas tecnologias digitais para a coleta de dados biométricos, de geolocalização e informações de saúde da população sem a devida transparência e participação da sociedade civil.

As instituições envolvidas na denúncia afirmaram ainda que a fragilidade dos mecanismos de controle e a indisposição dos órgãos responsáveis por monitorar o uso dessas tecnologias de modo efetivo foram fatores decisivos para o agravamento do problema.

Além disso, as organizações manifestaram preocupação com o aumento dos gastos governamentais em equipamentos de vigilância e software espião, com destaque para o campo da segurança pública e da inteligência estatal. Na avaliação das entidades, tais ações violam os direitos fundamentais de liberdade de expressão, associação, privacidade e intimidade.

Do Metrópoles com Agência Brasil