Vitória de Lula sobre Bolsonaro completa um ano; relembre a campanha

Foto: Ricardo Stuckert

Clima tenso, repleto de expectativas e margem pequena para conceder a vitória a um dos dois candidatos representados por ideologias opostas. Há um ano, o Brasil vivia um dia decisivo para a história com o segundo turno da eleição presidencial entre Luiz Inácio Lula da Silva (PT), então ex-presidente, e Jair Bolsonaro (PL), àquela altura chefe do Executivo em busca da reeleição.

As pesquisas apontavam para diferença apertada entre os dois, assim como tinha acontecido no primeiro turno, quase um mês antes, quando Lula obteve 48,43% dos votos válidos, enquanto Bolsonaro conquistou 43,2% — a diferença era de aproximadamente 6 milhões de votos a mais para o petista.

Dessa forma, o cenário era de que havia possibilidade para qualquer um deles ganhar no segundo turno e, por isso, as campanhas se tornaram ainda mais relevantes. Analistas apontavam para dois fatos históricos do Brasil ao tecer previsões: até então, um presidente em exercício nunca havia perdido a reeleição; e nunca tinha acontecido uma virada de um postulante do primeiro pleito para o segundo.

Ao fim e ao cabo, a diferença entre os dois diminuiu, e Lula foi eleito para um terceiro mandato por margem de pouco mais de 2 milhões de votos: 59,90% a 49,10%.

Relembre os momentos mais importantes:

Divisão de lados
O próximo turno começava com os dois principais presidenciáveis derrotados, Ciro Gomes (PDT) e Simone Tebet (MDB), declarando apoio a Lula. Enquanto Ciro apenas endossou a posição de sua sigla e não deu apoio ativo, Tebet se destacou no segundo turno, presente em diversos eventos da campanha petista ao longo do mês de outubro.

A ex-presidenciável e recém-eleita deputada federal por São Paulo Marina Silva (Rede) também foi figura importante ao lado de Lula. O ex-presidente Fernando Henrique Cardoso (PSDB) e o governador reeleito do Pará, Helder Barbalho (MDB), também endossaram o petista, contribuindo para a “frente ampla” que ajudou a elegê-lo.

Bolsonaro tinha ao seu lado os governadores Romeu Zema (Novo), de Minas Gerais, e Cláudio Castro (PL), do Rio de Janeiro, reeleitos ainda em primeiro turno, e de mais cinco governadores. A seu lado também estava Tarcísio de Freitas (Republicanos), que atuou como ministro de Bolsonaro e foi lançado por ele. Tarcísio disputava, ele próprio, o pleito pelo governo de São Paulo contra o petista Fernando Haddad, do qual saiu vitorioso.

Outro ex-ministro no coro pelo candidato do PL era Sergio Moro (União Brasil), após se reconciliar com o então presidente.

O apoio de músicos, atores e influenciadores também foi essencial para a trajetória de ambos. Entre os que declararam apoio a Lula, estavam Caetano Veloso, Felipe Neto, Valesca Popozuda e até o ator Mark Huffalo, que interpreta o Hulk. Do lado de Bolsonaro, estavam os sertanejos Gusttavo Lima, Fernando Zor, Zezé Di Camargo e Leonardo, além do apresentador Ratinho e do jogador Neymar.

Debates
Dos debates agendados para o segundo turno, apenas dois contaram com a presença de Lula e Bolsonaro. Em outras duas ocasiões, só Bolsonaro confirmou a ida, e o formato mudou para sabatina.

O primeiro debate do segundo turno das eleições de 2022 ocorreu em 16 de outubro. Transmitido pela TV Bandeirantes, o encontro teve momentos de tensão, troca de ofensas e até uma situação curiosa, em que Bolsonaro colocou a mão no ombro de Lula.

O toque aconteceu em uma discussão sobre o Petrolão, na qual Lula rebateu prometendo acabar com o sigilo bancário de Bolsonaro. O petista se colocou “à disposição”, e o então presidente pegou no ombro do concorrente e falou: “Lula, fica aí”.

Quase duas semanas depois, os candidatos voltaram a se encontrar, em um debate mais tenso, já que faltavam apenas dois dias para a população ir às urnas novamente. Na TV Globo, as trocas de ofensas escalaram a ponto de tirar o apresentador e mediador William Bonner do sério — em certo momento, ele pediu para congelar o tempo tanto de Lula quanto de Bolsonaro. Poucas propostas foram debatidas e, ao fim, os candidatos agradeceram a Deus.

Polêmicas
O segundo turno começou com uma polêmica envolvendo religião. Bolsonaristas disseminaram um vídeo de um satanista defendendo o PT. Nos vídeos, que circularam em canais do Telegram e grupos de WhatsApp, Vicky Vanilla aparece com uma camisa vermelha com a estrela do PT e os dizeres “O voto é secreto”, além de uma bandeira de Lula.

Em reação, na tentativa de desgastar Bolsonaro perante o eleitorado cristão, petistas resgataram um vídeo de 2018 de Bolsonaro discursando em uma loja maçônica. A Igreja Católica se opõe à participação de seus fiéis na maçonaria. As agremiações evangélicas também fazem juízo negativo sobre a sociedade secreta.

Pouco depois, outro vídeo do então presidente viralizou. Nesse, Bolsonaro falava que “pintou um clima” entre ele e garotas venezuelanas de 14 e 15 anos. Segundo ele, elas estariam supostamente se preparando para a prostituição.

O caso ocorreu durante uma visita dele a São Sebastião, região administrativa do Distrito Federal, em 2021. Bolsonaro se defendeu alegando ser uma frase tirada de contexto pelo PT e disse ter gravado o vídeo para mostrar sua “indignação” com o cenário.

Aliados de Bolsonaro dobraram a aposta
Em um domingo, poucas horas antes de Bolsonaro ser sabatinado na TV Record, após Lula desistir de comparecer ao debate, o ex-deputado Roberto Jefferson, aliado do então presidente, reagiu jogando granadas quando policiais federais foram prendê-lo, por ordem do ministro Alexandre de Moraes, do Supremo Tribunal Federal (STF) e Tribunal Superior Eleitoral (TSE).

Dois policiais precisaram ser levados ao hospital, e a PF cercou a casa do ex-deputado, em Comendador Levy Gasparian, no interior do estado do Rio de Janeiro.

Imediatamente, Bolsonaro tentou afastar sua imagem da de Jefferson. Ele chegou mais cedo aos estúdios e fez um pronunciamento aos jornalistas: “Não tem nada de amizade”.

Um dia antes do pleito de segundo turno, outra aliada do candidato do PL se envolveu em uma confusão. A deputada Carla Zambelli (PL-SP) foi filmada com uma arma na mão perseguindo um jornalista negro em uma rua na zona oeste de São Paulo. A parlamentar alegou ter sido agredida, mas vídeos do momento não corroboraram a afirmação.

A cena ajudou a campanha de Lula. Vice na chapa do petista, Geraldo Alckmin publicou fotos de apoiadores na Avenida Paulista e escreveu: “Enquanto outros sacam armas na rua, nós fizemos uma caminhada maravilhosa ao lado do povo”.

Bloqueios da PRF
No dia 30 de outubro, data do segundo turno, foram registradas várias blitze da Polícia Rodoviária Federal (PRF) centradas na Região Nordeste, onde se concentra boa parte do eleitorado petista. A ação seria uma tentativa de impedir eleitores do Nordeste de chegarem aos locais de votação.

O então chefe da PRF, Silvinei Vasques, apoiador autodeclarado de Bolsonaro, foi acusado de agir politicamente. O caso segue em apuração. Silvinei é investigado por “impedir ou embaraçar o exercício do sufrágio, prevaricação, condescendência criminosa e estender injustificadamente a investigação, procrastinando-a em prejuízo do investigado ou fiscalizado”.

Após a declaração do resultado, foram registradas diversas ocorrências em rodovias de 22 estados e do Distrito Federal ligadas a apoiadores de Bolsonaro, desta vez contra a derrota do mandatário nas urnas.

Discurso da vitória
Na noite do dia 30, Lula fez seu primeiro discurso como eleito, no qual frisou o “movimento democrático” na campanha mais acirrada desde a redemocratização e pregou união.

“Não é uma vitória minha, nem do PT, nem dos partidos que me apoiaram nesta campanha. É a vitória de um intenso movimento democrático, que se formou acima dos partidos políticos, dos interesses pessoais, das ideologias, para que a democracia saísse vencedora”, afirmou.

“Neste 30 de outubro histórico, a maioria do povo brasileiro deixou bem claro que deseja mais e não menos democracia.”

O pronunciamento também focou em programas petistas e, desde então, Lula indicou que buscaria resgatar marcas de suas gestões, como o Minha Casa, Minha Vida.

Antes de discursar à militância, o petista falou aos integrantes de sua campanha em um hotel. No pronunciamento, ele resgatou sua trajetória e a prisão em Curitiba: “Tentaram me enterrar vivo e estou aqui para governar este país”. Também destacou a dificuldade de vencer Bolsonaro: “Nós enfrentamos a máquina do Estado brasileiro a serviço do candidato da situação”.

Silêncio de Bolsonaro
A primeira fala de Bolsonaro veio apenas 44 horas após o Tribunal Superior Eleitoral (TSE) confirmar o resultado do pleito. Na terça-feira, 1º de novembro, no Palácio da Alvorada, Bolsonaro fez um rápido discurso de dois minutos e três segundos, agradecendo os votos que recebeu, mas sem admitir a vitória do petista. O chefe do Executivo declarou, no entanto, que continuaria “cumprindo todos os mandamentos da Constituição”.

Em 1° pronunciamento, Bolsonaro não reconhece derrota e fala em cumprir a Constituição. Ao contrário da tradição, Bolsonaro não ligou para o adversário no pleito para parabenizá-lo pela vitória.

Cercado por ministros e aliados, Jair Bolsonaro caminha sorrindo para fazer o pronunciamento aos brasileiros após derrota nas eleições, no Palácio do Planalto – Metrópoles – Metrópoles
Outros ministros também acompanharam, como Luiz Eduardo Ramos, da Secretaria-Geral, e Joaquim Leite, do Meio Ambiente Hugo Barreto/Metrópoles

Nos dois meses seguintes, Bolsonaro passou a maior parte dos dias isolado na residência oficial, indo poucas vezes ao Palácio do Planalto despachar. A reclusão se deveu, em partes, a uma erisipela na perna, que dificultou o uso de calças compridas pelo então presidente.

A rotina reduziu, com poucas agendas e visitas de aliados próximos. Apoiadores seguiram indo ao Alvorada, mas não foram recebidos por Bolsonaro. Boa parte deles começou a se concentrar em frente ao Quartel-General (QG) do Exército, a cerca de 14 km do palácio.

Do Metrópoles