Vaza Jato, Doda de Tião, jornalismo investigativo e democracia: uma entrevista com Amanda Audi, do The Intercept Brasil

Repórter do The Intercept Brasil (TIB) em Brasília, com foco em política e direitos humanos. Já colaborou para veículos como Folha de S.Paulo, O Globo, Gazeta do Povo, TV Globo, Poder360 e Congresso em Foco. Essa é Amanda Audi. Ela esteve na última segunda-feira participado da Semana de Jornalismo Vladimir Herzog, na Universidade Federal da Paraíba, em João Pessoa.

O Paraíba Já entrevistou a jornalista, integrante da equipe responsável pela ‘Vaza Jato’, um dos maiores casos jornalísticos dos últimos anos no país, e que também causou repercussão no estado, com uma reportagem especial sobre o deputado estadual Doda de Tião (PTB) no ano passado.

Impactos da ‘Vaza Jato’ na vida pessoal

Ainda sobre o rescaldo da polêmica agressão de Augusto Nunes ao diretor do The Intercept Brasil, Glenn Greenwald, a jornalista comentou sobre o impacto pessoal que uma pauta como a Vaza Jato causa nos repórteres do veículo responsável pelas publicações. Ela confessou que não se sente a principal afetada.

“Glenn virou a cara disso. O que tem o lado bom e lado ruim. Ele é muito premiado no mundo inteiro, mas no Brasil não tinha tanto reconhecimento, apesar de morar aqui há 14 anos, mas com a Vaza Jato ele cresceu muito e virou uma voz importante. Ele sofre esses ataques porque para todos ele é o Intercept, é ‘o gringo que chegou e vai consertar o Brasil’, que é uma coisa que brasileiro adora. Porém, a gente enquanto equipe também sofre muito”, afirmou Amanda.

O medo era um fator real. Mas só no período inicial das publicações. Amanda disse que isso acontecia “porque eles são muito agressivos e inventam muitas mentiras”.

Quando a equipe passou a ser alvo direto do presidente Jair Bolsonaro e do ministro Sérgio Moro – principal implicado com as mensagens expostas na série de reportagens do TIB -, Amanda revelou que o medo voltou a ser mais real.

“Quando as pessoas mais importantes do país estão falando isso, e os jornalistas ao redor não estão te defendendo desse jeito, na verdade estão te questionando também, você fica meio que sozinho.Mas o tempo foi passando, não fomos presos, acredito que não vamos ser, se continuarmos numa democracia”, declarou. “A gente sabe que essas ameaças vem mito de uma tentativa de intimidar. E é isso que eles querem. A gente só não pode se intimidar. Então a gente leva numa boa”, completou.

Jornalismo colaborativo, a divisão das mensagens com outros veículos

(Foto: Poder360)

O The Intercept Brasil firmou parceria com veículos como Folha de São Paulo, Buzzfeed News, BandNews e O Globo, para também publicarem reportagens sobre as mensagens envolvendo Moro, Deltan Dallagnol e promotores da Operação Lava Jato. Um caso inédito de jornalismo colaborativo no Brasil até então, principalmente, para um caso desta magnitude.

Amanda contou que a divisão aconteceu não com a intenção de propagandear o Intercept, mas sim impactar mais públicos com os conteúdos dos arquivos. Para ela, quanto mais gente trabalhando numa história se consegue ter mais amplitude. “Mas também pela questão que a gente queria ter acesso a mais públicos. Pensamos nesse acesso. É um assunto que tinha muito interesse público, e quanto mais gente tivesse ali melhor”, destacou a jornalista.

Na Paraíba, Amanda revelou duas curiosidades sobre estas colaborações. Foram os veículos que foram até o The Intercept Brasil e os repórteres vão até a sede do veículo, a equipe não envia arquivos por quaisquer meios.

“Na verdade os veículos vieram até a gente. Não aceitamos todos pela dificuldade de lidar com muitos ao mesmo tempo. A grande maioria foi aceita, e eles têm liberdade total para ler os arquivos, escolher suas pautas, fazer apurações paralelas”, disse sobre as colaborações. O TIB não envia arquivos por questão de segurança das informações.

Amanda ressaltou ainda que os arquivos da ‘Vaza Jato’ já estão em diversos servidores internacionais – salvos em outros países.

Vaza Jato impactou a decisão do STF sobre prisão em 2ª instância?

Amanda Audi visitou a Paraíba sob os efeitos da decisão do Supremo Tribunal Federal (STF) sobre a prisão em 2ª instância, que propiciou a liberdade do ex-presidente Lula (PT). Questionada se a ‘Vaza Jato’ teve impacto direto na ‘batida de martelo’ da Corte, ela foi contida.

“Não sei se é sobre a Vaza Jato, mas algumas coisas mudaram no Brasil. Não sei se essa decisão poderia ter acontecido no ano passado, por exemplo. Imagino que, talvez, a Vaza Jato possa ter algum impacto, mas não no sentido de que a gente tenha feito para isso, para soltar o Lula, a gente fez jornalismo”, afirmou a jornalista.

Para ela, “coisas que estavam escondidas vieram à tona”, e isso pode ter feito mudar o entendimento dos ministros do Supremo.

‘De Queimadas para o mundo’

(Foto: Janine Moraes/The Intercept Brasil)

Conforme Amanda Audi, não houve nenhum tipo de tentativa de ludibriar o deputado estadual, e então candidato ao cargo, Doda de Tião (PTB), sobre a sua pauta. Em reportagem publicada em setembro do ano passado, a jornalista publicou que o paraibano foi o deputado que mais enriqueceu no país entre 2014 e 2018.

Na reportagem, ela contou sobre o controle econômico e social que a família do deputado tem sobre o município de Queimadas, ações que configuram crimes políticos, e até uso de drogas na frente da equipe do TIB.

“Falei o que ia fazer. Contei que fizemos um levantamento sobre os políticos do Brasil que mais enriqueceram, e que o Doda tinha sido o que mais cresceu o patrimônio nesse tempo. Falei que queria conhecer a história, que era um site com origem americana. Creio que eles entenderam que era uma chance de ter uma repercussão internacional, tanto que eles falavam ‘de Queimadas para o mundo’. Fui verdadeira o tempo inteiro. Quem eu era, como que era o site, disse a pauta, falava quando tava gravando, quando tava filmando”, disse Amanda.

A jornalista e a fotógrafa Janine Moraes ficaram de três a quatro dias com a família “de Tião”.

Ela disse que chegou a receber mensagens em tom de ameaça. Porém, segue tranquila com a certeza de que apenas fez jornalismo e foi ética com a família.