Basta uma ameaça de resfriado para a aposentada Maria Bia Xavier indicar aquele chazinho que promete aliviar os sintomas. São tantos banhos, inalações e remédios caseiros vindos das plantas que a lista da idosa é interminável. Tudo está ao alcance dela: em casa e também no posto de saúde. Neste segundo local funciona uma ‘Farmácia Viva’, implantada por meio de um projeto interdisciplinar da Universidade Federal da Paraíba (UFPB). A iniciativa une a cultura popular do uso de plantas medicinais, chás à ciência da academia.

“Todo remédio da Medicina é feito de raízes, das plantas, do que vem da natureza. Então, a gente tendo conhecimento e sabendo como usar, por que não?”, comenta dona Maria Bia. Ela conta que aprendeu a identificar as ervas e raízes medicinais com os pais que, por sua vez, aprenderam com os avós. É praticamente uma tradição familiar que ela propagou para os filhos e netos e também faz questão de compartilhar com a comunidade onde mora. “Em caso eu tenho minha horta, meu cantinho de plantas para chá. Já trouxe até coisas pra horta daqui do postinho”, conta.

O postinho ao qual dona Maria Bia se refere é a Unidade de Saúde da Família Vila Saúde, localizada no bairro do Grotão, em João Pessoa. O ‘Cantinho do Chá’, como é carinhosamente chamado o espaço onde está a horta comunitária de plantas medicinais, também é espaço para rodas de diálogos e outras práticas alternativas de saúde, inseridas nas Práticas Integrativas Complementares (CPICs). A unidade de saúde foi a primeira a receber o projeto interdisciplinar ‘Saúde na Comunidade’, desenvolvida pelo professor Dailton Lacerda.

“O SUS propõe a integralidade dos serviços das áreas da saúde e é exatamente isso que buscamos nesse projeto. A partir dessa experiência das práticas alternativas e complementares, como as que desenvolvemos nas unidades de saúde, o usuário chega e se sente parte daquilo de maneira ativa. Nessa unidade do Grotão o projeto foi implantado e a própria comunidade deu continuidade. É uma experiência exitosa dessa integração”, explicou o professor Dailton Lacerda.

Usuários são recebidos com chá

O convite para um chá e uma roda de conversa é a recepção que os moradores do bairro do Grotão encontram ao procurar a Unidade de Saúde da Família (USF) Vila Saúde, às terças e quintas-feiras. As ervas medicinais para o chá são colhidas na horta comunitária e enquanto aguardam os serviços de saúde, os usuários partilham experiências na roda de diálogo, tirando dúvidas e recebendo orientações sobre o uso das plantas medicinais, técnicas de relaxamento, respiração, auriculoterapia  para curar também males da mente, como a ansiedade e depressão.

A experiência vasta e multiprofissional faz dessa USF uma escola para os iniciantes da área de saúde, como estudantes de Medicina, Fisioterapia, Nutrição, Terapia Ocupacional e Enfermagem. É o que explica a médica da unidade e especialista em Medicina de Família e Comunidade, Janilce Magalhães.

“Hoje está mais disponível e difundido o trabalho da fitoterapia, mostrando a eficácia das plantas medicinais, inclusive com pesquisas e estudos sobre o assunto. Nós trabalhamos promovendo o cuidado integral a partir da autonomia do usuário em ter seu canteiro de plantas medicinais em casa, com a orientação correta”, detalhou.

Esse acolhimento humanizado tem atraído pessoas de outros bairros para conhecer a horta e os serviços de práticas integrativas desenvolvidos na USF, o que incentiva a comunidade a dar continuidade ao projeto e se sentir parte dele.

“Têm as pessoas que vem espontaneamente conversar com quem está cuidando da horta e eles mesmos trazem mudas para a horta do posto, procuram os médicos nos consultórios para buscar orientações. Estamos no processo também de criação do memento terapêutico, no qual vamos colocar os nomes das plantas, para que serve cada uma, a quantidade que se pode utilizar. Vamos levar informações para que todos tenham esse esclarecimento”, acrescentou Janilce.

Alívio obtido através da auriculoterapia

Com insônia, enxaqueca e ansiedade, Rose Pereira viu na auriculoterapia um alívio para os sintomas desses problemas já na segunda sessão. Ela é uma das usuárias da Unidade de Saúde da Família Vila Saúde, do bairro do Grotão, atendidas pelo serviço. A auriculoterapia está entre as práticas integrativas adotadas pelo Sistema Único de Saúde (SUS), que possui uma política específica para essas atividades desde 2015.

Para Rose Pereira, a experiência em cada sessão resulta em um sono mais tranquilo e menos estresse nas atividades do dia a dia. “Descobri que tinha esse serviço aqui por meio de uma amiga e aí decidi conhecer e está dando certo. Tenho sentido uma melhora boa e espero continuar”, disse a paciente.

A auriculoterapêuta Maria do Carmo Amorim, que também é responsável pela implantação das hortas comunitárias na rede municipal de Saúde da Capital, disse que a prática da auriculoterapia vai além das aplicações e contribui para o autocuidado dos pacientes e mais diálogo entre os profissionais de saúde e a comunidade assistida.

“Nós trabalhamos não só na perspectiva da saúde curativa, mas também da promoção da saúde, fazendo um resgate do uso das plantas medicinais, como o trabalho com a horta, onde nós utilizamos também como um instrumento social. Além disso, com esses cuidados alternativos, nós promovemos a saúde com a retirada da automedicação, por exemplo”, explicou a profissional.