Semana passada dez agricultores sem-terra foram assassinados a tiros pelas polícias Civil e Militar do Pará. Mais uma dessas “tragédias anunciadas” da eterna e justa luta pela terra. Esta chacina ocorrida em Pau D’Arco, triste e ironicamente, estabeleceu uma fina sintonia com o que aconteceu no Senado Federal esta semana. Foi aprovada por ampla maioria a Medida Provisória (MP) 759, que estabelece profundas alterações na regularização fundiária do campo e da cidade. Logicamente, sob veementes protestos da oposição. A MP recebeu apoio da maioria governista, seguiu para sanção presidencial e deverá ser transformada em lei. Um tiro de escopeta nas políticas de uso social da terra no Brasil. Uma crônica de futuras sangrias no campo e nas cidades. Votação, aliás, comandada por ninguém menos que o sombrio senador Romero Jucá (PMDB-RR).

Entre os resistentes destaco a paraibana Fátima Bezerra, Senadora pelo RN (foto). O que aconteceu no Senado e que pouco chamou a atenção, mesmo nas redes sociais, é muito grave. Esta MP altera profundamente a forma como são outorgadas as terras públicas no País. Quando entrar em vigor, as terras não serão mais concedidas com função social e de forma hereditária, como ocorre atualmente. O governo passará a dar uma titulação, permitindo que o lote seja vendido para terceiros. Ou seja: o governo Temer está propondo uma Reforma Agrária às avessas. Ao excluir a função social da terra, o dinheiro será o juiz e certamente veremos mais conflitos e mais tragédias no campo e nas cidades. Os agricultores e trabalhadores pobres são o ponto vulnerável desta legislação macabra. Pela vocação de “velho oeste” que rege as relações sociais em algumas regiões brasileiras, certamente veremos trabalhadores vendendo as terras a preços irrisórios. Claro, para fugir das pressões do agronegócio, das covardias das milícias, da violência policial e da morte.

Achou pouco? Pois bem, essa Medida concede ainda anistia aos desmatadores e grileiros. E não para por aí. Torna facultativa a vistoria para comprovação do cumprimento das obrigações do posseiro. Segundo o portal Brasil de Fato, “na área urbana, a medida flexibiliza a regularização de loteamentos e condomínios fechados de alto padrão e extingue o licenciamento ambiental diferenciado para áreas consideradas de interesse social. Também revoga os dispositivos que obrigam loteadores irregulares de terras públicas a adotarem medidas corretivas, repassando essa competência ao poder público, que fica impedido de ser ressarcido pelo dano.”

Senadores de oposição consideram que esta MP decreta o fim da Reforma Agrária. Em consequência, teremos o aumento do êxodo rural e da violência no campo e na cidade. Lógico, entre outras previsões catastróficas. O que está em jogo atualmente no Brasil não é exatamente a escaramuça partidária em torno da presidência da República. Parece que estamos vivendo um tipo obscuro de parlamentarismo. Os acordos com o agronegócio – que banca uma tropa numerosa no Senado e na Câmara Federal – mostram quem está dando as cartas. Defendem abertamente uma legislação que aumenta a concentração de terras. Em consequência, aumenta também a exclusão dos pequenos agricultores. Isso deverá inchar ainda mais as periferias das cidades. Aprovaram uma MP que vai de encontro até mesmo à segurança nacional, pois escancara nosso território aos investimentos estrangeiros.

A luta pelo uso social da terra é histórica. Muita gente morreu por isso. Os recentes fatos acontecidos em Pau  D’Arco-PA, são frutos de uma mesma tragédia que vem se repetindo. Parece que o espetáculo midiático sobre a corrupção está servindo, sobretudo, para criar uma cortina de fumaça sobre os sucessivos golpes que o povo brasileiro vem sofrendo. Estamos regredindo décadas em termos de direitos sociais. Mas, isso não viraliza nas redes sociais como os memes engraçadinhos. Isso não gera debate consequente nos programas de TV e rádio. Esse assunto não interessa para os que estão pautando a crise segundo as determinações da “Casa Grande”. O prejuízo do roubo dos direitos sociais é muito maior até mesmo que a histórica roubalheira da elite. Estamos regredindo tanto que, conforme alguém comentou no Facebook, vamos consolidando o país como “uma eterna Capitania Hereditária”.