TikTok está roubando dados para a China ou só roubando nosso tempo?

Segundo uma audiência no Congresso que aumentou a pressão sobre os EUA para proibir seu uso, o aplicativo é um problema de segurança nacional

Se você tivesse me perguntado na década de 1990 se danças coreografadas irritantes e péssima dublagem virariam um problema de segurança nacional dos Estados Unidos, eu teria achado que Saddam Hussein estava cantando com as Spice Girls. Segundo uma audiência no Congresso que aumentou a pressão sobre os EUA para proibir o aplicativo de compartilhamento de vídeos, o problema de segurança nacional é o TikTok. Shou Zi Chew, o CEO do TikTok, de propriedade chinesa, foi convocado e passou cinco horas sendo intimidado por parlamentares de ambos os partidos.

Num momento em que a tensão entre os EUA e a China cresce a cada dia que passa, minhas dúvidas quanto a uma proibição do TikTok são: o TikTok é de fato uma ameaça à segurança nacional? E será que o Congresso pode falar do assunto com conhecimento de causa sem nunca ter dançado “The Laffy Taffy”?

A acusação principal foi a conexão do TikTok com o regime chinês por meio de sua empresa-mãe —ByteDance —muitos de seus principais executivos são acusados de ter ligações com o Partido Comunista Chinês. Além de Chew ser o ex-diretor financeiro da ByteDance e ainda ter reuniões de consultoria regulares com a empresa.

A base dessa preocupação era a ideia de o TikTok compartilhar dados de americanos com a China. Foram citadas leis chinesas que requerem que empresas compartilhem informações com o regime. A presidente do comitê congressional, Cathy McMorris Rodgers, chegou a dizer: “O TikTok é uma arma do Partido Comunista Chinês para espionar vocês, manipular o que vocês assistem e explorar vocês para gerações futuras.” A sensação de quem assistiu à audiência foi de estar indo encontrar seus sogros que andam armados de espingarda e querem te perguntar quais são suas intenções em relação aos dados deles.

Chew disse que, apesar de o TikTok ser uma subsidiária da ByteDance, é uma entidade autônoma, com 60% de suas ações distribuídas globalmente, e que Pequim nunca pediu dados do TikTok e nunca o fará. Ele também descreveu planos para o chamado “Projeto Texas” do TikTok, uma iniciativa pela qual dados de assinantes americanos seriam armazenados pela Oracle, de propriedade americana. Para o eleitor típico de Trump, isso provavelmente soa melhor do que se tivessem batizado a iniciativa de “Projeto Wuhan”, por exemplo.

Também houve uma multidão de críticas que poderiam ser feitas a quase todas as empresas de tecnologia, como a capacidade de compartilhar desinformação, reconhecimento facial e efeitos sobre a saúde mental de adolescentes e jovens. Minha própria saúde mental foi afetada quando, ao fazer pesquisas para esta coluna sobre o TikTok, acabei sendo sugado para um buraco de entorpecimento cerebral ao assistir a duas horas de Laffy Taffy. Quando acabou, eu estava tendo pensamentos suicidas, mas, cara, estava sabendo dançar.

Uma parte interessante da preocupação com dados é que 47 de nossos 50 estados americanos têm leis de proteção da privacidade insuficientes ou inexistentes. Entre eles, os estados de quase todos os parlamentares que criticaram o TikTok na audiência.

A Meta, concorrente americana cada vez menor do TikTok e dona de Facebook, WhatsApp e Instagram, desembolsou US$ 20 milhões para fazer lobby contra o TikTok no Congresso e pagar por artigos de opinião e editoriais desancando o TikTok por muitas das práticas acima citadas … que a Meta também comete.

Tipo vender nossos dados a qualquer entidade global disposta a comprá-los. Na verdade, Facebook, Twitter, YouTube, Gmail e Snapchat, todos têm acordos com empresas chinesas de tecnologia de anúncios, o que expõe nossos dados ao mesmo risco. Tudo isso é condizente com uma conversa sobre o TikTok, pois pode fazer parte da dança verbal aqui parecer um pouco… coreografada. Possivelmente até repetida ao pé da letra por lobistas.

Não quero minimizar a importância dos sinais de alerta sobre a empresa nem as preocupações de segurança relativas a um país com o qual estamos em conflito —e um cujos balões espiões tivemos que derrubar recentemente. Talvez uma proibição seja a coisa certa a fazer.

Mas se a segurança pessoal e nacional são as questões em jogo, e elas não são o único risco presente no mercado, não seria o mercado o lugar apropriado para começar a endurecer regulamentos, leis de transparência e auditorias independentes obrigatórias para qualquer plataforma que opera no país? De outro modo, como vamos poder garantir que governos pelo mundo afora não tenham acesso a dados sensíveis de americanos? Como a precisão do meu Laffy Taffy.

Coluna de David Wiswell, na Folha