Temer estreia ministério mutilado e perde chance de ter apoio internacional

Governar é contrariar interesses. Essa máxima, mais antiga do que as pedras de Machu Picchu, se aplica ao que acontece hoje na Paraíba ou no Paraná. Mas há situações em que são contrariados os interesses não de um grupo ou pessoa, mas do próprio governo, da população, de todo mundo. Caso típico de burrice institucional ampliada capaz de contrariar até os paralelepípedos do Centro Histórico foi a extinção do Ministério da Cultura. Obviamente, um tiro no pé do governo interino.

Interino que começou bem mal. Simbolicamente, passou a ideia da tomada de poder justamente por um agrupamento golpista. Uma tropa, essa que assume interinamente, com características que vão do desgaste de quem tem contas a ajustar com a Lei ao descompromisso de quem chega com cara de paisagem para ver o que acontece.

Linear quanto ao interesse imediato (a posse do Estado), convergente quanto à fonte de empoderamento (Congresso, PMDB e aliados), harmônico quanto à representatividade política e social (nomes, com raras exceções, sem qualquer relevância) e simétrico quanto à mentalidade conservadora, o Ministério é uma confissão de culpa de um liberalismo tacanho e excludente.

Nada de diversidade na equipe. Um grupo mutilado sem a presença feminina. Nada de popular que não sejam o populismo de alguns e a cara amassada de outros, políticos que se desgastaram nas equipes de Lula e Dilma.

Mas é preciso dar um crédito de confiança ao presidente interino. Geralmente, é de onde nada se espera que pode vir alguma coisa. Inclusive a confirmação do nada. Caso nada aconteça, isso será tudo de ruim.

Assim como não foi bom o fim do Ministério da Cultura. A extinção revelou ignorância crassa de alguns dos princípios que regulam hoje o diálogo entre as nações, sendo o do soft power, ou poder brando, um dos mais expressivos. A invenção do termo e a descrição do conceito são estadunidenses, dos anos 1990 da terceira via, mas foram adotados pela maioria dos países como meio eficaz de exercer influência.

Em 2013, então à frente do hoje extinto Ministério da Cultura, Marta Suplicy disse a propósito do soft power que se trata “de atuar na geopolítica por meio da projeção de uma imagem positiva para o país”. Às vésperas de uma Olimpíada, engolfado por colapsos concêntricos e convulsões difusas decorrentes da protuberância em expansão da crise, tudo o que o Brasil precisa agora é proclamar no exterior sua capacidade de realização.

E nada mais apropriado neste momento do que exercer o poder brando que os produtos culturais possibilitam.

Mas então, o que faz o presidente interino nessa hora de tensões cabeludas e desconfianças espinhentas? Extingue o passaporte de prestígio cultural carimbado pelo Ministério da Cultura que o Brasil ostentava além-fronteiras.

Nos últimos três anos, mais do que nunca, o soft power brasileiro se fez valer mundo afora. Na Feira do Livro de Frankfurt, o Brasil foi a estrela. Também na Feira do Livro Infantil em Bolonha, na Itália. Teve o ano do Brasil na China, evento de grande repercussão cultural. Ganhamos o prêmio Hans Christian Andersen, atribuído pelo Conselho Internacional sobre Literatura para os Jovens – IBBY, Suíça, entre outras premiações referenciais.

Os pontos de cultura idealizados e instalados pelo Ministério implodido são modelos para outros países. A primeira edição do MicSul – Mercado de Indústrias Culturais do Sul, realizado em 2014 na Argentina, com mais de 800 empreendedores, 112 dos quais integravam a delegação do Brasil, foi marcada positivamente pela ideia do Vale-Cultura. Haverá novo encontro do MicSul este ano, em agosto, na Colômbia. O que apresentaremos? Um relatório sobre a necessidade de extinguir o Ministério? A Unesco já havia incluído a cultura do Brasil no planejamento da agenda de desenvolvimento sustentável pós-2015 para indicar seus objetivos até 2030.

Extinguir o Ministério foi uma rasteira no Brasil, isso sem falar no golpe baixo em tudo o que o MinC fazia quanto ao relacionamento com os setores populares da cultura, a inserção construída junto aos movimentos sociais, a relação com a comunidade artística, as premiações, os financiamentos, as juventudes… A extinção foi uma temeridade. Mais uma. A cultura não merecia esse golpe.

(Reproduzido do jornal A União, 17/05/2016)