Sobreviver de arte é brigar por estar vivo, defende Nanego Lira

Nanego Lira é natural de Cajazeiras, no Alto Sertão Paraíba. Começou a fazer teatro desde muito cedo, menino ainda, junto com a família que é praticamente uma trupe de artistas: é irmão dos atores Soia Lira, Buda Lira e do cineasta Bertrand Lira. “A gente começou muito cedo. Eu comecei com 10 anos de idade”, revelou.

Em João Pessoa desde os anos 1970, foi um dos fundadores do Centro Cultural Piollin, uma espécie de escola-oficina de teatro, circo, dança e outras artes. Nanego é um dos coordenadores do espaço junto com o irmão Buda Lira.

É um dos atores da Paraíba mais premiados no teatro e no cinema. De postura simples, ele fala com muita e naturalidade sobre sua trajetória artística e sobre seu perfil, sem histrionismos ou jargões.

Sobre a escolha da profissão de ator, Nanego revelou que aconteceu de forma não-planejada. “Fiz uma escolha sem pensar, naturalmente, como um rio que flui” diz ele, revelando em seguida que, em alguns momentos, chegou a se questionar sobre essa opção e desejar ter seguido um outro caminho.

Em seguida, emendou afirmando que a sobrevivência é algo inerente a condição humana e independente da profissão, ainda que nas artes, as dificuldades possam ser, circunstancialmente, maiores.

“Sobreviver independente de arte, do que seja, é sempre uma luta, é você brigar por estar vivo. Eu trabalho com arte e sobrevivo disso, de alguma maneira eu sobrevivo disso, mesmo que para isso eu tenha de fazer várias outras coisas”, explica Nanego.

O ator paraibano defende que o ofício de artista tem de ser desmistificado. “A gente pode e deve desmistificar essa coisa da arte. Porque, normalmente, as pessoas embutem uma aura (no artista) que, na verdade, é só fachada e é só para vender. Eu conheço muitas pessoas que fazem teatro, que fazem teatro de grupo, que fazem cinema, que estão na mídia e há uma distância naquilo que ele faz e naquilo que ele é. Eu tenho um amigo que costuma dizer ‘queira conhecer a obra do artista, mas não queira conhecer o artista’. E hoje eu estou num propósito de ser um ser humano completo, mas ao mesmo tempo normal como qualquer outro, desmistificar essa coisa”, enfatiza.

“O artista, na minha concepção, é um trabalhador como outro qualquer. Ele tem de acordar todo dia ir fazer seu ofício como um bancário, como um jornalista, um pedreiro. Eu tenho encarado assim a minha arte”, reforça Nanego.

Apesar de já ter feito, ao longo da carreira, vários curtas-metragens e ter sete longas no currículo, dentre os quais filmes de destaque circuito brasileiro como, “Grão”, de Petros Cariry, “Gonzaga – De Pai Pra Filho”, de Breno Silveira, “Cinema, Aspirinas e Urubus”, de Marcelo Gomes, ele se diz um ator iniciante na Sétima Arte.

“O cinema ainda é uma coisa muito nova pra mim. Eu ainda me considero uma pessoa que está tendo contato (com a linguagem). Eu estou curtindo engatinhar no cinema”, diz Nanego na sua habitual modéstia.

Seu trabalho mais recente nas telonas foi em “Reza a Lenda”, de Homero Olivetto. Lançado em janeiro desse ano, o filme foi um grande sucesso de bilheteria no cinema nacional. Considerada, para os padrões brasileiros, uma obra cinematográfica de grande porte, com orçamento alto e amplamente distribuída pelos cinemas Brasil afora, “Reza a lenda” teve uma dinâmica de produção diferenciada, segundo Nanego, que interpretou Pai Santo, uma das personagens fundamentais para o desenrolar da narrativa.

“Apesar dessa grande produção, é um cinema que a feitura dele, a relação das pessoas com o diretor, foi muito importante porque parecia um trabalho coletivo, pela relação (com a equipe), pela construção dessa relação.

“O Reza a Lenda foi um filme que me deu muito prazer (em fazer) por casa dessas relações construídas, com Homero (Olivetto, diretor), com Chico Accioly, diretor de produção, com a Zezita Mattos, que é uma pessoa que eu já conhecia, querida, mas com todos os outros, o próprio Cauã (Reymond), o Humberto (Martins), os outros atores envolvido”, destaca Nanego.

“Eu tenho querido e tenho me pautado para fazer projetos em que eu possa estar contribuindo com um pouco mais que o meu trabalho de ator, estar construindo relações”, completa ele.

Em maio de 2015, Nanego viajou para Argentina para participar das filmagens de Zama, filme da cineasta Lucrécia Martel que tem, entre os produtores, o espanhol Pedro Almodóvar. Para ele, foi uma experiência singular.

“Foi o maior presente que eu recebi em 2015”, ele diz. Perguntado sobre o que mais o instigou no projeto, ele revela uma grande admiração pelo trabalho de Martel. “Me interessou pela obra dela, pela maneira como ela narra seus filmes. É uma mulher que no set (de filmagens) é uma criadora, ela cria. É absolutamente incrível filmar com ela, porque ela está o tempo todo criando e com uma equipe enorme, mas de uma doçura, de uma sensibilidade, de uma relação pessoa e humana pouco vista em cinema”, ressalta Nanego sobre a diretora argentina.

Sobre novos projetos artísticos, Nanego revelou, com exclusividade, seu novo trabalho, um filme de longa-metragem do diretor cearense Petrus Cariry.

“Recebi um convite há um mês e meio atrás para fazer o quarto longa de ficção do Petrus Cariry. Eu fiz o primeiro longa dele, O Grão. Estou estudando e empolgado com o personagem que ele me deu, um personagem bastante desafiador, enigmático. Vou me dedicar, porque eu acho que tem conteúdo, tem coisa boa para vir o do filme e do personagem”, destacou.