Sexo frágil? Força feminina melhora o efetivo da segurança pública na PB

De acordo com o último Mapa da Violência, em 2013, 6,4 mulheres a cada 100 mil habitantes foram vítimas de homicídios no Brasil. Do outro lado da rua, mais de 25% do efetivo nacional de policiais civis são de mulheres. Na Polícia Militar e Corpo de Bombeiros, a participação não chega a 8%. As mesmas que são vulneráveis todos os dias e estereotipadas pela mídia, são também as que defendem e as que lutam por posições que dificilmente serão bem aceitas pelo gênero masculino. No entanto, nada disso é empecilho. É impulso.

A profissão de agente penitenciário também é alvo de estigmas. O sexo frágil, observado como incapaz e menor, precisa mesmo se impor para cair por terra com concepções machistas de gênero. Janaína Aguiar é agente penitenciária e chefe de disciplina do Centro Reeducação Feminina Maria Júlia Maranhão e descobriu, com a profissão anterior de professora, que ser forte é a principal arma a puxar o gatilho. De família matriarcal, ocupar o cargo nunca foi um problema. Mas ao enfrentar a sociedade, os obstáculos acabaram fazendo parte de um treinamento pessoal. “Algumas amigas não queriam que eu assumisse. Eu trabalhava com outro perfil, mas as pessoas esquecem que professor também precisa ter muita fibra”, conta, com uma reação de agradecimento aos ensinamentos do passado.

Encontrou no irmão a curiosidade de enfrentar a profissão. Além disso, a remuneração também somou na decisão. “Mãe e recém-divorciada, eu precisava pensar na questão financeira”, explica. Antecedida por uma realidade difícil – a educação –, Janaína resolveu se arriscar, quase que literalmente. “Encontrei aqui muito do que eu já tinha na formação de educação popular. Como professora, tinha um papel fundamental na construção de uma perspectiva de vida e visão de mundo”, relembra. Na penitenciária, a função de Janaína e de todas as outras profissionais, é crucial. Além da vulnerabilidade social de muitas que chegam aos presídios, a realidade de origem pede também atenção. Na reclusão tudo chega ao limite, inclusive a discussão de gênero.

Sempre com dedos apontados para elas, sempre com frases direcionadas para elas e sempre com estigmas materializados sobre elas, no decorrer da vida, tudo é mais difícil por ser mulher. “A dificuldade se agrava quando, além de mulher, também somos mãe. O abdicar é maior e a responsabilidade com o trabalho e a casa também pesa mais. São múltiplas funções e é muito mais difícil administrar”, Janaína reafirma o cenário de tantas outras mulheres que, por estigma da sociedade, transforma-se numa máquina: de lavar, de passar, de cozinhar, de trabalhar, de limpar, de ser mãe, de ser gente, de ser mais.

Ser menor, para uma gama de machistas, é ser mulher. E dentro do sistema penitenciário isso não é muito diferente. “Sentíamos aqui dentro que por ser mulher já éramos consideradas ‘menos’ agentes que os homens ou estar numa posição de frente era absurdo”, disse. Em treinamentos, pedem para ter cuidado com as meninas, mas todos os dias ninguém se importa com os cuidados que precisam ter na rua. “Quando estamos dentro da penitenciária feminina, temos que nos impor. Existe a peculiaridade do universo feminino, mas é preciso saber ter uma postura de agente penitenciária independente de sexo, além de compreender o universo feminino. Somos mulheres, somos agentes, corremos os mesmos riscos. Não tem diferença de gênero”, destacou.

Janaína busca uma justificativa para essa imposição de diferenças de gênero, que é muito falha, mas usada em qualquer conversa sobre o assunto. De acordo com ela, existem as diversidades existentes pelo universo feminino e pelo biológico. No entanto, o que acredita mesmo é que todo mundo é capaz, desde que queira. “É difícil para uma mulher estar num ambiente de predominância masculina. Durante as atividades, alguns vão achar que sua capacidade e desempenho serão menores. Mas você só sabe quando está atuando. Nunca se deve subjugar ninguém, independente do gênero”, Janaína deixa o recado.

Em posição de comando

Agente penitenciária desde 2009, Cínthya Almeida encontrou no concurso público para agente a oportunidade de se identificar com uma profissão que requer disciplina, atenção, cuidado e coragem. Trabalhou em algumas unidades penitenciárias e há cinco anos ocupa a direção do Centro Reeducação Feminina Maria Júlia Maranhão.

Num ambiente predominantemente masculino, Cínthya conta que algumas pessoas realmente não conseguem encarar com naturalidade uma realidade simples, fácil e possível: uma mulher numa posição de comando. “Eu tento levar da melhor maneira possível, depois de cinco anos as coisas melhoraram”, diz. No começo foi quase impossível não enfrentar as dificuldades: jovem, mulher e fazendo parte de um ambiente masculino, que socialmente exclui a mulher da profissão.

Em muitas situações do cargo é preciso interagir. A necessidade do diálogo ultrapassa os portões da penitenciária e chega até outras unidades. “Nessas situações, você acaba tendo que tratar de igual para igual com outro diretor, no seu mesmo patamar, só que homem. Infelizmente, nem sempre isso é encarado de maneira positiva, como se você sempre soubesse menos”, lamentou. Muitos diziam que por ser mulher nenhuma delas conseguiria. Estão provando que nada é capaz de impedi-las. “Tanto conseguimos que estamos aqui até hoje”, diz.

Com nove anos de experiência e maturidade no ambiente penitenciário, a diretora já aprendeu bastante. Uma curiosidade importante de destacar está nas causas do aumento de detentas nas penitenciárias. “Muito disso se deve ao crescimento do número de mulheres em postos de comando também no universo do crime”. Uma disparidade observada em um lugar que, embora seja extenso, intermedeie ligações fortes e tênues: mulheres vítimas e mulheres também de poder. Ambas com seus erros, mas todas com a coragem e a vontade de ser mais, de simplesmente ser mulher e ser vista de igual para igual.

Trabalho de aceitação, negação e escolha

Toda profissão carrega ensinamentos, mas aquelas em que se precisam encarar treinamentos psicológicos de enfrentamento ao preconceito possivelmente deixam marcas mais visíveis. A profissão de agente penitenciária é um trabalho de negação e, ao mesmo tempo, de afirmação. Mas, sobretudo, de escolha. “Eu aprendi a dizer sim e não nos momentos certos”, disse Janaína Aguiar.

Além disso, trabalhar em equipe é partilhar das diferenças. E sem o conjunto, a função de agente não é exercida com afinco. Esse é também um dos aprendizados de quem passa pela profissão. Somado a isso, aprende-se a verbalizar sempre, explicar, ser coerente com o que se faz e com o que se fala. “O diálogo é importante”, reafirma Janaína. Mas, acima de tudo isso, o mais importante relatado pelas duas agentes é aprender a se impor. Esse é um resultado que leva tempo, mas que quando absorvido, é função principal. É preciso pensar rápido e tomar decisões difíceis. Para isso, é preciso acreditar em si mesmo.

Das dificuldades também brotam conhecimentos e instrução. Mudar a visão de que elas são “menores” por simplesmente serem mulheres, infelizmente, é também uma função a ser seguida. “A mulher pode sim fazer parte de uma linha de frente de um conflito”, declara Janaína. Para isso, a necessidade de se impor diante dos outros aparece novamente.

Cínthya Almeida tirou da profissão o domínio próprio que faltava na sua vida. “É uma profissão de alta tensão, estamos constantemente submetidas a pressão, decisões difíceis, que nos obrigam a agir com a razão”, frisou. Um dos momentos de grande impasse é a despedida das crianças que, ao nascer na penitenciária, com seis meses precisam ir embora. “Você sabe da tristeza e sabe como a detenta vai se sentir, mas tem que mandar a criança ir embora. Com a primeira você se lamenta, com a segunda também, na terceira você já tenta abstrair”, disse. “É preciso tomar a decisão correta”, completou.

Por ser um universo de maioria masculina, Cínthya conta que algumas vezes as mulheres são olhadas como uma ‘subprofissional’, mas para ela isso tudo tem mudado e os treinamentos mesclados, com homens e mulheres, podem ser um passo diante da árdua luta feminina. “A gente tenta não ficar pra trás e estar de igual pra igual”, disse.

E se você é mulher e deseja trabalhar na segurança da sua cidade, do seu Estado, do seu País, Janaína sugere uma única coisa: não perca tempo. No entanto, busque antes o conhecimento, aprimore as atitudes e enfrente o que for preciso. “Todas nós somos capazes, desde que queiramos assumir aquela função. Seria bem mais fácil estar em outra função. Aqui o respeito é duas vezes mais importante do que em qualquer lugar. É preciso ter disciplina e conhecimento, isso é muito importante. Me respeite tanto quanto eu te respeito”, orientou. Então, lembrem-se: lugar de mulher é onde ela quiser. As informações são do Jornal A União.