Salão de Artesanato expõe dificuldades enfrentadas pelos profissionais

Um pedaço colorido e cultural do Brasil está reunido na 28ª edição do Salão do Artesanato da Paraíba, em Campina Grande. O evento já é tão tradicional, que faz parte do roteiro dos turistas que visitam a cidade nesta época. Com o tema “Diversidade Cultural”, o salão reúne os saberes de 327 artesãos com vários rostos, crenças e etnias. Cada artesão traz consigo seu próprio caminho de descoberta com a tipologia que escolheu desenvolver, mas ouvindo a voz das mãos que criam tantos trabalhos exclusivos a custo de tempo e paciência, é unânime: a arte não é suficiente para sustentar a casa.

Já se tem uma perspectiva desse cenário pelas dificuldades em realizar o evento. Para a gestora do Programa de Artesanato da Paraíba, Lu Maia, inicialmente se esperava um movimento de vendas 30% maior do que no ano passado, ou seja, pelo menos R$1,1 milhão em 19 dias de trabalho. Ao 12º dia de evento, uma nova perspectiva para os organizadores, que ainda não conseguem enxergar o movimento intenso recebido ao longo dos anos.

“Esperamos crescer, mas dentro do nosso levantamento diário, estamos vendo que a realidade não é de compra e venda intensa, mas por enquanto está dentro da normalidade”, disse.

Apesar de o movimento mais esperado ser o deste fim de semana de São João, quem visitar pode esperar uma boa representatividade de mundos. Pelo menos 70% dos artesãos são mulheres, mas há ainda a presença de índios, quilombolas e descendentes de holandeses e portugueses. Oportunidade para ver, conhecer e experimentar o que é feito aqui mesmo na Paraíba.

“Além dos artesãos, temos 20 pessoas cuidando da gastronomia. Eles vieram trazendo as castanhas, o mel, a rapadura, a cocada, bolo de milho, está mesmo uma delicia de exposição. São participantes de 74 cidades da Paraíba e, posso dizer que, cada região tem pelo menos um artesão representando. São 70% mulheres dominando aí esse nosso mercado e a tradição”, disse.

“Esse ano estamos falando sobre diversidade cultural, que é essa mistura de raças, transformada em belíssimos produtos e ícones da nossa cultura paraibana. Temos aqui índios, quilombolas, descendentes de holandeses, de portugueses, mamelucos, cafuzos e mulatos, que apresentam diversas belezas”, descreveu Lu Maia.

Maria Cristina Vidal de Oliveira é de Campina Grande mesmo e, além de professora polivalente, é bordadeira. Ela confecciona estandartes coloridos que estampam os rostos de Santo Antônio, São João e São Pedro. E foi de ver a avó decorar a casa que ela se interessou primeiro em aprender a fazer e depois em vender.

“Os estandartes vem desde antes de Cristo, quando em Roma eles usavam bem à frente do exército. Eles são usados para representar algo e aqui, os meus representam os santos juninos. Meu público é principalmente o turista católico e devoto que sempre procura por essas peças. Um desses com bordados, fitas para as promessas e os fuxicos, leva uma semana para ser feito. Eu sempre via a minha avó usando para decorar a casa. Já fazia para minha casa por uma tradição e quando conheci o Salão, vi uma oportunidade”.

Jornada como professor

O índio potiguara William dos Santos da Silva trouxe de Baía da Traição, Litoral Norte do Estado, elementos como fibra, semente e até palha, traduzido em bijuterias, adereços e objetos de decoração. “Produzimos brincos, colares, maracas e cocares. Trouxemos cerca de 1,5 mil peças. Eu comecei a produzir desde os 7 anos de idade, ensinado pela minha mãe. Usamos a semente de ‘olho de boi’, que é uma planta rasteira, que quando a gente passa ela no chão, acende uma faísca; a aboneteira, que usamos a semente para os colares e a casca para lavar roupa, pois produz espuma; além de bananeirinha e morototó”, contou.

Os produtos vendidos carregam a crença que William trouxe de casa. “O mensageiro é um objeto que muitos veem como uma decoração, mas a crença indígena acredita muito que ele serve para espantar os maus olhados. Então toda vez que o vento bate e ele emite o som, isso expulsa o mau olhado e as más energias. Ele é feito de ‘olho de boi’, semente de açaí, quenga do coco e a cabaça. O filtro dos sonhos, de cipó, sementes de castanheiro , jatobá e penas, é uma rede que prende os sonhos ruins e deixa que passem os sonhos bons. É bom para botar na entrada da casa. Temos também a maraca, utilizada antes dos rituais indígenas de jurema, para entoar a entidade, e qualquer um pode comprar”, explicou.

Apesar da riqueza cultural, o artesanato não é o único meio de renda de William. “Ainda participamos de outras feiras e dá pra se virar, mas são poucas as pessoas na tribo que trabalham com artesanato”, afirmou.

“A gente vai se arrastando”

A tecelagem fica em Gurinhém, mas a matéria-prima Marcone Alves sai de Campina Grande, conhecida no início do século XX por seu ouro branco, hoje colorido. São redes, passadeiras, toalhas, jogos de mesa, tudo feito a mão. “Comecei trabalhando em uma fábrica de Gurinhém. Trabalhei por dois anos e quando saí e resolvi montar dois teares e há mais de 20 anos que vivo nessa luta. Eu sempre digo que meu pai fazia rede de pescar e eu faço rede pra dormir. Uma rede tem várias etapas: o urdimento (fio a fio), a própria tecelagem, mas a mais importante o acabamento (varanda, punho, mambucaba). Uma rede hoje leva pelo menos três dias para ser feita”, descreveu o processo.

É por saber fazer e vender que Marcone também reclama de como os últimos tempos têm sido difíceis para o artesão. “Vivo disso, mas hoje está complicado. A gente vai se arrastando, pagando as contas. Além dos Salões, eu vendo no mercado do artesanato em João Pessoa e tenho umas clientes que aparecem de vez em quando. Hoje só se segura quem tem jogo de cintura para segurar o negócio. Não dá para ser rude, sendo artesão. Tem que saber negociar e tentar convencer o cliente a levar. Minha peça mais cara é uma rede de R$180, toda feita em algodão natural, ecológico, e que não solta tinta”.

Rendeira.As mãos mais pacientes de Serra Redonda, Agreste do Estado, provavelmente são de Inês Aires Ponte. “No labirinto você pega o pano todinho fechado e vai abrindo pontinhos para criar os desenhos”, ensina. Corta, puxa, risca. Cada etapa requer um pouquinho e concentração para resultar em uma peça única, que às vezes é concluída apenas três meses depois. “Só este pano aqui são sete trabalhos: é riscar, encher, torcer, perfilar, lavar, engomar e vender. É mais difícil vender do que fazer. Um pano simples demora ‘pouco’, e em cerca de um mês se faz isso tudo. Uma colcha, ou uma toalha de mesa de seis cadeiras, leva mais tempo”, detalhou. Um trabalho grande precisa de várias mãos para ser concluído.

Arte não irá de pai para filho

“Meu bisavô começou com tudo isso, passou para o meu avô, que passou para o meu pai e vai morrer comigo”, é o que diz seu Roberval Caroca do Nascimento. As palavras são um tanto pelo amor, outro dando pela dor de sempre ter que trabalhar demais para vender. O trabalho é todo feito em couro de boi, às vezes de bode, com a matéria-prima que vem do Estado vizinho de Pernambuco. Além do Salão do Artesanato de Campina Grande e de João Pessoa, Caroca também vende no marco zero em Olinda, mas para ele é uma vida suada.

“Esse Salão aqui é um sacrifício. Eles fazem, mas a gente vê que é na luta. Eu trabalho só. Então sou eu que compro o material, corto e costuro. Sempre vivi disso, mas sempre foi muito suado. Eu faço porque eu gosto, mas eu não vou mentir, é sofrido. Por isso prefiro levar comigo”. Informações Correio da Paraíba.