Quebra de sigilo dos supostos financiadores de ataques ao STF inclui eleições 2018

Ministro do STF determinou a quebra do sigilo bancário e fiscal de quatro pessoas entre julho de 2018 a abril de 2020, dentre elas Luciano Hang, da Havan, e Edgard Gomes Corona, da Smart Fit

Na decisão em que determinou a busca e apreensão de material na casa de pessoas suspeitas de promoverem ataques e ofensas ao Supremo Tribunal Federal (STF), o ministro Alexandre de Moraes disse que um grupo de empresários pode ter ajudado a financiar a desinformação e a incentivar “a quebra da normalidade institucional e democrática”. Deste modo, o ministro determinou a quebra do sigilo bancário e fiscal de quatro pessoas entre julho de 2018 a abril de 2020, dentre elas Luciano Hang, da Havan, e Edgard Gomes Corona, da Smart Fit, o que inclui o período eleitoral.

Também determinou o bloqueio das contas em redes sociais de 17 pessoas suspeitas de espalharem desinformação ou de financiá-la. Por outro lado, mandou um ofício para as redes sociais para preservar o conteúdo das postagens de seis deputados federais e dois estaduais aliados do presidente Jair Bolsonaro, como Carla Zambelli (PSL-SP) e Bia Kicis (PSL-DF). Os parlamentares não foram alvos de mandados de busca e apreensão.

Para justificar a busca e apreensão, a quebra de sigilo e outros pontos de sua decisão, Moraes destacou que os direitos e garantias individuais não são “absolutos e ilimitados”. A inviolabilidade domiciliar, por exemplo, disse Moraes, não pode virar “garantia de impunidade de crimes”. Também segundo ele, o bloqueio das redes sociais é “necessário para a interrupção dos discursos com conteúdo de ódio, subversão da ordem e incentivo à quebra da normalidade institucional e democrática”.

“Ressalte-se, também, que toda essa estrutura, aparentemente, estaria sendo financiada por empresários que, conforme os indícios constantes dos autos, inclusive nos depoimentos dos parlamentares federais Nereu Crispim, Alexandre Frota e Joyce Hasselmann, atuariam de maneira velada fornecendo recursos – das mais variadas formas –, para os integrantes dessa organização”, anotou Moraes na decisão.

Segundo Moraes, essas pessoas são “possíveis responsáveis pelo financiamento de inúmeras publicações e vídeos com conteúdo difamante e ofensivo ao Supremo Tribunal Federal; bem como mensagens defendendo a subversão da ordem e incentivando a quebra da normalidade institucional e democrática”.

Moraes citou os depoimentos de alguns parlamentares que já foram aliados do presidente Jair Bolsonaro, mas hoje são adversários, como Joice Hasselmann (PSL-SP) e Alexandre Frota (PSDB-SP). Ele citou a expressão “gabinete do ódio”, que, segundo esses parlamentares, atuaria alinhado ao clã Bolsonaro. Mas Moraes não chega a fazer nenhuma ligação entre o “gabinete do ódio” e à Presidência da República ou à família do presidente.

“As provas colhidas e os laudos periciais apresentados nestes autos apontam para a real possibilidade de existência de uma associação criminosa, denominada nos depoimentos dos parlamentares como ‘Gabinete do Ódio’, dedicada a disseminação de notícias falsas, ataques ofensivos a diversas pessoas, às autoridades e às Instituições, dentre elas o Supremo Tribunal Federal, com flagrante conteúdo de ódio, subversão da ordem e incentivo à quebra da normalidade institucional e democrática. As informações até então acostadas aos autos, inclusive laudos técnicos, vão ao encontro dos depoimentos dos Deputados Federais ouvidos em juízo, que corroboram a suspeita da existência dessa associação criminosa”, escreveu Moraes.

O ministro deu exemplos de postagens de alguns perfis no Twitter que, segundo um relatório que faz parte do inquérito, “constatou a existência de um mecanismo coordenado de criação e divulgação das referidas mensagens entre os investigados”.

Na decisão, Moraes determinou a busca e apreensão de computadores, tablets, celulares e outros dispositivos eletrônicos de 17 pessoas, tanto de suspeitos de espalharem desinformação como de serem seus financiadores. Também determinou a apreensão de “quaisquer outros materiais relacionados à disseminação das aludidas mensagens ofensivas e ameaçadoras”. Por fim, determinou que todos prestem depoimento à PF em até dez dias.

Pessoas que não foram alvo da busca e apreensão também deverão ser ouvidas pela PF. É o caso dos deputados federais Bia Kicis (PSL-DF), Carla Zambelli (PSL-PS), Daniel Silveira (PSL-RJ), Filipe Barros (PSL-PR), Junio Amaral (PSL-MG) e Luiz Phillipe Orleans e Bragança (PSL-SP), e os deputados estaduais Douglas Garcia (PSL-SP) e Gil Diniz (PSL-SP).

Moraes deu duas decisões. Uma dela envolve quase todos os investigados. A outra é dedicada a apenas um: o ex-deputado Roberto Jefferson, que foi condenado e preso em razão do processo do mensalão e hoje é aliado de Bolsonaro. As medidas impostas a Jefferson são parecidas e incluem a busca e apreensão de equipamentos eletrônicos e o bloqueio de redes sociais. Mas, no caso dele, Moraes também determinou a busca e apreensão de armas.

Em 9 de maio, no Twitter, Jefferson postou uma foto dele segurando uma arma com a mensagem: “Estou me preparando para combater o bom combate. Contra o comunismo, contra a ditadura, contra a tirania, contra os traidores, contra os vendilhões da Pátria. Brasil acima de tudo. Deus acima de todos.” O final do texto reproduz o lema da campanha de Bolsonaro a presidente em 2018.

Entre os possíveis crimes cometidos pelos investigados, Moraes cita quatro previstos no Código Penal: calúnia, difamação, injúria, associação criminosa. E mais quatro descritos na Lei de Segurança Nacional: impedir o livre exercício dos poderes; fazer propaganda pública de “processos violentos ou ilegais para alteração da ordem política ou social”; incitar a subversão; e caluniar ou difamar o presidente da República.

De O Globo