Profissão streamer: a geração que ganha até US$ 500 mil por mês fazendo lives

Nos primórdios da modalidade, lá por 2011, o conceito foi desenvolvido pensando na comunidade gamer, o que não é nenhum absurdo quando você analisa os números

Entre os Millenials (nascidos entre 1980-1994) e, principalmente, para a Geração Z (1995-2010), a tela preferida é individual e portátil. E, muito por conta disso, passou a existir uma busca mais apurada por produtores de conteúdo e assuntos que estejam intimamente ligados aos gostos dos espectadores.

Sim, isso já é feito no YouTube há mais de uma década. Mas o movimento ganhou novas camadas com as plataformas de streaming. E aqui não estamos falando exatamente de Netflix, e sim de sites como Twitch e Nimo TV, que permitem que pessoas como você e eu façam transmissões ao vivo para quem quiser assistir (o próprio YouTube e o Facebook também criaram a funcionalidade posteriormente).

Nos primórdios da modalidade, lá por 2011, o conceito foi desenvolvido pensando na comunidade gamer, o que não é nenhum absurdo quando você analisa os números. Dados da consultoria NewZoo mostram que as receitas ligadas à indústria de jogos devem alcançar US$ 180 bilhões em 2021, enquanto cinema e música devem levantar US$ 51 bilhões e US$ 23 bilhões, respectivamente.

Ou seja, era um espaço para essa comunidade, que já crescia a passos largos à época, assistir aos campeonatos e acompanhar seus jogadores favpritos ao vivo, enquanto interagia com outros fãs e os próprios criadores de conteúdo através do chat. Mas essa barreira temática não parou de pé por muito tempo, já que as coisas mudam na internet com bastante rapidez.

Hoje é possível ver lives de jogos, receitas culinárias, exercício físico, comentário político, música, talk shows, IRL (quando o streamer vai à rua e filma o que acontece) e muito mais. Um exemplo disso é o brasileiro Alexandre “Gaulês” Borba, que foi o primeiro streamer do mundo a ter direitos de transmissão de partidas da NBA na Twitch.

“É uma nova ótica de transmissão. O Gaulês não era fanático pela NBA, mas tinha afinidade com a cultura da liga. Para o jovem, é como se ele estivesse na sala de casa com amigos assistindo e comentando os jogos. Assim, a gente apresenta o produto e aumenta, no longo prazo, o consumo em outras plataformas”, diz Rodrigo Vicentini, head da NBA no Brasil.

“Sempre ouvimos que esporte é feito para a TV, mas acredito que seja feito pelos fãs. Como temos muitos jogos ao longo de uma temporada, continuaremos explorando novos produtos para que essa pluralidade continue ajudando a nossa audiência a crescer.”

E há milhares de outros exemplos: o antropólogo Orlando Calheiros, que transmite e comenta a CPI da Pandemia ao vivo; o rapper Pedro Qualy, que faz lives enquanto produz músicas do zero; o também músico Marcelo D2, que já fez lives direto da sua cozinha enquanto preparava o “almoço dos crias”; e por aí vai…

Então, se já era um formato em consolidação, por que estamos falando disso agora? Porque no meio do caminho veio o coronavírus. E, com tanta gente em casa, as plataformas viram uma enxurrada de gente, nova por ali ou não, produzindo e consumindo conteúdo como nunca antes.

Dados da Twitch, site que lidera o segmento globalmente e foi comprado pela Amazon por US$ 970 milhões em 2014, apontam que a plataforma teve mais de 30 milhões de visitantes únicos diários e pelo menos 1 trilhão de minutos assistidos em 2020. Se comparamos com o ano de lançamento em 2011, a audiência aumentou 86 vezes.

“O mercado de streaming está tomando uma proporção muito maior. Trata-se de uma monetização nova, disruptiva. Os streamers conseguem ganhar mais que outros produtores de conteúdo com menos pessoas assistindo”, diz Philip Chaves, diretor comercial da Twitch no Brasil.

“O streamer tendo rotina sólida (transmitindo mais vezes), consegue ganhar mais. E, se streamar [transmitir por] mais tempo [mais horas], ganha mais ainda. Na pandemia, vieram até outros setores para a modalidade por necessidade. Como é o caso dos músicos.” Ou seja, o produto também começa a ser visto como complemento de renda.

Comunidade gamer segue crescendo

Já uma pesquisa da chinesa Nimo TV, de março de 2021, aponta que além de assistir, as pessoas estão jogando mais. 88% dos brasileiros ouvidos disseram estar consumindo mais jogos digitais no último ano. Agora, 64% deles passam, em média, mais de duas horas jogando diariamente e, além disso, 49% precisaram investir em melhorias técnicas para garantir uma melhor experiência durante os jogos.

Impacto que também foi sentido pelas empresas do setor. A Acer viu um crescimento global de 87,6% na receita da linha gamer (de computadores e periféricos) da marca no primeiro trimestre de 2021 em comparação ao mesmo período de 2020. E em 2020 já tinha crescido 30,5% em relação ao ano anterior.

Enquanto isso, a receita da NVIDIA, especializada em produtos de processamento, alcançou uma receita recorde de US$ 2,5 bilhões no quarto trimestre fiscal de 2021, o que representa 10% de crescimento em relação ao mesmo trimestre do ano fiscal anterior e 67% a mais de crescimento desde o ano fiscal de 2019.

Riot Games, desenvolvedora de jogos como League of Legends e Valorant, registrou em 2020 um aumento superior a 40% no volume de horas jogadas no Brasil, enquanto o mercado global registrou crescimento de aproximadamente 25%.

Influência e cifras

Esse maior consumo de produtos e conteúdos indica ainda um outro fenômeno: ser streamer, hoje, ganhou contornos aspiracionais. Assim como ser youtuber ou influenciador digital, jovens passaram a enxergar um futuro promissor nessa carreira. E não é muito difícil imaginar os motivos.

creator economy, que engloba tudo o que é produzido e consumido na internet (vídeos, lives, podcasts, fotos, produtos personalizados, publicidade, etc.), já é um mercado bilionário por si só. Segundo dados da Mediakix, agência californiana de marketing de influência, os mais de 50 milhões de criadores de conteúdo online devem receber US$ 15 bilhões apenas em verba publicitária em 2022.

Além disso, e como é óbvio, os streamers têm outra fonte de renda: seus fãs. Durante as transmissões, há várias formas de receber dinheiro: o público pode pagar uma mensalidade para apoiar o criador de conteúdo; fazer doações de forma avulsa; e o próprio streamer pode veicular informes publicitários durante as transmissões e receber por isso.

E tudo com interação instantânea com o público, que vai se sentido cada vez mais parte do show. Por exemplo: quando o João doa R$ 10 para o Gaulês, a quantia doada e a mensagem escrita por João aparecem durante a live.

O mercado ficou tão competitivo que as próprias plataformas, para garantir que talentos disputados transmitam em seu site, também podem oferecer salário ou condições especiais. Somando tudo isso, streamers como o norte-americano Tyler “Ninja” Blevins já chegaram a ganhar US$ 500 mil por mês apenas com a modalidade. O brasileiro Ricardo “Piuzinho” Henrique garante que recebe cifras parecidas.

É claro que este número não passa nem perto da média, mas serve para ilustrar o racional. Quando juntamos essa, ainda que rara, possibilidade de rentabilidade com a interação instantânea que essas plataformas permitem, através do chat, chegamos à receita do sucesso da modalidade atualmente.

Sem esquecer, é claro, que cada criador cativa e dialoga com o público de formas diferentes, fazendo com que ele volte sempre. Conheça algumas histórias abaixo:

Gaulês

Aos 37 anos, Alexandre “Gaulês” Borba está no mundo dos jogos há cerca de 20. Começou como jogador de Counter-Strike e também foi treinador, antes de se afastar do cenário por um período. Voltou como streamer em 2018 e foi formando sua “tribo”, como ele identifica seus fãs.

Naturalmente, suas primeiras transmissões traziam Borba jogando ou comentando partidas de CS. Mas, como boa parte dos canais de sucesso na Twitch, ele encontrou um público fiel e começou a ter mais liberdade para brincar com formatos e conteúdos, inclusive promovendo alguns de seus fãs a parceiros de transmissão.

Consciente do seu crescimento, firmou sociedade com o Omelete, que, entre outras coisas, organiza a CCXP, e passou a ter uma estrutura mais robusta ao seu redor. Hoje é um dos maiores streamers do mundo, tem 25 pessoas trabalhando na sua operação e passou, em junho deste ano, a transmitir jogos da NBA no seu canal em parceria com a Budweiser.

Também possui contrato, entre outras marcas, com o Banco do Brasil. “Antes nós tínhamos que correr atrás das marcas para mostrar que a gente existia. Hoje conseguimos entregar de forma eficiente e moderna algo que poucos conseguem, já que nossas ferramentas permitem medir o sucesso de um produto ou campanha.”

Cid

Maurício “Cid” Fernandez, 36, já capinou muito lote na internet. Desde 2003, quando era administrador de mais de mil comunidades no Orkut, produz conteúdos na rede. Foi dono do blog Não Salvo, criou o podcast Não Ouvo e até teve um programa na Mix TV antes de chegar aos streams em 2019.

Seu plano original para o streaming era caminhar pelas ruas com um “mochilink” e transmitir seu ponto de vista (POV, como diriam os mais jovens), formato que é chamado de IRL (in real life, ou na vida real) e faz muito sucesso na Ásia. Por conta da pandemia, no entanto, decidiu apostar em um plano B: um programa de paquera.

No Zap ou Calote, que ocorre às sextas-feiras, personalidades da internet são “cortejadas” por 10 pessoas que se inscrevem previamente. O participante vai eliminando concorrentes até restar apenas um e, no final, o vencedor escolhe se quer o Whatsapp do paquerado ou se dá um calote no mesmo, escolhendo um prêmio dado pela produção.

“De três em três anos tudo muda na internet, e eu tento me adaptar. Gosto das plataformas de streaming porque o criador de conteúdo não fica tão preso ao algoritmo, são os fãs que mantêm a gente lá. E, quando você chega num certo nível, você não faz mais conteúdo para agradar, e sim o que gosta.”

Haru

Formada em Rádio e TV, Claudia “Haru” Andriolo, 26, criou um canal no YouTube de brincadeira em 2015. Ali, poderia falar dos seus temas favoritos: jogos, animes (desenhos japoneses), cultura pop. Seus números foram crescendo e, depois de uma passagem profissional pela desenvolvedora de jogos Ubisoft, decidiu que aquela seria sua profissão.

Depois de alguns anos focando na plataforma, se sentiu desconfortável com o funcionamento do algoritmo e foi migrando para o streaming. Com isso, afirma que conseguiu expandir seus horizontes e criar conteúdos mais diversos, sempre em contato direto com o seu público.

No seu canal, é possível ver gameplays, receitas culinárias ou de drinks, conselhos amorosos e o que mais der na telha. “Gosto de testar formatos malucos. Nas receitas, por exemplo, o chat vai dando palpite ou comprando ingredientes para a receita. É uma coisa que vou continuar apostando”, diz.

Piuzinho

Aos 24 anos, Ricardo “Piuzinho” Henrique também começou no YouTube. Foi alçado ao estrelato gamer quando se tornou um dos primeiros streamers brasileiros a jogar Free Fire, que posteriormente se tornou febre nacional (por ser jogado pelo celular, o jogo ganhou tração inclusive com pessoas de menor renda, que não possuem computadores capazes de rodar jogos mais pesados).

Quando migrou para o streaming, ele conta que foi procurado por várias plataformas e, depois de assinar com a Nimo TV, sua renda se multiplicou. Entre os seus fãs, muitos compartilham do desejo de streamar, mas ele prega cautela. “Eu falo que eles precisam estar dispostos a trabalhar sem ganhar nada no início. O mercado está cheio de streamers hoje em dia, precisa se dedicar muito para dar certo”, diz.

Liminha

Membro da “tribo” de Gaulês e apaixonado por jogos, André “Liminha” Shimura, de 18 anos, começou a streamar durante a pandemia. Sem poder sair de casa, ele participava da torcida virtual de campeonatos (fancams) que Borba transmitia, sempre trajado com as cores do Brasil e demonstrando muita empolgação.

Depois de alguns meses repetindo o ritual, foi reconhecido por Gaulês e outras figuras do cenário, ganhando notoriedade entre os fãs. Neste ponto, decidiu realizar suas próprias transmissões, e viralizou.

“Eu descobri algo que eu tinha paixão em fazer, mas não tinha coragem. Hoje não penso em fazer outra coisa. Acho que o mais importante é estar sempre lá interagindo com o público, porque a conexão com eles é bem mais forte do que nos meios de comunicação tradicionais.”

Com humor peculiar, se destaca tanto nas gameplays (quando joga ao vivo) de Counter-Strike como no seu talk show, o “Liminha Talk Show”. Ali, convida outras personalidades do meio e bate um papo descontraído sobre basicamente o que vier à cabeça.

Feliz por ter encontrado uma ocupação que o satisfazia (e rendia dinheiro), trancou a faculdade de Sistemas de Informação que cursava em Curitiba e agora se dedica às transmissões. Até sofreu certa resistência dos pais no início, mas eles logo entenderam que o ofício não era brincadeira.

Da CNN Brasil