Professores de universidades federais com contrato de dedicação exclusiva – que prevê 40 horas de trabalho e proíbe outros vínculos empregatícios – fazem consultorias, atendem em consultórios particulares, em escritórios de advocacia e mantêm outras atividades. A prática se repete em diversas instituições públicas do País e lesa em milhões o orçamento da educação superior, além de prejudicar a qualidade do ensino e da pesquisa. Segundo o Censo da Educação Superior, 88,20% do total de professores das federais trabalham em regime de dedicação exclusiva. A Universidade Federal da Paraíba (UFPB) é citada na investigação.
A irregularidade, conhecida dentro das instituições por professores e alunos, aparece em processos do Ministério Público Federal e em auditorias da Controladoria Geral da União. As investigações, pontuais, em geral exigem a devolução dos valores recebidos pela dedicação exclusiva, o que pode significar montantes de até R$ 400 mil por professor.
O contrato de dedicação exclusiva é tido como prioritário pelo Ministério da Educação e pelas universidades federais para que os professores tenham maior comprometimento com a pesquisa e com a pós-graduação. Por conta dessa garantia, os professores recebem uma importante bonificação no seu salário. Após 3 anos de carreira, o salário do doutor com dedicação exclusiva é de R$ 10 mil mensais frente a R$ 5,8 mil para docentes que trabalham 40 horas semanais sem exclusividade. Em final de carreira, o doutor com regime de dedicação exclusiva alcança o salário de R$ 17 mil mensais e seu colega sem dedicação exclusiva tem salário de até R$ 7,9 mil.
Mesmo sob o regime de contrato de exclusividade, os professores podem receber esporadicamente por participações em eventos científicos ou palestras, receber bolsas de agências de fomento ou organismos nacionais ou internacionais, ganhar direitos autorais ou direitos de propriedade intelectual e até participar de trabalhos eventuais em empresas privadas com permissão da universidade por, no máximo, 240 horas ao ano.
Dificuldades de fiscalização
Como os professores não têm horário definido para atuar nas atividades de pesquisa e extensão, as universidades federais têm dificuldade para controlar o trabalho dos seus mais de 68,4 mil docentes sob regime de dedicação exclusiva. Em geral, os docentes devem dar, ao menos, oito horas de aulas semanais e cumprir dois turnos dentro da universidade com suas demais atribuições, sem horário definido para isso. Para comprovar suas atividades, os professores entregam relatórios para as universidades em que apontam o tempo dedicado para cada uma de suas funções.
De acordo com o Ministério da Educação, as universidades são autônomas e cabe a elas a fiscalização do cumprimento de contratos por seus profissionais. No entanto, a falta de eficiência no controle dentro das universidades é apontada por auditorias da Controladoria Geral da União. Seus relatórios têm indicado sistematicamente a existência de funcionários de universidades federais com contrato de dedicação exclusiva e que são sócios ou mantêm vínculos empregatícios em outras instituições públicas ou privadas.
Ao menos sete dos 25 relatórios de auditoria feitos pela CGU em 2014 apontam graves irregularidades. Em 2012, o Tribunal de Contas da União fez auditoria em 19 universidades e institutos federais e flagrou ao menos 3.000 servidores, entre técnicos e professores, com mais de um contrato de trabalho apesar de ter dedicação exclusiva ou contratos que somavam jornadas de trabalho impraticáveis.
Cruzamento de dados e denúncias
Para mapear os casos, é feito o cruzamento dos dados da Rais (Relação Anual de Informações Sociais) e do Siape (Sistema Integrado de Administração de Recursos Humanos) com o banco das federais. Foi assim que se descobriu dois professores da UFPB que mantinham vínculos com instituições privadas: um com Centro Nordestino de Ensino Superior Faculdade de Ciências Médicas e o outro com o Instituto Paraibanos de Educação (Unipê).
Em relatório da CGU de 2014 sobre a Federal de São Carlos (Ufscar), a auditoria indica ao menos 13 professores que aparecem como sócios ou gerentes de instituições privadas e outros 16 docentes com indícios de quebra de contrato. Nos dois casos, os auditores apontam que faltam mecanismos internos de fiscalização eficientes para evitar esse tipo de situação.
Quando há vínculos de emprego do docente com outra empresa ou com empresa própria é mais fácil de mapear a irregularidade. As incongruências são apontadas para a instituição federal, que é responsável por verificar a irregularidade e punir o profissional, caso ela se comprove.
Morosidade no processo
Um dos problemas relatados em diversos relatórios do órgão federal de fiscalização é a fragilidade da fiscalização e a demora para a apuração dos casos em que há indícios de corrupção.
A UFPB recebeu ainda em 2013 uma lista com 102 casos de professores submetidos ao regime de dedicação exclusiva com indícios de exercício de outras atividades remuneradas. A auditoria da CGU de 2014 indica a morosidade dos processos, que ainda não tinham respostas em meados do ano passado.
Após elencar os problemas, o relatório conclui “que os procedimentos de apuração dos casos de potenciais acúmulos de cargos e de exercício de atividades incompatíveis com o regime de trabalho dos servidores da UFPB são extremamente precários e morosos, havendo a necessidade urgente de reestruturação da equipe responsável.”
Procuradores e professores ouvidos pela reportagem dizem que por vezes faltam métodos de controle, pessoal e interesse dos servidores na fiscalização de colegas.