Processo contra cangaceiros é recuperado e coloca Lampião como réu pela primeira vez

Foto: Reprodução/Jornal Hoje

Um documento de mais de um século que reconstitui uma parte importante da história do cangaço brasileiro está sendo recuperado pela justiça de Pernambuco. Trata-se do primeiro caso em que Virgulino Ferreira da Silva, o Lampião, apareceu como réu em uma ação judicial.

O processo sobre o assassinato de um coronel do sertão pernambucano, ocorrido em 1922, está sendo digitalizado para ficar à disposição de pesquisadores, estudiosos, e todos que se interessarem pelo assunto.

O documento tem 1.400 páginas, com sinais do tempo: amareladas, fora de ordem, e com as marcas de 101 anos de história. E chegou ao acervo do memorial da Justiça de Pernambuco. Ele estava com a família de um antigo juiz da cidade de Triunfo, no sertão do estado, e reconstitui parte da história do cangaço, bem como de seu líder mais famoso.

“Esse processo é um marco na história do cangaço relacionado a Lampião. Porque Lampião fazia parte do bando do seu Pereira antes dele. E a partir desse evento ele começa a sair do bando de seu Pereira e a ser líder do próprio bando”, explicou Mônica Pádua, gerente do Memorial da Justiça.

O processo apura o assassinato de um comerciante influente do sertão do estado. Luis Gonzaga Gomes Ferraz teria sido executado em outubro de 1922 pelo bando de Lampião a mando de um coronel rival. O ataque ficou conhecido como O Combate de Belmonte e teve repercussão nacional. Pela primeira vez, aos 24 anos, Lampião aparecia como líder do próprio bando e já se mostrava um estrategista.

Os cangaceiros invadiram o casarão da fazenda na madrugada e derrubaram a porta com golpes de machado. Mas o ataque teve reação. O combate entre os dois grupos durou cerca de seis horas, e envolveu pelo menos 60 homens – 40 eram cangaceiros. Cinco pessoas morreram na madrugada sangrenta, sendo dois cangaceiros e três policiais da Volante, a força de segurança formada para combater os cangaceiros.

O historiador Frederico Pernambucano de Melo é considerado a maior autoridade sobre o cangaço no país. Há mais de 60 anos, faz pesquisas sobre Lampião. Ele já recolheu depoimentos de oito cangaceiros. Para o especialista, o processo joga mais luz em um período turbulento da história do Nordeste.

Quem domina pelo terror não pode ser bom. Lampião era um homem que não permitia, de jeito nenhum, traições. Tudo isso era punido severamente com a morte, morte violenta, morte cruel. O cangaço é uma rebeldia irmã das tradicionais rebeldias brasileiras. É sempre bom lembrar: houve um Brasil que não se dobrou aos valores coloniais trazidos da metrópole portuguesaPor atitude ou por militância. E essa militância, muitas vezes, de arma na mão”, argumentou Frederico.

O processo reuniu documentos ao longo de 13 anos e nunca foi concluído. Nele, 42 pessoas foram denunciadas pela Justiça, mas não se sabe quantos réus foram julgados. Foragido, Lampião nunca se sentou no banco dos réus.

“Pelo que nós vimos até agora, existem, sim, elementos que indicam a participação efetiva de Lampião nessa empreitada criminosa. Vamos fazer a digitalização e depois colocar à disposição de historiadores e outras pessoas que tenham interesse”, disse o desembargador Alexandre Assunção, presidente da Comissão de Gestão de Preservação da Memória do TJ-PE. Do g1.