“Ponte de Espiões” marca retorno de Steven Spielberg às telonas

Ponte de Espiões (EUA, 2015. Direção: Steven Spielberg) é um filme notável, seguramente. Confesso que, pelo que li sobre a produção, esperava mais. Esperava algo mais adensado e arrojado, com elementos narrativos que trouxessem mais ousadia e menos convencionalismo estético. Mas se trata, afinal, de um blockbuster dramático da melhor estirpe. Não foi uma frustração – bem longe disso. Talvez uma leve quebra de expectativa, mas que não me impede de reconhecer o novo Spielberg como uma ótima experiência cinematográfica.

Arriscaria dizer que é o trabalho mais expressivo do cineasta na direção desde O Resgate do Soldado Ryan (1997). Depois do historicismo demasiadamente enviesado de Lincoln (2012), a sofrível (caso se compare aos filmes anteriores) sequência de Indiana Jones, além do puritanismo estilizado e o maniqueísmo sentimentaloide e manipulador de Cavalo de Guerra (2011), Spielberg apresenta um drama histórico muito consistente, emocional e deveras instigante de acompanhar.

O filme tem como premissa a história real do advogado de uma grande firma de seguros dos EUA, James Donovan (Tom Hanks), que é escalado para defender um espião soviético pego em solo americano no auge da Guerra Fria, uma tarefa um tanto inglória de se assumir à época. Ele consegue livrar o acusado da pena de morte e, graças a sua habilidade como negociador, tempos mais tarde é chamado para mediar uma troca de prisioneiros depois que um espião americano tem seu avião abatido e é pego pelos soviéticos.

Donavan viaja a Berlin em 1960, período de extrema turbulência política com a construção do muro que dividia as duas Alemanhas, e tenta conciliar um acordo e incluir na troca entre EUA e União Soviética um estudante americano preso por equívoco e usado como bode expiatório pela Alemanha comunista.

Tom Hanks, como de praxe, tem uma performance excepcional e domina o filme. O roteiro é muito bem amarrado e tenta fugir de estereótipos nacionalistas (para os padrões americanos), empregando um viés mais sóbrio e ufanismo reduzido – quase nada, aliais. Tem um foco humanista que permite enxergar a questão política e bélica numa ótica um tanto distanciada de qualquer idealização. Derrapa um pouco de americanismo apenas ao final, numa analogia visual que contrasta cenas de horror soviético a pretensa liberdade americana, numa espécie de epílogo imagético.

A trilha sonora utilizada para compor a atmosfera soviética é um baita clichê, sombria e grandiloquente de um modo muito hiperbólico e já bastante explorado em várias outras produções do gênero. Afora esses detalhes, temos uma obra sem ruídos narrativos, bem conduzida, com sequências cuja visualidade é trabalhada com uma minúcia impressionante: luzes, sombras, planos, contra-planos, contrastes e enquadramentos que revelam nuances dramáticas e colaboram narrativamente, ajudam a contar a história e a realçar seus elementos fortes.

O está elenco afinado, tendo além do usual brilhantismo cênico de Hanks uma performance rica de sutilezas e com uma dramaticidade primorosamente autocontida de Mark Rylance na pele do espião soviético Rudolf Abel. Ele e o advogado Donavan constroem uma improvável camaradagem, que reverberará no desfecho da obra. Tudo se conecta a partir da força das relações humanas e do poder transformador do diálogo, capaz de mobilizar grandes acontecimentos.

Roteiro estupendo e baseado em uma história real, abordagem tocante, dinâmica e inteligente ao mesmo tempo, que fisga o espectador desde o início. Poderia ser melhor em alguns pontos, é verdade, mas cumpre bem sua proposta. É Spielberg em plena forma mostrando (novamente) que é mestre e ainda sabe dirigir grandes filmes.