Pitty se reconecta às origens para celebrar a metamorfose em “Matriz”

“Eu me domestiquei pra fazer parte do jogo, mas não se engane, maluco, continuo bicho solto.”

É dessa forma que Pitty abre seu primeiro disco de estúdio em cinco anos, Matriz, e é assim que a influente cantora baiana abre as portas para uma nova fase que pode soar distante para alguns mas cristaliza algo que fez parte de toda sua carreira: a coerência mesmo na hora de arriscar.

A carreira toda da Pitty sempre foi composta por fases onde ela fez questão de colocar suas opiniões criativas e nunca se apressou para repetir fórmulas que deram tão certo em discos como Admirável Chip Novo, a estreia avassaladora de 2003.

É claro que o Rock do primeiro disco predominou nos lançamentos seguintes, mas é sempre importante lembrar de como a cantora nunca foi pelo caminho óbvio e isso se tornou uma característica da sua carreira.

Além dos riffs de guitarra, as melodias e baladas sempre se fizeram presentes, e lá em 2009, quando esse site que você lê no momento estava apenas nascendo, Pitty não só apresentou um conceito cheio de fundamentações sonoras e visuais com Chiaroscuro como falou de temas como o feminismo em “Desconstruindo Amélia”, e continuou colocando o dedo na ferida da mesma forma que fez desde que seus primeiros hits radiofônicos nos fizeram pensar sobre a sociedade em que vivemos.

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Matriz

16 anos depois, chegamos a Matriz, e na evolução constante da carreira da Pitty, esse talvez seja o capítulo mais efervescente desde que fomos apresentados à cantora.

De lá pra cá, a artista virou mãe, tornou-se atração de programa de televisão e ganhou uma confiança que a colocou na posição que quisesse para conduzir o seu novo trabalho, e a decisão foi de reagrupar e agregar.

Pitty voltou-se à Bahia e às suas convicções para fazer algo que sempre deixou claro que é tão forte quanto o riff soturno que abre o disco: a vontade de mostrar coisas novas ao seu público.

Tanto que logo no single “Noite Inteira”, contou com a participação especial de Lazzo Matumbiem uma das tantas faixas do álbum que têm toda cara de “música da Pitty” ao mesmo tempo que não têm nenhuma, e é aí que está a principal virtude de Matriz.

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A própria “Noite Inteira” tem um quê de salsa que celebra a música latina como o Mars Volta fez em “L’via L’Viaquez” mostrando que as influências são regionais, globais e essenciais.

Outro bom exemplo é “Roda”, que conta com o BaianaSystem e é o tipo de parceria que poderia facilmente perder-se em uma simples união de nomes fortes da música mas tem um viés completamente diferente.

Ao unir as duas forças, a canção soa como um som da Pitty que ganha outras dimensões quando o BaianaSystem coloca seus elementos, todos bem claros e evidentes. É uma parceria de fato, uma troca, uma mistura, um dos pontos altos do disco que celebra (e principalmente respeita) a história de cada artista.

Outro ponto de destaque do álbum veio na versão de “Motor”, belíssima canção da (também baiana) Maglore, uma das principais bandas do rock alternativo nacional há muitos anos que usa e abusa do talento do compositor Teago Oliveira para entoar faixas como essa que aqui ganhou uma interpretação calorosa.

A clareza de Pitty nas suas ideias também fica evidente em “Ninguém é de Ninguém”, outra canção cheia de groove, e vinhetas como “Saudade”, que diz que “saudade é vontade daquilo que já se sabe que gosta” conectando as faixas com uma entonação que pode reverberar de diferentes formas entre o ouvinte, indo do conselho ao desabafo.

Em uma era onde os discos de 30 minutos parecem surtir mais efeito, esse talvez seja o único ponto baixo de Matriz, com suas 13 canções e 43 minutos, apresentando uma etapa final após o delicioso reggae de “Te Conecta” que pode soar como exagero para o ouvinte, ainda mais porque “Sol Quadrado”, com a participação de Larissa Luz, resume e finaliza tão bem a ideia do disco com sua mistura de peso, guitarras, ritmos brasileiros e palavras como “mudar o sistema por dentro é ingenuidade ou talento?”

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Pitty vem mudando o sistema há muito tempo. Ela nasceu no underground, entende do assunto, fez o pulo para o mainstream, o questionou com hits (e guitarras) que inundaram as rádios brasileiras, deixou bem claros os seus valores e agora está usando sua visibilidade como vitrine para a música que ama, tanto a que faz quanto a que escuta.

Agarrando-se aos seus princípios, ela manteve a coerência, a transparência e trouxe um montão de gente interessante no processo. Matriz é o trabalho de uma artista que aprecia os movimentos. Que prefere ser uma metamorfose ambulante, como já diria outro certo grande músico baiano. Já estamos ansiosos pelos próximos.

As informações são do Tenho Mais Discos do que Amigos