Peritos do mecanismo antitortura na Paraíba apresentam metas do órgão

Na quarta-feira (6), os três peritos do Mecanismo Estadual de Prevenção e Combate à Tortura na Paraíba (MEPCT/PB) se apresentaram à sociedade e anunciaram os planos e metas de atuação do órgão. O advogado Olímpio Rocha, um dos peritos, atuará como coordenador da instituição e a vice-coordenadoria ficará a cargo da bacharela Olívia Almeida. O terceiro perito, o advogado Breno Marques, atuará como secretário do mecanismo. O evento ocorreu na sede da Ordem dos Advogados do Brasil – Seccional Paraíba (OAB-PB), em João Pessoa, e contou com a presença de representantes de vários órgãos das esferas federal, estadual e municipal, associações, entidades de defesa dos direitos humanos e representantes de movimentos sociais.

Na ocasião, foi informado que a sede do MEPCT/PB está localizada na Casa dos Conselhos, na Praça Dom Adauto, 58, no Centro de João Pessoa. O mecanismo antitortura disponibilizou o e-mail [email protected] para contato e também foi criada uma fanpage https://www.facebook.com/mecanismoepctpb/) para que a sociedade possa acompanhar a atuação do mecanismo. Em breve, também serão disponibilizados canais telefônicos.

Quem são os peritos

Olímpio Rocha é advogado formado pela Universidade Estadual da Paraíba, em Campina Grande, especialista em Direito Público pela Uniderp e mestre em Ciências Jurídicas pela Universidade Federal da Paraíba (UFPB). Membro da Rede Nacional de Advogados e Advogadas Populares (Renap) e professor de Direito em cursos de graduação e pós-graduação, Olímpio Rocha tem atuado como advogado e consultor jurídico nos seguintes temas: direitos humanos, direito agrário, direito penal, direito socioambiental e direitos coletivos e sociais.

Durante sua apresentação como coordenador geral do MEPCT, Olímpio Rocha protagonizou um momento forte de reflexão quando, emocionado, leu uma página da obra ‘Manoel Conceição: Sobrevivente do Brasil’ (Ética Editora, 348 páginas) para ilustrar a necessidade de se combater cada vez mais a tortura e os maus tratos. O livro retrata a vida do líder camponês do interior do Maranhão, fundador de vários sindicatos rurais e vítima de terríveis torturas em plena ditadura militar. Trabalhador rural, Manoel Conceição chegou a ter o órgão sexual afixado com um prego em uma tábua pelos torturadores, como forma de obrigá-lo a revelar informações.

“Na condição de professor de direitos humanos, lembro que a proibição à tortura, ao lado da proibição do trabalho análogo à escravidão, previstos nos artigos 4º e 5º da Declaração Universal dos Direitos Humanos, são os únicos direitos considerados absolutos, ou seja, nunca, em nenhuma situação, sob hipótese alguma, a doutrina, a lei, os tratados internacionais permitem que se torture quem quer que seja. É um direito absoluto o de não ser torturado”, enfatizou o coordenador geral.

Olívia Almeida é bacharela em Direito pela UFPB. Mestra em Direitos Humanos, Cidadania e Políticas Públicas, também pela UFPB, compõe o grupo de pesquisa e extensão Loucura e Cidadania. Pesquisadora no projeto ‘Internações involuntárias e compulsórias no Complexo Psiquiátrico Juliano Moreira: qual o papel do Sistema de Justiça da Paraíba?’, tem estudado e atuado em direitos humanos, direitos das pessoas em sofrimento mental, política sobre drogas, sistema socioeducativo, assessoria jurídica popular universitária e extensão popular, prevenção e combate à tortura, criminologia crítica e gênero.

No MEPCT, Olívia Almeida atuará como coordenadora adjunta e em sua fala de apresentação, evidenciou a importância da atuação do mecanismo nas instituições manicomiais, hospitais de custódia e tratamento psiquiátrico, e nas comunidades terapêuticas que “representam um desafio para o trabalho dos sistemas estaduais de prevenção e combate à tortura”, conforme apontou. “Como parte do desafio de atuar com as pessoas em sofrimento psíquico, o mecanismo antitortura se coloca à disposição e traz esse olhar voltado para a realidade do público que vive em condições de privação de liberdade nos hospitais psiquiátricos no estado da Paraíba”, afirmou a perita.

Breno Marques é advogado graduado pela Universidade Federal da Paraíba. É estudante de mestrado em Ciências Jurídicas na UFPB e pesquisador vinculado ao grupo de pesquisa ‘Marxismo, Direito e Lutas Sociais no eixo Gênero e Sexualidade’. Atualmente, realiza pesquisa sobre ‘Prostituição, Violência e Tráfico de Drogas’ com a Associação das Prostitutas da Paraíba.

Como secretário do mecanismo antitortura paraibano, Breno Marques mencionou a necessidade da luta pelo óbvio, pelo que está aparente. “Lutar dia a dia pelo óbvio tem sido a maior tarefa dos defensores de Direitos Humanos e é muito mais difícil explicar o que está aparente do que o que está escondido”, apontou. Breno chamou a atenção para a necessidade concreta de consolidar o mecanismo antitortura através de parcerias com organizações, com o poder público e com as demais entidades do governo estadual. O secretário também antecipou as dificuldades que o mecanismo enfrentará, como garantir uma estutura para visitar todas a unidades de privação de liberdade em todo o estado com apenas três peritos e realizar atividades com as diversas instituições que demandarão o mecanismo sobre denúncias e relatórios, “mas estamos presentes e fortes, estamos na luta pela estruturação do mecanismo, porque essa luta não é meramente institucional, mas uma luta política, de garantia de direitos”, assegurou.

Planos e metas do mecanismo

A apresentação do planejamento e objetivos do mecanismo antitortura paraibano ficou a cargo da coordenadora adjunta, Olívia Almeida. Ela relatou que o processo de trabalho do mecanismo começou desde o início do ano e destacou algumas questões em que os peritos já avançaram. A primeira missão e desafio é fazer o mapeamento das instituições onde existe privação de liberdade, parte delas vinculada ao estado e parte de caráter privado. Serão instituições passíveis de inspeções pela equipe de peritos do mecanismo as unidades prisionais vinculadas à Secretaria Estadual de Administração Penitenciária, cadeias públicas, delegacias de polícia, unidades socioeducativas vinculadas à Fundação da Criança e do Adolescente (Fundac), instituições manicomiais, hospitais de custódia e tratamento psiquiátrico e comunidades terapêuticas.

Perante o desafio de atuar com as pessoas em sofrimento psíquico, uma segunda ação considerada relevante pelo MEPCT é a articulação com atores e entidades que já possuem uma vasta atuação no campo da saúde mental. Os peritos já realizaram reuniões com o Comitê de Monitoramento das Instituições de Longa Permanência para Idosos e com o recém formado Comitê de Fiscalização dos Hospitais Psiquiátricos e das Comunidades Terapêuticas.

Segundo a coordenadora adjunta, há intenção de articular parcerias com os conselhos de classe, conselhos de direitos e, principalmente, com organizações da sociedade civil. “É nosso objetivo firmar essa articulação em regime de colaboração, tendo em vista o enfoque preventivo que o mecanismo tem como premissa, estabelecendo diálogo e parceria que seja profícua para os profissionais e para as pessoas que estão privadas de liberdade”, afirmou.

Olívia Almeida também destacou o compromisso do MEPCT de monitorar as recentes modificações trazidas, desde o fim de 2017, na Política Nacional de Saúde Mental e na Política Nacional sobre Drogas, e observar quais os impactos na realidade do público alvo dessas políticas. “Nossa atuação se dará a partir das diretrizes dos novos dispositivos que a Convenção sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência e a lei brasileira de inclusão da pessoa com deficiência trazem. Também teremos um olhar voltado à desinstitucionalização manicomial, tão cara a todos os que atuam na saúde mental”, adiantou.

Uma das metas de trabalho dos peritos é a elaboração de metodologia de visitas conforme a natureza das instituições de privação de liberdade. O mecanismo pretende escutar as diferentes categorias de pessoas que convivem nessas instituições, tanto as que estão privadas de liberdade quanto os profissionais, como também observar as estruturas dos espaços, a fim de contribuir com a melhoria desses locais, informou a coordenadora adjunta.

Por fim, Olívia Almeida destacou a importância dos peritos do mecanismo terem assegurado o acesso livre às instituições alvo das visitas e a todas as documentações solicitadas para que se possa estabelecer uma relação de parceria. Dessa forma, os relatórios e recomendações que vierem a ser produzidos pelos membros do mecanismo antitortura, a partir das inspeções, contribuirão para que o estado possa melhorar as condições de trabalho de profissionais e de tratamento das pessoas retidas nessas instituições.

Processo seletivo

Os três peritos foram selecionados através de processo seletivo realizado pelo Comitê Estadual de Prevenção e Combate à Tortura da Paraíba (CEPCT/PB), composto por representantes de vários órgãos e entidades que atuam na defesa e promoção dos direitos humanos no estado. Atualmente, o comitê antitortura é coordenado pela representante da OAB-PB no comitê, a advogada Leilane Soares de Lima, tendo como coordenador adjunto o membro do Ministério Público Federal, o procurador regional dos Direitos do Cidadão, José Godoy.

O evento de apresentação dos peritos contou com a presença de representantes de vários órgãos e entidades, dentre eles peritas do Mecanismo Estadual de Prevenção e Combate à Tortura de Pernambuco, Ministério Público Federal, OAB-PB, Defensoria Pública da União, Defensoria Pública Estadual, Assembleia Legislativa da Paraíba, Câmara Municipal de João Pessoa, Movimento Espírito Lilás, Comitê Estadual de Prevenção e Combate à Tortura da Paraíba, Conselho Estadual de Direitos Humanos, Pastoral Carcerária, Polícia Militar, Fundac, Coordenação de Saúde Mental da Secretaria Estadual de Saúde, Secretaria de Estado do Desenvolvimento Humano, Secretaria de Estado da Administração Penitenciária, Associações e Sindicatos de Agentes Penitenciários, Associação dos Policiais Civis e Associação dos Agentes Socioeducadores.

Mecanismo antitortura

O mecanismo antitortura na Paraíba tem como principal função a prevenção e combate à tortura, a partir de visitas regulares a locais de privação de liberdade e da missão de recomendações a órgãos competentes. Possui diversas atribuições, como requisitar instauração imediata de investigação quando houver indícios de prática de tortura ou tratamento cruel, desumano e degradante; elaborar relatórios e emitir recomendações às autoridades públicas para garantir às pessoas privadas de liberdade os direitos previstos na legislação nacional e internacional.

Sistema nacional antitortura

O mecanismo e o comitê antitortura fazem parte do Sistema Nacional de Prevenção e Combate à Tortura (SNPCT), de acordo com a Lei 12.847/2013, sancionada em decorrência do compromisso assumido pelo Brasil em 2007, quando aderiu ao Protocolo Facultativo à Convenção Contra a Tortura e Outros Tratamentos ou Penas Cruéis, Desumanos e Degradantes da Organização das Nações Unidas (ONU). O protocolo internacional foi promulgado no país pelo Decreto 6.085/2007.