Parceiros pagos pelo governo de Israel ajudam soldados a voltar a fazer sexo

Em muitos países, a terapia sexual com parceiro substituto — na qual uma pessoa é contratada para atuar como parceira sexual do paciente — é controversa e, portanto, não amplamente praticada.

Em Israel, porém, ela é custeada pelo governo para soldados que foram gravemente feridos e precisam de reabilitação sexual.

O consultório da terapeuta sexual israelense Ronit Aloni, em Tel Aviv, parece muito com uma clínica qualquer. Há um pequeno sofá confortável para seus clientes e diagramas biológicos da genitália masculina e feminina, que ela usa para explicações.

Mas o que acontece no quarto vizinho, que tem sofá-cama e velas, é mais surpreendente.

É aqui que parceiros substitutos pagos ajudam a ensinar os clientes de Aloni a ter relacionamentos íntimos e, em alguns casos, a fazer sexo.

“Não parece um hotel — parece mais uma casa, um apartamento”, diz Aloni. Há uma cama, um tocador de CD, um chuveiro — e obras de arte eróticas adornam as paredes.

“A terapia sexual é, em muitos aspectos, uma terapia de casal e, se alguém não tiver um parceiro, você não poderá completar o processo”, continua ela. “O substituto — ela ou ele — está lá para modelar o papel do parceiro em um casal.”

Alguns críticos comparam isso à prostituição. Mas em Israel a prática se tornou aceita a ponto de o governo pagar por essa terapia. O tratamento é oferecido para soldados que tiveram ferimentos que afetam sua capacidade de fazer sexo.

“As pessoas precisam sentir que podem dar prazer a outra pessoa e que podem obter prazer de outra pessoa”, diz Aloni, que tem um doutorado em reabilitação sexual.

“As pessoas vêm para receber terapia. Elas não vêm por prazer. Não há nada semelhante à prostituição”, acrescenta ela com firmeza.

“Além disso, 85% das sessões são [sobre] intimidade, tocar, dar e receber, comunicar — é sobre aprender a ser uma pessoa e como você se relaciona com outras pessoas. O processo.”

‘Minha esposa optou que fizesse terapia com parceira substituta’

O Senhor A, como ele preferiu ser identificado nesta reportagem, foi um dos primeiros soldados a conseguir que o Ministério da Defesa de Israel pagasse por uma terapia de substituição sexual após um acidente que mudou sua vida há quase 30 anos, quando ele era reservista do exército.

Uma queda o deixou paralisado da cintura para baixo e incapaz de fazer sexo como antes.

“Quando me machuquei, fiz uma lista de coisas que queria fazer”, diz ele. “Tenho que [ser] capaz de tomar banho sozinho, tenho que comer, me vestir sozinho, dirigir sozinho e fazer sexo sem ajuda.”

O Senhor A já era casado e tinha filhos, mas sua esposa não se sentia à vontade para falar sobre sexo com médicos e terapeutas, então o encorajou a procurar a ajuda de Aloni.

Ele explica como Aloni dava instruções e conselhos para ele e sua parceira substituta antes e depois de cada sessão.

Um dos clientes de Aloni é casado, mas a esposa não se sentia à vontade para participar das sessões. Por isso, uma parceira substituta foi contratada para viabilizar a reabilitação sexual — Foto: Katie Horwich/BBC

Um dos clientes de Aloni é casado, mas a esposa não se sentia à vontade para participar das sessões. Por isso, uma parceira substituta foi contratada para viabilizar a reabilitação sexual — Foto: Katie Horwich/BBC

“Você começa do começo: você está tocando aqui, você está tocando ali, e então tudo vai crescendo aos poucos até se atingir o último estágio de conseguir um orgasmo”, diz ele.

O Senhor A argumenta que o Estado deve pagar pelas sessões semanais, assim como fez outras partes de sua reabilitação. Hoje, o custo de um programa de tratamento de três meses é de US$ 5,4 mil (cerca de R$ 30 mil).

“Não era o objetivo da minha vida ter uma parceira sexual substituta. Eu me machuquei e queria me reabilitar em todos os aspectos da minha vida”, diz ele, sentado em sua cadeira de rodas.

“Eu não me apaixonei pela minha substituta. Eu era casado. Era apenas para estudar a técnica de como chegar ao objetivo. Considerei isso como algo muito lógico que eu preciso fazer.”

Ele culpa os preconceitos ocidentais sobre sexo por qualquer estigma que se possa ter sobre a terapia.

“Sexo faz parte da vida, é a satisfação da vida”, diz ele. “Não é que eu esteja dando de Casanova, não é esse o ponto.”

De onde surgiu a ideia de usar parceiros substitutos?

Um fluxo constante de pessoas de diferentes idades e origens visita Aloni discretamente em sua clínica.

Muitos estão lutando para ter um relacionamento por causa de problemas de intimidade ou ansiedade, ou porque sofreram abuso sexual. Outros apresentam problemas de saúde física e mental.

Aloni tem se concentrado principalmente em clientes com deficiência desde o início de sua carreira. Vários de seus parentes próximos tinham deficiências, incluindo seu pai, um piloto, que sofreu uma lesão cerebral após um acidente de avião.

“Toda a minha vida estive ao lado de pessoas tendo que lidar e superar diferentes deficiências”, diz ela. “Todas essas pessoas foram muito bem reabilitadas e, por isso, tenho uma abordagem muito otimista.”

Aloni conheceu uma parceira sexual substituta que trabalhava com pessoas com deficiência quando foi para Nova York para estudar.

Quando Aloni voltou a Israel, no final dos anos 1980, ela obteve a aprovação dos principais rabinos para o uso de substitutos sexuais e começou a fornecer terapia em um centro de reabilitação localizado num kibutz religioso — uma comunidade rural.

Os rabinos tinham uma regra — nenhum homem casado ou mulher casada podia ser substituto — e Aloni segue isso desde àquela época.

Com o tempo, ela conquistou o apoio das autoridades israelenses. Das cerca de mil pessoas que passaram por terapia sexual substituta em sua clínica, dezenas eram veteranos do exército — muitos deles com traumas cerebrais ou lesões na medula espinhal, cujo tratamento foi financiado pelo governo.

Aloni acredita que a cultura familiar de Israel e a atitude da sociedade em relação às Forças Armadas trabalharam a seu favor. Aos 18 anos, a maioria dos israelenses é convocada para prestar serviço militar. Eles podem continuar como soldados da reserva por mais de uma década.

“Estamos em situação de guerra o tempo todo, desde que o país foi estabelecido”, diz ela.

“Todo mundo em Israel conhece pessoas que foram feridas ou morreram, e todos têm uma abordagem positiva para compensar essas pessoas. Nos sentimos gratos a eles.”

Terapia sexual trouxe de volta ‘vontade de viver’ a David

Um homem alto de cerca de 40 anos está sentado em seu jardim no centro de Israel com um cobertor no colo. Ele é um ex-soldado da reserva cuja vida foi destruída na Guerra do Líbano em 2006.

David — como o chamaremos — não consegue falar e tem movimentos muito limitados.

Ao completar 18 anos, mulheres e homens que vivem em Israel são convocados para servir no Exército — Foto: Katie Horwich/BBC

Ao completar 18 anos, mulheres e homens que vivem em Israel são convocados para servir no Exército — Foto: Katie Horwich/BBC

Ele só consegue se comunicar com a ajuda de sua terapeuta ocupacional — ela o ajuda a escrever com uma caneta em um quadro branco.

“Eu era apenas uma pessoa comum. Tinha acabado de voltar de uma viagem ao Extremo Oriente. Estava estudando na universidade e trabalhava em um bar. Eu costumava adorar esportes e estar com amigos”, diz David.

Quando sua unidade militar foi atacada, ele sofreu graves ferimentos na perna e na cabeça e passou três anos no hospital.

Durante esse tempo, ele diz que perdeu a vontade de viver.

As coisas só começaram a mudar depois que seus terapeutas ocupacionais sugeriram uma terapia sexual com parceira substituta.

“Quando comecei a terapia com parceira sexual substituta, me senti um perdedor, como se eu fosse um nada. Na terapia, comecei a me sentir como homem, jovem e bonito”, disse David.

“Foi a primeira vez que senti isso desde a minha lesão. Isso me deu força e esperança.”

A terapia envolvia estabelecer um relacionamento íntimo que David sabia que teria que terminar um dia, já que se tratava de uma parceira “de aluguel”. Então, havia o risco de ele sofrer emocionalmente?

“Inicialmente, foi difícil para mim porque eu queria a substituta só para mim”, diz ele. “Mas percebi que, mesmo que não sejamos parceiros, ainda somos bons amigos. E vale a pena. Vale a pena tudo. Ajuda você a se reconstruir de novo.”

Embora por regra parceiros e clientes não possam ter contato fora da terapia, David e sua substituta — uma mulher que usa o pseudônimo de Seraphina — receberam permissão especial da clínica de Aloni para manter contato ao final das sessões.

Desde o tratamento, pessoas próximas a David dizem que viram nele uma transformação. Ele tem se concentrado em planos para o futuro.

Ter uma vida sexual ativa ainda é algo muito difícil. Mas antes da pandemia, ele havia começado a socializar mais, saindo com a ajuda de seus cuidadores.

A história de Seraphina

Seraphina trabalhou como substituta com Ronit Aloni por mais de uma década. Ela é magra, tem cabelos bem cortados, é acolhedora e articulada.

Recentemente, publicou um livro sobre suas experiências. Intitulado More than a Sex Surrogate (Mais do que Uma Parceira Sexual Substituta), os editores descrevem-no como “um livro de memórias único sobre intimidade, segredos e a forma como amamos”.

Como todos os parceiros substitutos da clínica de Tel Aviv, Seraphina tem outro emprego. O dela é no mundo das artes. Ela diz que optou por trabalhar como parceira substituta por motivos altruístas.

“Todas essas pessoas que sofrem por dentro e têm segredos que carregam, eu realmente queria ajudar porque sabia que tinha a habilidade”, explica ela.

“Eu não tinha nenhum problema com a ideia de usar a sexualidade, ou meu corpo ou toque no processo de terapia. E o assunto era fascinante para mim, a sexualidade era fascinante para mim.”

Seraphina descreve-se como “como uma guia turística”, dizendo que leva os clientes numa viagem em que ela conhece o caminho.

Ela já trabalhou com cerca de 40 clientes, incluindo outro soldado, mas diz que a gravidade dos ferimentos de David representou um desafio único. Ela aprendeu como ajudá-lo a escrever para que pudessem conversar.

“David é o caso mais extremo que eu conheci. Era como andar no deserto — você não tinha ideia de para qual lado ir”, diz ela.

“Eu tive que ser muito, muito criativa porque ele não se move. Eu mexia no seu corpo como imaginava que ele se mexeria se pudesse. Ele sente seu corpo, mas não consegue movê-lo.

“Ele sempre dizia: ‘Ela sabe exatamente o que eu quero, mesmo que eu não diga nada.’ Então, foi realmente um elogio.”

Apesar de trabalhar como parceira sexual substituta, Seraphina teve namorados. Segundo ela, eles aceitavam o seu trabalho. Mas ela conhece outras mulheres e homens que pararam de trabalhar como parceiros sexuais substitutos por causa de seus próprios parceiros ou para se casar.

Seraphine explica que se despedir dos clientes depois de terem tido relações íntimas é necessário, mas pode ser difícil.

“Eu digo, é como ir de férias. Temos a oportunidade de ter um relacionamento maravilhoso por um certo período de tempo”

“E é a separação mais feliz que alguém pode ter. É por boas razões. Eu posso chorar às vezes, mas ao mesmo tempo, fico muito feliz. Quando ouço que alguém está em um relacionamento, teve um filho ou se casou, é inimaginável o quão feliz, emocionada e grata eu fico pelo que faço.”

Aloni defende que sexo seja tratado com maior naturalidade

Tarde da noite, Ronit Aloni ainda está trabalhando, dando uma palestra online para um grupo de sexólogos da Europa e da América do Sul.

Ela relata casos e cita estudos que sugerem que a terapia com parceiros sexuais substitutos é mais eficaz do que a terapia psicológica clássica no tratamento de problemas sexuais.

Roni participa de congressos e seminários onde defende o uso de parceiros substitutos nos tratamentos de reabilitação sexual — Foto: Katie Horwich/BBC

Roni participa de congressos e seminários onde defende o uso de parceiros substitutos nos tratamentos de reabilitação sexual — Foto: Katie Horwich/BBC

“Isso é muito interessante, os terapeutas que já trabalharam com parceiros substitutos, todos eles dizem que pretendem trabalhar de novo”, diz ela.

Com a medicina moderna ajudando soldados feridos com gravidade a sobreviver, ela acredita que o tratamento substituto poderia ser usado mais amplamente.

“Não se reabilita uma pessoa sem reabilitar sua autoestima, sua percepção de ser homem ou mulher”, diz ela.

“Você não pode ignorar esta parte da nossa vida. É muito importante, poderosa. É o centro da nossa personalidade. E você não pode apenas falar sobre isso. Sexualidade é algo dinâmico, é algo que tem que estar entre nós e outras pessoas.”

Na opinião de Aloni, a sociedade moderna desenvolveu atitudes preconceituosas em relação ao sexo que são prejudiciais à saúde.

“Sabemos brincar sobre a sexualidade. Sabemos humilhar as pessoas, sabemos ser muito conservadores ou muito radicais em relação à sexualidade”, diz ela.

“Nunca é algo realmente equilibrado. Nunca é tecido em nossa vida da maneira que deveria ser, e a sexualidade é a vida. É assim que trazemos a vida. É a natureza!”

Do G1.