Paraibana Gkay quer nordestino na TV: ‘Por que contratar alguém para fingir sotaque?’

Nordestina do interior da Paraíba, Gkay conquistou a internet com seus vídeos engraçados e sacadas inteligentes. O início aconteceu de maneira despretensiosa. Com uma câmera emprestada, ela foi registrando sua vida de maneira bem-humorada. Hoje, Gkay (nome artístico de Gessica Kayane) está no ar na série “Os Roni”, do Multishow, e acaba de fechar contrato com a Netflix, onde se prepara para estrear seu primeiro filme.

A internet me abriu portas. Como eu, uma menina que não tinha recursos, ia chegar onde cheguei se não fosse através de uma ferramenta gratuita, que me deu a oportunidade de mostrar um talento que, na verdade, nem sabia que tinha?

Em entrevista ao conceituado colunista Leo Dias, da TV Famosos, Gkay contou que já foi criticada por causa de seu sotaque carregado e afirmou sentir falta de atores nordestinos na TV: “Aqui no Nordeste tem tantos atores e atrizes maravilhosos. Por que contratar alguém para fingir o sotaque nordestino? Vai fazer uma obra nordestina e contrata alguém para fingir ‘ôxente’. As pessoas falavam muito do meu sotaque. É uma coisa minha. É a minha terra, minha origem. A gente precisa desmistificar um pouco essa coisa de: ‘Ah, os melhores são do Sudeste’. Não, o Nordeste está dominando.”

A youtuber disse ainda se sentir uma espécie de esperança para as pessoas, um exemplo de alguém que deu certo: “As pessoas veem em mim possibilidade. Eu vim do nada. Nunca passei fome, graças a Deus, mas não tinha recurso nenhum. Então quando as pessoas olham para mim, elas dizem: ‘Caramba, também consigo, também posso'”.

A humorista acredita ser uma representante para as mulheres. “Recebo muitas mensagens de meninas dizendo: ‘Ah, Gkay, queria ter a coragem que você tem de se jogar no chão, aparecer sem maquiagem, ser do seu jeito. No humor, principalmente, a mulher é muito marginalizada.” E Gkay não quer parar por aí. Ela revela que gostaria de fazer novela na TV Globo: “Confesso que é um sonho”.

Leia trechos da entrevista.

Leo Dias – Antes de tudo, quero que você se apresente. A gente sabe que muita gente não te conhece, por não viver nessa realidade do celular.

Gkay – Meu nome é Gessica Kayane, abreviei para Gkay porque meu nome é com G K Y. Tudo que tiver direito botaram no meu nome, né? Trabalho com internet vai fazer 4 anos. Comecei no YouTube, fui para o Instagram, Twitter, TikTok, e agora estou no Multishow e na Netflix.

A internet produz muitas celebridades instantâneas, mas poucos ficam, e os que ficam são os que têm talento. E você é uma das grandes novas expressões do humor. Você reportava o seu dia a dia de uma maneira muito frequente e as pessoas queriam ver aquela menina atabalhoada, confusa, cheia de dilemas.

É o que sempre falo, a internet é muito democrática. Eu era uma menina do interior da Paraíba, que não tinha recursos, não tinha acesso. Os primeiros vídeos que gravei, pedi uma câmera emprestada, a pessoa editou de graça para mim. Eu não sabia nem postar. A internet me abriu portas. Como eu, aquela menina que não tinha recursos, ia chegar onde cheguei se não fosse através de uma ferramenta gratuita, que me deu a oportunidade de mostrar um talento que, na verdade, nem sabia que tinha? Quando comecei na internet era muito perdida, não sabia o que mostrar, não sabia o que fazer, então só ia mostrando, e foi acontecendo e dando certo.

Nós estamos em uma era da verdade, então ninguém duvidava daquilo, que aquela ali era a Gessica Kayane de verdade.

Isso, porque era genuíno. Lembro da primeira vez que consegui alugar um apartamento para ir morar sozinha. Antes morava tipo em república, dividia apartamento, na Paraíba, em João Pessoa.

E você está onde agora?

Agora mudei para São Paulo e semana que vem vou mudar para o meu apartamento novo que aluguei, uma cobertura aqui em São Paulo.

Mas você não conseguiu comprar um imóvel ainda?

Comprei já. Tenho dois imóveis, na verdade. Tenho um na Paraíba que é meu e tenho um aqui em São Paulo, que também é meu. Mas esse apartamento que vou morar é alugado. Eu aluguei o meu apartamento lá em João Pessoa, o primeiro que me mudei e fui morar sozinha justamente para gravar os vídeos, porque não tinha como eu morar em república, dividir apartamento e ficava gravando de noite.

Nesse momento você já começou a ganhar dinheiro?

Ganhava dinheiro fazendo eventos, presença VIP e fazendo divulgações. Então eu ganhava R$ 100, R$ 200, e aí aluguei esse apartamento. Não tinha nada no apartamento, não tinha móveis. E aí, fiz uma campanha no Instagram para ganhar uma geladeira.

Mentira! E ganhou?

Ganhei, não tinha dinheiro para comprar a geladeira.

Quantos seguidores você tinha na época?

Acho que tinha 50 mil seguidores.

Então ali você já via uma empatia, né?

Lembro que teve mais de 20 mil comentários no perfil da loja e a loja mandou a geladeira para mim. Então era uma conquista que os seguidores iam tendo comigo, sabe?

Você acha que é a representante de muita gente?

Sempre me arrepio de falar desse assunto. Vejo que as pessoas veem em mim possibilidade, sabe? E esperança. Eu vim do nada. Nunca passei fome, graças a Deus, mas não tinha recurso nenhum. Então quando as pessoas olham para mim, elas dizem: ‘Caramba, também consigo, também posso?. E acho que sou uma representante para as mulheres.

Recebo muitas mensagens de meninas dizendo: ‘Queria ter a coragem que você tem de se jogar no chão, aparecer sem maquiagem, ser do seu jeito, quero ter isso para mostrar a minha verdade’. No humor, principalmente, a mulher é muito marginalizada.

Tem muita gente que chega para mim e diz assim: ‘Cara, não acho mulher engraçada. Acho que é ridículo esse papel que você faz’. Então acho que, além de tudo, é levar esse empoderamento para as mulheres, de dizer: ‘Cara, a gente também pode se jogar no chão, aparecer de cabelo desarrumado e ao mesmo tempo ser uma mulher sexy, ser uma mulher que gosta de se arrumar, ser uma mulher vaidosa’.

Uma das minhas intenções nessa série de entrevistas que tenho feito no UOL é trazer a representatividade. Preciso de gente com o seu sotaque porque isso é necessário.

As pessoas falavam muito do meu sotaque. Gente, o meu sotaque é uma coisa minha. É a minha terra, a minha paixão. Eu moro em São Paulo, mas o meu coração, a minha vida, a minha história é Paraíba, sabe? O que quero levar para as pessoas é: ‘Gente, a Paraíba tem profissionais incríveis, lugares incríveis, é tudo muito incrível lá’. Tanto é que a minha festa de aniversário faço lá todos os anos. Não quero esquecer disso e nem deixar que as pessoas esqueçam, para a galera olhar para mim e dizer: ‘Cara, ela está no topo e ela é da Paraíba?. A gente precisa desmistificar um pouco essa coisa de: ‘Ah, os melhores são do Sudeste’. Não, o Nordeste está dominando.

Você percebe o domínio do Nordeste na internet, nas redes sociais?

Sim, porque o nordestino não tem vergonha de viver o que ele vive, de se mostrar e, principalmente, não tem vergonha de ser gente. O nordestino é muito dado. A gente é muito aberto, então isso cativa as pessoas. Essa receptividade, essa coisa que é muito nordestina, é do sangue da gente mesmo.

Quero falar das operações plásticas de Gessica Kayane. Você, caro leitor, está achando que esse rostinho lindo e maravilhoso nasceu assim? Foram quantas plásticas?

Disse para a minha mãe: ‘Tenho medo de qualquer dia a senhora parar de me reconhecer!’ (risos). Tenho algumas plásticas no meu histórico. No rosto tenho bichectomia e rinoplastia, mas botox e preenchimento sempre estou fazendo para dar aquela renovada. Inclusive não renovei o meu botox porque estou fazendo um filme né? Aí não pode.

Receber uma proposta da Netflix foi o grande momento da sua vida?

Foi uma coisa tão impactante na minha vida que não acreditava. Mandei o teste e não botei fé. Passei no teste, não botei fé. Mandaram o contrato, e eu não botei fé. Eu disse: ‘Ah, gente, já já esse povo desiste, não vai dar certo’. Até o dia que o diretor me ligou e eu disse: ‘Meu Deus, isso é real! Isso está acontecendo’. Era o meu sonho [fazer filme] desde criança. Sempre fui muito viciada em filme, em série e tudo. E vou fazer outro filme também, depois desse, só que é para o cinema.

Você admite que é uma abençoada por Deus?

Admito e o trabalho com a internet me aproximou muito de Deus. Muitas coisas acontecem e a única explicação que tenho é Deus. Lembro que passei no vestibular e fui estudar em João Pessoa. O vestibular que eu queria era em outra cidade, e fui aprovada depois. E eu não saí de João Pessoa. Todo mundo me chamou de louca, ?como é que você estuda para passar em um negócio que quer, e quando consegue não vai?’. Continuei em João Pessoa e tudo começou a dar errado na minha vida. Parecia castigo. Tiveram duas greves na universidade seguidas, tive que voltar para o interior e fiquei sem fazer nada. Não conseguia me identificar com o curso depois que voltou. Foi no pior momento da minha vida, que entrei para a internet. Talvez se tudo não tivesse dado errado, não estaria aqui hoje, e é por isso que passo essa mensagem: ‘Gente, às vezes está dando tudo errado, para dar tudo certo’.

A Globo é um sonho?

É um sonho e quero ter também essa experiência. Muita gente fala assim: ‘Ai, quando você fizer novela, você não vai gostar’, mas eu quero saber como é e aí depois vou dizer se é um sonho ou não.

Você sente falta de gente com esse seu sotaque na televisão brasileira?

Sinto. Tanto é que a nossa série ?Os Roni?, no Multishow, uma das exigências do Whindersson Nunes, que é quem idealizou tudo, é que todos os atores sejam nordestinos, justamente para ter o sotaque real. Aqui no Nordeste tem tantos atores e atrizes maravilhosos, por que contratar alguém para fingir o sotaque nordestino? Não entendo! Vai fazer uma obra nordestina e contrata alguém para fingir, fica muito ‘paia’, o pessoal falando ‘ôxente’.

O que você já viu de sucesso subir a cabeça de pessoas com quem você lidava e que te deixou em choque? O sucesso em algum momento subiu a sua cabeça?

O sucesso é uma coisa que mexe com a cabeça da gente a ponto de a gente se achar um super ser e que tem até mais direitos. Se a gente não tiver saúde mental e pessoas perto da gente para colocar nossa cabeça no lugar, a gente pira. Quando fui para a Grécia tinha mais ou menos 2 milhões de seguidores. Não tinha feito Multishow, não tinha estudado teatro, não tinha estudado cinema, não tinha feito nada disso. Não tinha nem metade das coisas que tenho hoje. E ano passado quando fui para Bali, tinha mais de 5 milhões de seguidores, tinha feito Multishow, estava contratada pela Netflix, tinha ganhado muito mais dinheiro, tinha comprado meu apartamento, meu carro e tinha a cabeça muito mais no lugar. Eu me sentia a tal quando não tinha nem metade das coisas que conquistei. Ou seja, para você ver que é tão ruim quando sobe para a cabeça, que te atrasa.

Você acha que hoje as pessoas são medidas de acordo com o número de seguidores que elas têm?

São, com certeza. Já passei por muitas situações de a pessoa me tratar de um jeito e quando eu mostrava o meu Instagram, a pessoa me tratar de um jeito completamente diferente ao vivo. Da pessoa dizer: ‘Ah, mas você trabalha com o quê?’ E eu: ‘Trabalho com o Instagram, esse aqui é o meu perfil?, e a pessoa virar mágica.

E sobre relacionamentos, como você separa isso na sua vida?

Tenho uma insegurança muito grande em mostrar pessoas com quem me relaciono na internet. Acho que batalhei muito para chegar onde estou para me tornar mulher de alguém. Estudei, construí minhas coisas sozinha, cheguei aqui onde estou e agora sou mulher de fulano.

Existe a Gessica Kayane da internet e a Gessica Kayane fora da internet?

Com certeza. É uma coisa que tratei na terapia. E me ajudou muito quando o meu terapeuta disse: ‘Aprenda a dividir os desejos da Gkay e os desejos da Gessica. Você precisa alimentar os dois, a Gessica que às vezes só quer estar em casa com uma pessoa vendo um filme na Netflix e comendo pipoca, e a Gkay estrela que chega, grita, canta, brinca, anima todo mundo e vai para cima e vai pra baixo e tudo mais?. Então, os meus momentos privados, principalmente quando estou com alguém, é o momento da Gessica.

Você só está vivendo um pouco a sua vida para ter saúde mental.

Gosto sempre de passar o meu melhor porque o meu público depende disso. Eles me mandam muitas mensagens dizendo: ‘Gkay, a sua alegria, o seu dia a dia me contagia, me motiva a fazer mais coisas’. As poucas vezes em que transmiti coisas ruins, sumi muito da internet. Quando aconteceu o falecimento do meu pai. Não tinha como entrar no Instagram e passar tanta tristeza que estava sentindo. Sei que isso é gatilho para outras pessoas.

Você sabe também que se abrisse a internet naquele momento teria um milhão mais de views…

Só que é muito triste você estar ganhando algo com aquilo que acabou com você. Não quero ganhar coisas pela dor.