Opinião: Que me perdoem os machistas…

Nenhuma mulher precisa ser analisada por sua beleza se o que estiver em discussão for o trabalho como é o caso da labuta jornalística

Ei, moço, você pode se achar inteligente, mas no século XXI ser machista é sintoma de burrice, arrogância e falta de empatia num mundo cada vez mais diverso, plural e horizontal do que nas suas décadas de 1960 e 1970 do coração. Inicio esse texto dessa forma porque é preciso nomear as coisas pelo que elas são.

Quando um homem analisa uma mulher em seu aspecto profissional e lança a bijuteria de que a beleza se sobrepõe ao talento o nome disso é machismo, sim. Nenhuma mulher precisa ser analisada por sua beleza se o que estiver em discussão for o trabalho como é o caso da labuta jornalística.

As mulheres continuam lutando para não só conseguir inserção no mercado de trabalho igualitária com homens, como também lutam para não serem cotadas com mais rigor do que nós homens somos no mercado de trabalho. É uma luta contínua e cansativa para muitas porque é preciso comprovar e reafirmar talento questionado o tempo todo.

Tempos atrás li uma crônica de Martha Medeiros em que ela questionava como se media uma pessoa, se pelas características físicas ou por suas atitudes. A inteligência se mede pela quantidade de coisas que se viu, ouviu ou leu? Uma mulher é menos inteligente e instruída porque não conhece o filme ‘Terra em transe’? Não tê-lo assistido implica numa falha grande para seu exercício profissional como jornalista?

Uma pessoa é menos inteligente porque não leu A metamorfose de Kafka ou por não ter opinião sobre Capitu porque não leu Machado de Assis? Será que uma pessoa que não viu Cabra marcado pra morrer tem menos carga cultural? Quem decide qual é a lista obrigatória para se atingir o coeficiente de inteligência?

A propósito, a plataforma Globoplay disponibilizou 50 filmes de cinco décadas e talvez a lista de admiradores do Terra em Transe se amplie. Mas, será que o machismo e classismo virará pó?

Não tem sido raro encontrar pelas redes comentários desprestigiosos em relação a alguém por não conhecer determinada obra cultural e isso tem sido alimentado por resenhistas do segmento cultural que se intitulam intelectuais, como se isso creditasse uma superioridade a ponto de decidir o que deve ser visto e conhecido para se obter um reconhecimento de inteligência.

Onde isso vai dar todos nós já sabemos. Quando Cristiano Araújo morreu a elite dos cadernos B se indignou porque não o conhecia. Um absurdo que um artista fosse popular sem ter passado pelo filtro e crivo dos cadernos B. O mesmo ocorreu com o estouro da cantora e drag Pabllo Vittar. Foram dezenas e dezenas de matérias em que se problematizava se ela cantava ou não, se tinha voz ou não. Os cadernos B serviram de porta vozes eficientes da homofobia das redes.

Em geral, articulistas elegem seus preferidos que representam a classe média e estabelecem uma pirâmide cultural. Essa mesma elite que exalta até obras herméticas, pouco acessíveis em termos de comunicação com o público e ignora o que é feito nas periferias e nos interiores, do piseiro às batalhas de slam, do brega funk aos cocos, do funk a uma cultura periférica que brota fora do eixo sudestino e que não passa pela esteira dos cadernos B e sua legitimação do bom gosto.

E aí é uma questão de gentileza e alteridade. Tanto em buscar perceber as pessoas em suas complexidades como as manifestações de cultura coletivas ou individuais e a forma como as pessoas lidam com ela.

É preciso compreender que no lastro dessa dicotomia de alta e baixa cultura, existe a cultura viva, em mudança constante assim como na língua. Chique mesmo é não apontar o dedo em riste para o gosto das pessoas e suas escolhas por afinidade, representação e/ou motivadas por experiência. Cultura é, sobretudo, sobre experiências de percepção, de vida… e definir quem é burro ou limitado a partir de seus gostos é no popular uma leseira sem tamanho. É nessa bifurcação que o machismo se encontra com o classismo e os dois se tornam um só ser: o da arrogância intelectual.