Opinião: “A política tanto é pedagógica quanto tóxica e quanto mais dela, melhor”

A dimensão ética é também estética nessa campanha das Donzelas da Torre por recursos para que Dilma Rousseff percorra o Brasil contra o golpe do Congresso que lhe tomou a Presidência.

A estética com o seu símbolo, as prisioneiras do regime militar, habita a simetria entre compromisso ideológico, memória crítica, afetividade e sentimento geracional de pertencer a um momento revolucionário. Há beleza nesse humano confirmado. Humano, demasiado humano.

Mas a campanha me faz pensar na ironia da solidariedade desse tipo prestada a José Dirceu quando da primeira prisão do ex- ministro de Lula.

Enquanto a militância arrecadava fundos para a defesa, o réu faturava propina de R$ 13 milhões. Quantia que foi aceita pelo STF como prova para agravar as penas do ex-futuro presidente.

Mas também houve justiça múltipla quando nos mobilizamos, em 2010, por recursos para Erundina vítima de multa opressiva questionável por razões políticas. Foram quase R$ 400 mil arrecadados.

Mais uma vez a opinião pública é desafiada com a ação das Donzelas da Torre, companheiras de Dilma que com ela dividiam a cela na torre do então presídio Tiradentes (SP), a refletir sobre fundamentos sociais  (éticos, psicológicos, culturais…) como honestidade, dignidade, representatividade e solidariedade.

A política tanto é pedagógica quanto tóxica. E não por causa da dose. Quanto mais política, melhor. Mas por força da opção entre estar a serviço do público ou servir-se do público com propósitos patrimoniais e hegemônicos.

As urnas do Brasil nos dirão em curto prazo sobre o que estamos fazendo da nossa história com a política. E como praticamos a política para fazer história.

Ditadura na pauta

A jornalista Eliane Cantanhede escreveu neste fim de semana que só brucutus e lunáticos defendem a ditadura como regime adequado para o Brasil dos dias atuais. Opino que ela está coberta de razão. Mas também acho que não tem razão nenhuma.

A afirmação da colunista de O Estado de S. Paulo tem a ver com o cenário de terra arrasada em que se constitui, quase que eu escrevia prostitui, a política nacional. A cena contemporânea decididamente é pornográfica.

É quase todo mundo alvo da operação Lava Jato. De estagiário suplente de vereador a sênior ex-presidente da República, as fichas estão sujas de lama. Lama da corrupção.

Eliane faz a inferência lógica a partir da visão do abismo: se não dispusermos mais do Congresso Nacional, se não houver mais em quem votar, certamente que brotará no horizonte a erva daninha da ditadura.

Acho que ela tem razão ao dizer que ditadura só interessa a brucutu e a lunático porque só a truculência e a total ignorância podem acreditar na autocracia e no autoritarismo como meio para o exercício do poder. Cada ditador traz dentro de si um promotor, um juiz e um carrasco. Absolutos em suas decisões.

Mas digo que ela não tem razão porque a ditadura interessa aos que sempre apostaram no obscurantismo e na opressão autoritária para enriquecer. Antonio Carlos Magalhães, Paulo Maluf, Delfim Netto, Ernâne Galvêas, Mário Andreazza. Esses são alguns dos que sem serem lunáticos ou truculentos apostaram, fizeram e amaram a ditadura.

Ditadura que prendeu e enforcou num ato de extrema covardia o jornalista Vladimir Herzog. A ditadura interessa a muita gente. Lunáticos e brucutus na linha de frente. Massa de manobra pra gritar. Mamulengos para tomar sol e chuva enquanto os muito vivos e sabidos surfam nas ondas da ditadura rumo às contas na Suíça recheadas de dinheiro roubado dos pobres.

Custo Brasil

A Polícia Federal denominou de Custo Brasil uma das recentes fases da operação Lava Jato. Caricaturou com um spray de zombaria o desfecho das investigações que incluía a prisão do ex-ministro do Planejamento Paulo Bernardo.

No cargo, Bernardo usou repetidamente o conceito do custo Brasil (rodovias detonadas, burocracia paquidérmica, logística esfarrapada, impostos estratosféricos) como métrica de alerta para procedimentos ruinosos que nas esferas de decisão multiplicam e fortalecem os mecanismos clássicos do desperdício, do mau uso e do desvio dos bens da sociedade.

No cargo, afirmam o Ministério Público, a Polícia Federal e a Justiça, Bernardo seria beneficiário, na condição semelhante à de um chefe de quadrilha, da partilha de R$ 100 milhões roubados através de fraude contratual.

O crime foi cometido contra o Estado, contra cidadãos e cidadãs diretamente e contra a economia popular. A quadrilha vampirizou empréstimos consignados.

Eis a demonstração perfeita do custo Brasil. A ruinosa corrupção tida como inescapável. E que custa todo ano R$ 200 bilhões aos contribuintes, afirma o Ministério Público. Mas o Brasil merece, e precisa, escapar desse suposto destino adverso.

(Reproduzido do jornal A União, edição 28/06/2016)