Opinião: O liberal Ciro Gomes à caça de esquerdistas

Leio a manchete “Ciro está em busca de partidos de esquerda” e momentaneamente fico estático, naquela de vítima de um comando Mandrake. A imagem de Ciro, celular em punho, aos gritos para persuadir um incauto, ressoa pontiaguda nos nichos labirínticos da memória dos tempos. Ela penetra a minha mente com aquele sabor épico e macabro das jornadas empreendidas pelos caçadores de cabeça.

A última notícia que tive de caçadores de cabeça, além dessa última sobre a caçada que acontece agora nos campos conflagrados do nosso esquerdismo ressentido, tinha a ver com os ritos de passagem dos garotos konyaks.

Lá em Longwa, pequena vila nas profundezas florestais de Mianmar, um grupo étnico sofre a dissolução de práticas ancestrais. Sucumbem ritos de passagem da meninice para o mundo adulto, entre as quais a posse da cabeça de um inimigo.

Hoje, os jovens compõem o quadro de simbolização da posse heroica da vida através do visorama ideológico da transubstanciação que o Cristianismo usa como âncora psíquica para fixar fundamentos da fé.

Isso é lá em Mianmar. Aqui, a caçada de Ciro pelas cabeças a prêmio da esquerda aturdida tem a ver também com transubstanciação. Mas não a do pão em corpo, mas a do corpo, notadamente a cabeça, em habitáculo da sujeição mental ao conservadorismo neoliberal. A agenda desenvolvimentista do Ciro governador é a do neoliberalismo do Consenso de Washington.

Não foi uma nem duas vezes, inclusive presencialmente, que vi Leonel Brizola se referir aos “filhotes da ditadura”, entre os quais o primogênito seria o empresário e jornalista Roberto Marinho.

Nada mais clássico no mesmo sentido do que Ciro Gomes, que começou a vida política no PDS, partido que substituiu a Arena criada pela ditadura militar de 1964, e no qual ele se sentia confortável por ser o herdeiro dos voto do pai, cacique golpista ex-prefeito de Sobral. Isso foi em 1982.

Antes, em 1979, candidato a vice-presidente da UNE pela chapa Maioria, Ciro sofria a acusação de “direitista”, o que significava à época um alinhamento às forças retrógradas que deram sustentação ao golpe militar que suprimiu a vida política democrática no país.

Hoje ser de direita é a mesma coisa, uma opção retrógrada, mas legítima. Ser de direita é, por exemplo, ser contra verba pública para família de presidiários, é ser machista e acreditar que a mulher não deve porque não pode liderar os processos sociais. Mas não quer dizer pessoas piores. Nem melhores. Só pessoas. Como as pessoas de esquerda, centro e assim por diante.

Ciro Gomes ostenta, à maneira de um Collor de Mello com trejeitos bolsonarianos, um furor crítico reformista de centroesquerda para legitimar a caçada à cabeça dos esquerdistas. Pois como disse Jessé Souza, que esteve outro dia entre nós distribuindo sabedoria, “num país desigual como o nosso, a esquerda só não ganha eleição se não houver eleições”. Ciro quer mais que a cabeça da esquerda. Quem aderir, verá.