Opinião: “Love” causa expectativa, mas trama é superficial e peca na debilidade do roteiro

Love (França, 2015. Direção: Gaspar Noé) causou burburinho e frisson na edição deste ano do Festival de Cinema de Cannes, o maior do mundo. Nenhuma outra produção exibida lá teve tantas filas e todas as sessões completamente lotadas. A repercussão na mídia seguiu a mesma tônica, com resenhas, matérias e notas sobre a polêmica em torno do filme

O motivo para tanta histeria? As cenas eróticas explícitas e em 3D. Love mostra a história de um casal de universitários em Paris, Murphy (Karl Glusman), americano que veio estudar cinema na França e Electra (Aomi Muyock), francesa que estuda artes plásticas. Eles se aproximam e começam uma relação tórrida, que entra numa espiral de sexo, sentimento, dúvida e combustão psicológica. Para manter a chama da paixão acesa e dar vazão as fantasias e fetiches sexuais, eles envolvem uma terceira pessoa, uma outra estudante.

As cenas de sexo são plásticas, bem dirigidas e graficamente estimulantes, não chegam a cair no mau gosto ou no exagero, afora a comentada cena de ejaculação onde o esperma parece jorrar sob o público no efeito 3D. Esse recurso soa como uma velha tática de repercussão rasa e escatológica, que mais constrange o filme que o público, que ri daquilo ao invés de se chocar.

É um tanto excessivo, porém, classificar Love como “drama pornográfico” e rótulos do tipo. Todo o estardalhaço gerado tem torno da mais nova produção do diretor argentino Gaspar Noé se mostrou estratégia de marketing e exagero moralista. Não há absolutamente nada de inovador em incluir cenas de sexo explícito num filme fora do nicho do cinema erótico. Obras como 9 Canções (Reino Unido, 2009. Direção: Michael Winterbottom), Shortbus (EUA, 2005. Direção: John Cameron Mitchell) e Azul é a Cor Mais Quente (França, 2013. Direção: Abdellatif Kechich) premiado com a Palma de Ouro em Cannes, já utilizaram esse recurso narrativo, além de diversas outras.

O uso do 3D é que seria o diferencial, mas a qualidade na resolução das imagens é irregular. A fotografia aparece muito escura na projeção, o que irrita quem está assistindo. Entretanto, não parece ter sido esse o motivo da rejeição que Love teve por parte de algumas redes de cinema do Brasil. A Cinemark, por exemplo, iria distribuir o filme, mas declinou. A Cinepólis idem. Seria essa última, inclusive, a distribuidora responsável por colocar o filme em cartaz em João Pessoa, mas de forma repentina, sem dar qualquer justificativa plausível, desistiu. Coube ao Cine Espaço exibir o filme na capital paraibana, uma das poucas do Brasil em que Love entrou em cartaz.

Ficou, entretanto, menos de 3 semanas e em uma única sessão diária – num horário ingrato. Fui ver no último dia em que estava na programação. Acho, sinceramente, uma grande bobagem essa polêmica gerada em torno das cenas explícitas. Mostra o quanto ainda há provincianismo e uma visão tacanha e limitada sobre o que é cinema. No caso das duas partes de Ninfomaníaca (Dinamarca, 2014. Direção: Lars Von Trier) – que se revelou bem menos erótico do que se esperava – o erotismo foi um componente que atraiu o público as salas dos cinemas e era uma produção que também continha algumas sequências de sexo real.

Love peca pela superficialidade e pela falta de um eixo dramático-narrativo que justifique as personagens. Embora consiga transmitir verdade e haja uma entrega – literal – dos atores isso não é suficiente para alavancar o filme. Há cuidado na direção, mas falta roteiro. Narrado em retrospectiva e situando a história aos poucos – uma opção narrativa que poderia ser interessante se bem trabalhada – a película se perde num emaranhado de situações meio desconexas e repetitivas. O filme se arrasta por vezes.

Realismo na composição das cenas romântico-eróticas não implica necessariamente em consistência fílmica-estrutural. Com a proposta que tem, poderia ser muito melhor. Muito mesmo. É válido mais pela discussão que provocou – e ainda provoca – sobre os limites que definem o que é cinema e o que pornografia, que pelos seus méritos artísticos. Ainda assim, um filme que causa impacto e merece ser apreciado. Cinema também é choque e contrariedade.