Ômicron: Brasil sequencia menos vírus que Chile e África do Sul

Rastreio ajuda a entender por onde chega a variante, a velocidade de espalhamento e também associá-lo à gravidade

Um ano e nove meses após o início da pandemia, o Brasil ainda monitora pouco as variantes do coronavírus que circulam pelo País. Dos 22 milhões de casos de covid-19 confirmados por aqui, só 0,35% foram sequenciados em laboratório. O índice é inferior até ao de países com nível socioeconômico mais próximo, como Chile (0,91%) e África do Sul (0,82%). Esse tipo de exame permite identificar as mutações presentes na amostra e indicar o avanço de novas cepas. Com a chegada da Ômicron ao território nacional, o rastreio ajuda a entender por onde chega a variante, a velocidade de espalhamento e também associá-lo à gravidade de infecções em determinados locais.

De acordo com especialistas, o ideal seria atingir a marca mínima de 0,5% de casos sequenciados. A quantidade de testes, além disso, teria de ser ampliada. A integração da estrutura de laboratórios existentes e uma liberação mais veloz das amostras de vírus coletadas são desafios para superar o problema.

Fernando Spilki, virologista e professor da Universidade Feevale, diz que o sequenciamento genômico avançou consideravelmente no País desde o início da crise sanitária, mas há espaço para melhorar mais. “De fevereiro do ano passado até o início deste ano, havia cerca de 2 mil sequenciamentos registrados no Gisaid (plataforma que reúne os sequenciamentos). De lá para cá, o número foi para 75 mil. A gente, no ano passado, não conseguia sequenciar nem 0,1% das amostras”, diz Spilki.

O virologista explica que a confirmação dos primeiros casos da Ômicron no Brasil, associada ao maior preparo dos laboratórios desde o início da pandemia, tem potencial de intensificar os procedimentos de testagem e sequenciamento realizados em território brasileiro. Ele reforça ainda que o sequenciamento genômico pode ser combinado à chamada genotipagem, uma estratégia para identificar diferenças na composição genética das pessoas, que pode ser feita a partir de testes de PCR.

O virologista e pesquisador científico do Instituto Todos pela Saúde (ITpS) Anderson Brito relata que um dos principais problemas enfrentados no País no começo da pandemia era a disparidade entre as regiões na realização de sequenciamentos genéticos. “Havia Estados com cobertura bastante grande, e outros com praticamente nada”, explica.

Segundo Brito, a presença de instituições como a Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz) em locais como o Rio, deu condições para a realização de sequenciamentos em larga escala desde o início de 2020, enquanto Estados como Maranhão, Piauí e Tocantins apresentaram “um grande vazio na vigilância genômica”. “Se uma nova variante surgisse nessas regiões, ela poderia ter circulado por algumas semanas sem que a gente soubesse”, diz o virologista.

A melhora na vigilância, segundo Brito, só aconteceu quando houve aumento na proporção de casos sequenciados e na cobertura territorial, o que foi possibilitado pela cooperação entre Estados com diferentes condições.

O País precisa avançar para monitorar o avanço da variante Ômicron, não só em abrangência dos sequenciamentos, mas em agilidade. Hoje, as amostras sequenciadas no Brasil levam, segundo mediana disponível na plataforma Gisaid, cerca de 59 dias para serem publicadas. No Peru, o índice é de 55 dias, enquanto no Chile é de 27.

Conforme Brito, a redução no tempo de registro dos sequenciamentos é fundamental para permitir que gestores públicos tenham a real dimensão da situação no País e, desse modo, possam tomar medidas mais precisas. Para isso, segundo ele, seria preciso ter mais equipes trabalhando para liberar os genomas de forma ágil no Brasil.

Isso porque, explica, já há um atraso em países da América Latina por causa da espera por insumos para sequenciamento. Com isso, fica ainda mais difícil registrar os sequenciamentos em período de no máximo três semanas, considerado o máximo adequado. “Se a amostra da Ômicron é coletada hoje, mas o sequenciamento sai daqui a dois meses, acaba ficando tarde”, exemplifica Brito.

Diretor da Fiocruz SP, Rodrigo Stabeli acredita que “a vigilância genômica veio para ficar no País”, mas faz ressalvas. “Dos países da América Latina, o Brasil é o que tem a melhor capacidade de sequenciamento genético para se fazer vigilância genômica. No entanto, ela é ainda muito pouco acionada e existe ainda uma desorganização”, diz. Segundo ele, a rede brasileira que faz a vigilância genômica “precisa conversar mais”, o que possibilitaria a agilização dos processos.

“O Brasil deposita (no Gisaid) quase 68% das sequências de Sars-CoV-2 da América Latina, ou seja, tem grande potencial. Mas esse potencial precisa ser incentivado para que a vigilância genômica entre como uma política de saúde pública”, acrescenta Stabeli. “Temos muitas máquinas de sequenciamento gênico voltadas para o olhar científico, e nós precisamos olhar também para a emergência.”

Em nota, o Ministério da Saúde informou ter investido R$ 120 milhões para a aquisição de mais de 3 milhões de kits e reações de extração, além de equipamentos para melhorar a estrutura e capacidade de laboratórios de saúde pública. Com isso, a pasta informou que a capacidade de sequenciamento genético foi ampliada de 10 amostras sequenciadas para mil por mês. O ministério não especificou, contudo, se novas medidas serão tomadas com a chegada da Ômicron.

Testagem é baixa no País e dificulta leitura de cenário pandêmico

Especialistas ponderam que, como as porcentagens de sequenciamento genômico são calculadas a partir do total de casos confirmados, pode haver distorções nos índices que medem a vigilância em determinado país. Isso porque há países que, mesmo proporcionalmente, testam mais do que outros e, por consequência, acabam diagnosticando mais casos.

Para se ter uma dimensão, dados da plataforma Our World in Data apontam que, para cada mil habitantes, o Brasil já fez cerca de 304 testes para detecção de covid. Levando em consideração o mesmo contingente, o Chile fez 1,3 mil, enquanto a Argentina, por exemplo, fez 572. Nos Estados Unidos e no Reino Unido os índices são de, respectivamente, 1,9 mil e 4,8 mil.

Para Anderson Brito, a testagem é um dos grandes problemas na pandemia. “O Brasil não está nem no top 100 de países que mais fazem testes por milhão. Claramente tem um problema muito sério de diagnóstico”, diz o pesquisador. Isso ocorre, apesar de o País ter sido o epicentro da covid-19 em vários meses, com recordes de mortes no mundo.

Para combater a Ômicron de forma mais efetiva, explica Brito, seria importante não só melhorar a vigilância genômica, como aumentar o diagnóstico molecular da covid-19. Essas alterações permitiriam ao País ter melhor entendimento do cenário e de quais medidas de controle poderiam ser tomadas.

Do Estadão