O silenciamento de Estela em um programa que traz a palavra “debate” no título

Em tempos de negação do conhecimento científico, do ganhos enquanto sociedade do pacto dos Direitos Humanos e dos princípios basilares da Constituição Federal de 1988, também conhecida como ‘Constituição Cidadã’, as principais lições vêm do Jornalismo como campo de intermediação de conflitos, de fomento dos debates plurais na sociedade e como área defensora da preservação da integridade das pessoas em meio à disseminação de notícias falsas, apedrejamento de reputações e uso de veículos para disseminar, de forma indevida, discursos de ódio. Ao menos devia ser. Ao menos!

Isso era radicalmente o oposto do que se chamava de “imprensa marrom”. Mas, é preciso deixar lembrar que há o campo do saber e prática jornalísticos, e há as práticas cotidianas das pessoas que fazem uso dos meios sob o argumento de fazer jornalismo.

Não deveria me ater a importância do diploma do jornalismo como fim e sim como meio. Mas vou! A formação do jornalista permite, entre outras coisas, que o profissional compreenda os estudos da persuasão, dos meios de comunicação a serviços de regimes autoritários, mas, sobretudo, traz uma reflexão muito em baixa no mercado: a tentativa de compreender o público, a audiência e os interlocutores. Em especial, os interlocutores para poder melhor apresentá-los para seu público com seus méritos e suas contradições.

Esses interlocutores que a teórica Cremilda Medina nos faz compreendê-los como atores importantes no processo de produção de significados e conhecimentos durante a realização de uma entrevista.

Portanto, para a realização da reportagem ou da notícia, a entrevista e a observação são duas das ferramentas básicas do repórter e do jornalista.

Mas, especificamente, quero focar em um fato: o anúncio feito por Nilvan Ferreira da entrevista com a deputada estadual pelo PSB, Estela Bezerra e o seu silenciamento diante de acusações e tentativas de maximizar aquilo que ela respondia no programa Correio Debate, da Correio FM, pertencente ao Sistema Correio de Comunicação.

Primeiro fui pego de surpresa com a forma que alguns blogueiros trataram o fato em seus espaços de opinião: um “bate boca” entre a deputada e o apresentador. Não! Não houve bate boca. Houve um apresentador fora de controle emocional e com claro intuito de constranger uma parlamentar. Tanto que nenhum colega de bancada teve espaço para falar diante da monopolização do apresentador.

As redes sociais maximizaram o achismo como discurso divergente, como se fosse uma crítica. Jornalismo se faz com rigor até para tecer as críticas.

Todo o debate requer visões divergentes e mediação. Mas, será que na prática isso funciona tal qual? Fiquei com essa reflexão após a repercussão do vídeo da transmissão da entrevista em questão. Se o áudio já chocava, o vídeo amplifica essa impressão.

Desde o princípio, a cada resposta da deputada Estela, Nilvan retrucava “a senhora está querendo dizer…” ou ” a senhora não aprova o trabalho de fulano?” num claro exercício de esticar a corda da interpretação, coisa que o jornalismo sensacionalista sempre usou como ferramenta de trabalho: ao não ter uma frase de efeito retruca-se reformulando a opinião do entrevistado para ter a sentença a todo custo. Até ao custo de um “Sim!” a uma re-interpretação da fala da entrevistada. O “debate” ficou acalorado quando Estela retrucou que investigação não é condenação e lembrou ao apresentador que a empresa dele já foi alvo de investigação por suposta falsificação de roupas de marcas. Digo suposta, porque como não acompanhei o caso, me faço valer da informação divulgada à época.

O que se viu e ouviu no ar foi uma clara demonstração do silenciamento da entrevistada, diga-se uma mulher à frente de um mandato legítimo. Uma feminista, também jornalista, que em toda a sua trajetória deu consideráveis contribuições para a produção cultural e depois para os movimentos sociais ao participar da fundação do Cunhã – Coletivo Feminista, com forte atuação pelos direitos das mulheres em todos as suas esferas e perspectivas. Tudo isso muito antes de se tornar gestora pública e, consequentemente, política disputando cargos eletivos.

Silenciamento é algo extremamente discutido no meio social – e no movimento feminista em especial – quando há uma posição de poder em questão se valendo disso para tolher outra pessoa. Embora Estela seja deputada e esteja em um cargo de poder, no estúdio da emissora de rádio o poder estava nas mãos de quem controla o microfone e comanda o espaço radiofônico.

A teórica Cremilda Medina ao discorrer sobre as técnicas de entrevista ressalta que só há entrevista quando há diálogo e isso implica que as críticas podem vir de ambos os lados – e para o lado de cá de quem faz jornalismo e usa o microfone é preciso ter plena consciência do exercício profissional, controle emocional e uso de técnicas. Nesse caso em questão, o apresentador não abriu espaço para os colegas de bancada participarem e não deixou Estela responder completamente a maioria das perguntas, numa clara demonstração de poder, arrogância de quem detém o microfone.

Para além disso, o apresentador foi desrespeitoso com o próprio Sistema Correio, que sempre teve na FM embates acalorados, mas com respeito aos entrevistados. Não podemos ser injustos de tomar a exceção e fazer dela a regra, porque não seria justo com a história dos veículos que o compõe e da massa de jornalistas e radialistas socialmente responsáveis com o ofício da comunicação que atuam por lá.

Esse debate me lembra um outro em que o radialista Fabiano Gomes em outra emissora de rádio chamou Eliza Virgínia (PP) – então deputada estadual – de “caloteira” devido a divulgação de uma dívida de IPTU de um imóvel junto a Prefeitura de João Pessoa.

Além do tom desagradável, esse é o tipo do jornalismo baseado principalmente, na polêmica, na desinformação e no sentenciamento de reputações.

Fico a me questionar se alguém ousaria ter o mesmo tipo de postura se do outro lado lado da cadeira tivesse um homem…

Para piorar a situação, o radialista misturou os questionamentos com uma “bronca” de um embate de Estela com outro blogueiro. Na situação em questão, ela foi desrespeitosa ao chamar o jornalismo feito por ele de “bueiro”. Mas, o ouvinte que sintonizou na emissora para acompanhar o programa e a entrevista, a meu ver, não estava a fim de ouvir uma acareação feita no ar. Ao ligar o rádio, o ouvinte quer informação, ser levado às reflexões, ouvir denuncias e ter espaço para se expressar.

Se o radiojornalismo se tornar espaço de revanche de categoria ou servir para acareação para julgar e condenar reputações é preciso que ao menos exista a coerência de retirar a palavra “debate” do nome e do conceito. Se o Sistema Correio de Comunicação e a Correio FM não vier a público lamentar a postura do apresentador, o fato servirá de alerta para qualquer pessoa pública de que o debate pode ser conduzido a partir do humor do apresentador, e, a decisão dele é soberana sobre as hierarquias da empresa.

Que no futuro incerto que nos avizinha nenhuma mulher seja silenciada porque lugar de mulher é onde ela quiser!

À Estela, a minha solidariedade!