O tema é ética, normas morais e jurídicas. Eu improviso aqui alguns tópicos para reflexão e debate do tema entre nós, a maioria não especialista. É preciso pensar “sobre” para que se obtenha o “porquê” e o “para quê” da ética e das normas. O recorte da reflexão: o que é o certo e o que é o errado na perspectiva da opinião pública quanto ao resultado, antecipado pela imprensa e pelo stablishment jurídico, do julgamento da chapa Dilma-Temer pelo TSE. No voto do relator Herman Benjamin restou claro que houve abuso contra a democracia. Os crimes por ele apontados produziram fraude eleitoral.

Entre as ilegalidades anotadas no relatório estão contratos falsos, lucros incompreensíveis de laranjas, pagamentos a marqueteiros em contas fora do Brasil, empresas que mantinham contratos com a Petrobras abarrotaram os cofres dos partidos de apoio à chapa Dilma-Temer, pagamentos no valor de R$ 7 milhões feitos pelo departamento de propinas da Odebrecht às legendas da chapa…

A fraude foi contra os direitos da população eleitora, o direito à verdade dos fatos, sendo essa verdade uma eleição justa enquanto conteúdo social, no âmbito da república democrática, a ser protegido numa relação ética do Estado com a sociedade. A maioria (4 votos a 3) do TSE, no entanto, disse que não houve ilegalidade suficiente para que a chapa fosse cassada. Um fracasso da ética? Há quem diga que jamais a moral poderá corrigir o direito.

Emerge no horizonte das nossas reflexões a dicotomia clássica positivo-negativo no seu movimento ambíguo. Inúmeras indagações a respeito da dimensão ético-política do processo se impõem às nossas reflexões e questionamentos.

Argumenta-se sobre a politização da Justiça, ou, mais precisamente, a politização das decisões judiciais. As questões relativas à subjetividade dos votos dos julgadores importam à coletividade. Precisamos debater as variáveis que influenciam as sentenças, os mecanismos que são disparados para as decisões, os seus elementos conformativos… Nessa perspectiva, é um avanço a publicidade dos julgamentos propiciada pela transmissão via TV ao vivo das sessões do STF e do TSE. Uma alternativa pedagógica para a expansão do repertório político do eleitor comum.

Ainda sobre a percepção leiga do processo. A moralidade é vista enquanto poder para decidir a partir do poder da consciência, do conhecimento dos fatos. Do que é plausível num processo a partir das normas e dos fatos morais.

No dizer de Nietzsche, em “Genealogia da moral – Uma polêmica” (Companhia das Letras, SP, 2009, página 12): “Moral como consequência, como sintoma, máscara, tartufice, doença, mal-entendido; mas também moral como causa, medicamento, estimulante, inibição, veneno”.

A importância da norma moral, a legitimidade da intenção moral para além da normatividade, a dialética da busca da verdade como resultado da práxis humana… Até que ponto os favoráveis à absolvição consideraram esses elementos? E quanto ao processo de definição, a partir das normas, das condições da existência na sociabilidade concreta das contradições do gesto social em constante movimento? Que síntese produtiva da realidade evolucionária o resultado do julgamento legou à nossa consciência política?

Norma moral também enquanto sentido da e para a humanização das práticas e dos discursos na composição dos lances que redefinem as fronteiras da razoabilidade nos posicionamentos dos julgadores, supostos guardiões da eticidade da norma jurídica, capazes de interferir na legitimidade dos pactos sociais. Norma moral igual a auto-obrigação e autoconsciência. O indivíduo perante suas circunstâncias. Norma jurídica enquanto pertinente ao público relacional, parâmetro para direitos e obrigações na bilateralidade e pluralidade da convivência, também na generalidade e na abstração das situações para a fixação de um campo da igualdade necessária para a eficácia da norma.

Resumindo ao máximo a diferença estabelecida entre as duas, diz Kant, quanto à norma moral, que se trata de acolher na prática, enquanto circunstâncias inescapáveis do existir consciente, o dever, o amor e o bem. A norma jurídica tem a ver com a exterioridade da ação, delimitando seus níveis de interferência no âmbito coletivo.

Vale mencionar aqui o que afirma o teórico da vida líquida, o sociólogo polonês Zygmunt Bauman, morto este ano no dia nove de janeiro, no ensaio “Ética pós-moderna” (Paullus, 2013, SP, página 35): “Com o pluralismo das normas, (e os nossos tempos são tempos de pluralismo), as escolhas morais (e a consciência moral deixada na sua esteira) surgem-nos intrínseca e irreparavelmente ambivalentes. Os nossos são tempos de ambiguidade moral fortemente sentida”. Ambiguidade, fronteira do incerto, do instável, da vida política e social dos nossos dias. Voltaremos ao tema.

Reproduzido de o jornal A União, edição de 11 de junho de 2017.