O Aedes aegypti se adaptou e virou um bicho doméstico

O mosquito Aedes aegypti é um inimigo terrível da saúde pública, mas tem bem pouco de selvagem. Em vez de rios, prefere água parada, em recipientes pequenos e relativamente limpa. Desloca-se o mínimo possível em um raio de 100  metros,. “Ele é quase um animal doméstico. Gosta das mesmas coisas que a gente. A gente criou as condições para que um bicho preguiçoso prolifere“, Os primeiros antepassados do Aedes devem ter surgido há cerca de 220 milhões de anos. Há cerca de 50 milhões de anos, o mosquito já tinha o jeitão atual. Nas últimas centenas de milhares de anos, pegou gosto pelo cheiro e pelo sangue humano. No século XVI, veio da África para as Américas, a bordo de embarcações europeias. E, nos últimos 50 anos, mostrou-se um mestre em adaptação ao ambiente urbano. Hoje, o inseto — transmissor dos vírus dengue, zika e chikungunya – está completamente acomodado às cidades e aos nossos hábitos domiciliares.

Isso não quer dizer que ele seja molenga. Como todo inseto, é casca-grossa. Três dias após a postura, o ovo se torna duro e impermeável. Retém água e nutrientes o suficiente para sustentar uma larva por um ano e meio, até que surjam as condições favoráveis para que ela nasça. Ele também se adaptou a inseticidas e repelentes. “Hoje, não se fala mais em erradicação, pois isso é impossível. Mesmo que conseguíssemos erradicar, não conseguiríamos manter essa situação” .

Sobre a resistência do mosquito.

A fêmea do Aedes precisa se mexer para procurar sangue e botar ovo. Mas quanto mais se mexer, menos ela vive. Com a oferta grande de criadouros e aglomeração de pessoas que tem, ela precisa se deslocar menos e vive mais. Em laboratório, consegue-se  fazer uma fêmea viver mais de 100 dias. No Rio de Janeiro, já foram feitos estudos de dispersão e a gente viu que ela dura em torno de 30 dias como adulto, apesar de isso variar bastante. Mas o fato é que o mosquito se adaptou muito bem ao tipo de vida do homem. O mosquito é preguiçoso, gosta de sombra, prefere recipiente pequeno, água parada. É quase um animal doméstico. Brinco que a gente fala dele como inimigo, mas ele gosta das mesmas coisas que a gente. Nós criamos as condições para que um bicho preguiçoso prolifere.

O Aedes se reproduz em água suja.

É muito subjetivo o que é água suja. As pessoas entendem que água limpa é água filtrada. Mas água que fica na calha, por exemplo, o Aedes não considera suja. Para o mosquito, é água relativamente limpa, que está em cima de alguma matéria orgânica depositada. A larva precisa dessa matéria orgânica como comida. Ele pode usar a água em que você lava a mão e deixa lá, a água que o cachorro bebe e deixa um resto de ração.

A larva precisam se alimentar muito.

A larva suporta períodos de jejum por alguns dias. Mas precisa se alimentar para crescer. A larva do mosquito da malária, em laboratório, a gente tem de alimentar até duas vezes por dia. A do Aedes, não. Ela suporta jejum.

Sabemos que a fêmea procura água parada. Exatamente como ela põe os ovos

A fêmea “cola” os ovos na parede de recipientes com água. Quando o ovo é posto, é branquinho, molenga e todo permeável. Em duas horas, fica pretinho e pouco permeável. Depois de 16 horas, fica totalmente impermeável. Depois de três dias, a larva está formada lá dentro e ele está preto e duro. Pode ficar por até um ano e meio. Tem registros dele  ficar viável por até 450 dias. A larva não resiste ao seco. Se a água evapora ou é usada, o ovo pode esperar meses até receber água de novo, para então a larva eclodir. Quando chove, os criadouros são inundados. Depois que a larva sai do ovo, demora de 7 a 10 dias para se tornar adulto. Isso faz as epidemias de dengue terem esse aspecto explosivo: é como se você juntasse um mar de ovos de um verão até o outro, que vão eclodir quando voltar o período de chuvas.

Como o mosquito desenvolveu resistência a inseticidas.

O principal alvo dos inseticidas é o sistema nervoso do inseto. O produto super estimula o sistema nervoso do inseto e o leva à morte. A resistência surge com alterações no sistema nervoso do mosquito — elas impedem os receptores e enzimas de reconhecer a molécula do inseticida, que passa a não ter efeito. Existe outro mecanismo importante de resistência. Enzimas comuns do inseto são capazes de degradar as moléculas de inseticida, anulando sua ação. Há diversos mecanismos no inseto que levam à resistência.

Quando ele começou a apresentar resistência aos inseticidas.

O Brasil erradicou o mosquito em 1955. Ele voltou porque o Brasil importava da Ásia pneus usados para recauchutar e esses pneus vieram com ovos do Aedes colados. A gente importou o Aedes já com resistência aos inseticidas organoclorados que eram usados no Brasil. Desde então, a gente passou a usar organofosforados  para controle de larva e adulto. Em 1986, quando houve a primeira epidemia grande de dengue, o governo intensificou o uso de inseticida para o controle do Aedes. Em 1998, os agentes de saúde do Rio de Janeiro perceberam que o inseticida que era usado para controle de larva não estava funcionando mais. O Brasil começou a monitorar a resistência das populações do Aedes e confirmou que ele estava resistente a esse organofosforado, de nome comercial Abate, na época o único que era usado. Quando chegou nessa situação, muito foi discutido e a decisão foi que seriam utilizados inseticidas diferentes para larva e para adulto.

“Em 2009, passamos a usar uma nova classe de inseticidas. Os anteriores faziam mal para humanos”

O que tem sido feito hoje para evitar que o mosquito crie resistência a mais inseticidas.

Cada tipo de inseticida tem um modo de ação e para cada modo de ação tem um tipo de resistência. Se a gente usa tipos diferentes para larva e para adulto, a gente está pressionando mecanismos diferentes, então a gente vai conseguir preservar mais os produtos (adiar mais a aquisição de resistência por parte do inseto). Na época em que se percebeu que ele tinha adquirido resistência aos organofosforados, começou a ser utilizado o BTI (inseticida biológico) e se trocou o controle de adulto para piretróide (base de inseticidas eficientes, mas que permanecem pouco no ambiente). O organofosforado continuou sendo usado e a resistência a ele continuou se disseminando. Em 2009, ele deixou de ser usado como inseticida de primeira escolha. A partir daí, o país passou a usar uma classe de inseticidas muito mais específicos para o inseto — os anteriores também faziam mal para humanos.

Os que são usados atualmente atuam especificamente nos insetos. São os IGR – reguladores de crescimento de insetos. Cada um deles tem um modo de ação diferente. A recomendação do país hoje é que se mude a cada três ou quatro anos para um IGR com modo de ação diferente. Essa é uma maneira de preservar os produtos. Isso é importante porque temos poucos produtos aprovados disponíveis para uso em saúde pública, principalmente para um inseto como o Aedes aegypti, que se cria na mesma água que as pessoas usam. Esses produtos, além de matar o inseto, têm de ser seguros para humanos. Hoje, não se fala mais em erradicação, pois isso é impossível. Mesmo que conseguíssemos erradicar, não conseguiríamos manter essa situação.

Segundo a bióloga Margareth Capurro, professora do Instituto de Ciências Biomédicas da Universidade de São Paulo (USP), afirma que o Brasil precisa agir em várias frentes ao mesmo tempo para conter o mosquito Aedes aegypti – com a ajuda da população dentro das residências, com armadilhas artesanais feitas de garrafas plásticas, com bombardeios de inseticida e engenharia genética. “Devem-se usar todas as armas imagináveis”, diz a cientista. O mosquito transmissor da dengue e da Febre Chikungunya agora carrega o germe de problemas mais graves, o Vírus  Zika (que pode desencadear a síndrome de Guillain-Barré). Margareth foi indicada pelo governo brasileiro para participar de um projeto internacional sobre o mosquito e estuda há 18 anos formas de alterá-lo geneticamente. Essa estratégia segue um roteiro inusitado, que inclui liberar ainda mais insetos no ambiente. Se der certo, os exemplares modificados em laboratório, todos machos, competirão com os mosquitos selvagens para copular com as fêmeas, mas o cruzamento não resultará em larvas. Exterminar o Aedes aegypti, diz Margareth, é impossível. Ela ressalta que uma política mais agressiva para combatê-lo já deveria estar em prática, mas que o enfrentamento da dengue nunca esteve no topo das prioridades, na disputa pelo orçamento da Saúde. Agora, a epidemia de vírus zika pode impulsionar a adoção de medidas mais eficazes. “O zika assustou. É uma doença mais grave”, afirma Margareth.

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