No ‘F5’, especialista explica termo utilizado na repercussão do caso Mari Ferrer

Episódio voltou à tona na terça-feira (3), após divulgação de um vídeo da audiência em que o advogado do empresário acusado de estupro humilha a vítima

O especialista em direito penal, Luís Pereira comentou, durante entrevista ao programa ‘F5’, da 89 Rádio POP nesta quarta-feira (4), sobre o caso de Mariana Ferrer, de 23 anos, que acusa o empresário André de Camargo Aranha de estupro. Ele foi considerado inocente pela Justiça de Santa Catarina. O caso teria acontecido durante uma festa, em 2018 e voltou à tona na terça-feira (3), após a divulgação de um vídeo da audiência em que o advogado do empresário, Cláudio Gastão da Rosa Filho, humilha Mariana.

Luís destacou que a sentença não traz o termo ou referência a “estupro culposo” e trata-se de uma fake news. Ele ainda ressaltou que o termo não existe no ordenamento jurídico e, por isso, não poderia ser utilizado, nem mesmo para absolver o acusado do crime.

“Esse caso que se veicula na mídia desde ontem sobre estupro culposo, na verdade é uma fake news. A sentença não traz absolutamente nenhum termo, terminologia ou referência a estupro culposo, até porque essa modalidade de crime não existe no ordenamento jurídico e em razão disso, nós não poderíamos estar falando sobre a ocorrência dela, nem mesmo para absolver uma pessoa que está sendo acusada deste horrendo crime”, afirmou.

De acordo com o especialista, o que se tem é uma interpretação extensiva do que foi dito pelo juiz, que alegou falta de evidências de dolo. Ele também deixou claro que não concorda com a sentença.

“O crime ao qual ele estava sendo acusado só vale mediante dolo. Quando o juiz diz que não existe dolo, as interpretações foram no sentido de que haveria culpa e não foi bem isso que o juiz estabeleceu”, declarou.

Durante a audiência, o advogado Cláudio Gastão da Rosa Filho usou imagens postadas pela vítima em redes sociais para defender o acusado. Conforme Luís, é comum que advogados tentem desqualificar a vítima.

“É comum que se faça isso, é previsível e é de direito, porém não pode ser exercido de qualquer maneira e deve ser feito dentro do limite e do respeito. Ele não pode simplesmente chegar e expor a pessoa como se o fato tivesse relação com o crime que está em julgamento. Se estivéssemos diante de uma atitude normal, previsível, dentro da lei e aceitável, porque embora possa se exercer esse tipo de artifício, temos que tratar com cautela, para justamente não ferir de forma tão contundente a vítima, porque toda vez que se toca no assunto, ela revisita o momento da agressão”, destacou.

O especialista ainda afirmou que pelas cenas vazadas, houve excesso por parte do advogado. “Dessas cenas que foram vazadas, presumo que houve um determinado excesso. É importante dizer que o advogado, no exercício de sua função, não comete crime de injúria ou difamação. Contudo, o excesso, isso segundo o estatuto da ordem, a Lei 8.906 de 1994, prevê que o advogado no excesso desses casos, responde disciplinarmente ao tribunal de ética da instituição”, lembrou.

Conforme ele, “não houve a terminologia estupro culposo, isso é uma interpretação a partir da sentença que fala de ausência de dolo e de provas. Não estamos tratando de um estupro simples, mas sim de estupro de vulnerável. A vulnerabilidade aí é em razão de um doping, de um remédio que impossibilitou a reação ou a autodeterminação da vítima. Nos crimes em que deixam vestígios, o código estabelece que devem ser periciados esses vestígios. No caso dela, que diz ter sido dopada, quando o exame pericial não comprova o uso de drogas, isso orienta o juiz a uma ausência de harmonia entre fala e prova, considerando que os crimes de estupro na sua grande maioria acontecem longe dos olhos do povo, na clandestinidade e não deixam muitas testemunhas, de modo que a fala da vítima tem um peso maior e o acusado precisa apresentar provas de que aqueles fatos não ocorreram”, ressaltou.

Luís ainda lembrou que o tamanho das vestimentas, locais ou horários não importam para o crime sexual, mas sim o consentimento da vítima. Conforme ele, caso haja autorização, e em algum momento determinada postura não seja permitida, passa a existir o crime.

“Não importa o tamanho da roupa, se ela expõe as pernas ou a barriga, de que horas ela está fora de casa, se está em uma festa ou igreja, o que importa para os crimes sexuais é o consentimento da vítima. Ocorreu consentimento, não há crime. Ocorreu, mas em dado momento ela não permitiu uma determinada postura, passa a existir o crime. Então a mulher manda no corpo dela e quando ela diz não é não. Na medida do excesso do homem, seja esse caso de Mariana Ferrer ou em qualquer outro, na medida do excesso em que as partes não se satisfazem com a rejeição alheia, precisam ser punidas. Também é preciso frisar que estupro não acontece só entre homem e mulher. Na nova jurisprudência, é possível sim que exista o crime de estupro entre mulheres e entre homens”, pontuou.