Não precisa chorar, Eliza Virgínia!

Sem qualquer surpresa li algumas matérias sobre o projeto da vereadora Eliza Virgínia (PSDB-João Pessoa) abordando esses fenômenos da urbe universal chamados pichação e grafitagem. Ela é muito previsível, pensei. Não dava para esperar algo menos espeloteado. Especialmente dado o seu histórico de desempenho parlamentar. A princípio o tema chamaria a atenção apenas de alguns segmentos específicos. Talvez por conta de uma suposta visão de agressão ao patrimônio. Um filão para o oportunismo patológico dominante. Todavia é o mundo que está pichado e não apenas a velha Parahyba do Norte. E agora? Seria possível pensarmos nisso com alguma raspa de racionalidade? Como já dizia Nelson Rodrigues:  ”toda unanimidade é burra”. Portanto, vamos ao debate.

Muito esperta, buscando amparo político entre os manos, a vereadora excluiu a grafitagem da sua chibata. Para ela, bastaria segregar e condenar o “pixo”. Não sabe que o pau que bate em Francisco Cesar Gonsalves é o mesmo que bate em Chico Buarque de Holanda. Sabe tudo de arte de rua e linguagens urbanas a nobre vereadora. Só que não. Se estivesse mesmo atenta à degradação do patrimônio público, estaria legislando noutra direção.  O abandono explícito é fruto de uma cultura patrimonialista e utilitarista da qual ela é plena representante. Ou alguém em sã consciência acha mesmo que basta combater a pichação para salvarmos o patrimônio público? O buraco é mais embaixo. O descaso é bem anterior ao atual boom do “pixo”.

É como se alguém caísse de joelhos no dito popular: “a culpa é minha e eu a coloco quem quiser.” Numa sociedade que vive de aparências, mais vale um muro bem pintado que um mano ou mina  dormindo na calçada. A questão é bem mais complexa que imagina a nobre vereadora. Ela sequer suspeita dos códigos que separam ou unem as tribos pichadoras. Tem a pichação política. Há os transgressores natos. Tem o crime organizado. Lá estão os corações apaixonados. Os poetas neo-dadaístas. Ela talvez nem saiba que renomadas galerias do mundo já reconhecem alguns pichadores como artistas conceituais. Mesmo que muitas não segurem a onda da proposta transgressora do pixo. No país da impunidade, criminalizar parece um tipo de droga pesada. Causa dependência química.

O debate sobre o pixo, a grafitagem e a chamada arte pública passa muito longe desse entendimento tosco da controversa vereadora. Aliás, ela sempre se mostrou incapaz de grandes debates. É limitada ao extremo atordoamento dos seus próprios interesses. Por isso criminaliza a pichação enquanto defende o nazista Bolsonaro. Falta-lhe sobriedade, humanidade, ética, consciência de mundo, mas sobra autoritarismo. Uma mulher que defende um político que faz apologia pública ao estupro e a tortura precisa, pelo menos, de uma boa reciclagem existencial. O conservadorismo político pentecostal já teve nomes mais respeitáveis.

A “arte” que colocaram no muro do meu prédio, fruto da Lei dos Edifícios, é algo de um colorido tão insólito que, sinceramente, preferiria mil vezes um pixo radical e enigmático. Por falar nisso, por que a vereadora não propõe a revisão da tal Lei dos Edifícios? Mesmo tendo uma origem digna, essa lei foi transformada em mero penduricalho legislativo. Suporte de um direito dos artistas plásticos que foi sumariamente cartelizado e que hoje existe apenas para consagrar a mediocridade. Claro, com raras e honrosas exceções.

Os pichadores revidaram Elisa, logicamente. Picharam um sorridente e provocativo “Chora Elisa Virgínia” no muro da Escola Lions. Ela recebeu isso como machismo. Sinceramente, me espanta tamanha tendência para vitimização. Nossa sociedade machista tem outras mazelas bem mais graves sobre as quais ela silencia. Da mesma forma que achei exagero chamar de machismo o assédio moral que Silvio Santos cometeu contra Rachel Sherazade e Danilo Gentille. Duas trepeças sem escrúpulos. Tudo muito com cara de encenação domingueira. Coisa típica de um comunicador da estirpe de um Silvio Santos.

Para finalizar queria lembrar um fato histórico. Em 1917, a polícia de Genebra vivia aos tapas com os poetas dadaístas e seus saraus esvoaçantes realizados num lugar chamado Cabaret Voltaire. Em frente morava ninguém menos que Vladimir Lenin que saiu dali sem ser molestado para fazer a Revolução Russa. Talvez a postura policialesca e fascista da vereadora acabe sendo surpreendida pelo silêncio. Sugiro e apenas sugiro que esta senhora largue o pé da rapaziada e preste atenção nas cloacas em que se meteram seus gurus e companheiros de partido.