Morte de homem negro pela polícia gera manifestações em Brooklyn Center

A menos de 20 quilômetros do local onde George Floyd foi assassinado por um policial em maio do ano passado e horas antes da retomada do julgamento do agente que o asfixiou, outro homem negro foi morto depois de ser baleado durante uma abordagem policial na tarde deste domingo (11).

Segundo uma nota divulgada pelo departamento de polícia de Brooklyn Center, cidade com cerca de 30 mil habitantes nos arredores de Minneapolis, agentes pararam um veículo por volta das 14h (horário local) para autua-lo por uma infração de trânsito. A lei estadual proíbe objetos pendurados no retrovisor alegando que eles podem prejudicar a visibilidade dos motoristas, e o carro em questão tinha um desodorizador pendente.

O motorista, Daunte Wright, 20, saiu do veículo a pedido dos policiais. Na versão dos agentes, Wright, um homem negro, tinha um mandado de prisão em aberto e, ao receber voz de prisão, voltou para dentro do veículo.

Em seguida, um dos policiais atirou. Wright teria dirigido por mais algumas quadras, até que bateu em outro veículo e morreu no local.

Katie Wright, mãe do motorista morto, disse a jornalistas que recebeu uma ligação do filho dizendo que ele tinha sido parado pela polícia devido ao desodorizador pendurado no retrovisor. Katie disse ter ouvido, pelo telefone, policiais pedindo para que o filho saísse do carro.

“Eu ouvi o policial vir à janela e dizer ‘desligue o telefone e saia do carro’. Aí eu ouvi uma discussão e os policiais dizendo ‘Daunte, não corra'”, disse ela, aos prantos. A ligação foi encerrada e, quando conseguiu discar novamente, quem atendeu o telefone foi a namorada de Wright, que disse a Katie que seu filho estava morto no banco do motorista.

Ainda segundo a polícia, toda a ação foi filmada pelas câmeras acopladas às fardas dos agentes, mas o material de vídeo, assim como qualquer informação sobre o policial que fez o disparo, ainda não foi divulgado.

O departamento também não deu detalhes sobre o mandado de prisão contra Wright, mas de acordo com registros judiciais, o documento foi expedido no início deste mês quando ele deixou de comparecer uma audiência. Wright respondia por porte ilegal de arma de fogo.

À medida em que o caso tornou-se público, tocando em feridas tão históricas quanto recentes que envolvem o racismo estrutural e a violência policial nos Estados Unidos, grupos de manifestantes foram às ruas, repetindo, ainda que em menor proporção, os atos vistos em Minneapolis após o assassinato de Floyd, filmado e compartilhado nas redes sociais.

Durante a noite, cerca de 200 pessoas se reuniram em frente ao departamento de polícia de Brooklyn Center, e agentes dispararam balas de borracha, bombas de gás lacrimogêneo e spray de pimenta contra o grupo. Parte dos manifestantes lançou pedras, sacos de lixo e garrafas de água contra os policiais.

Em outro ponto da cidade, segundo a imprensa local, um grupo invadiu uma galeria de lojas, e pelo menos 20 estabelecimentos foram saqueados.

Temendo uma escalada de violência nos protestos, o prefeito de Brooklyn Center, Mike Elliott, decretou um toque de recolher até as seis da manhã desta segunda-feira (12), alegando, entre outros possíveis danos, o risco de “perdas de vidas”. O superintendente das escolas locais também determinou disse que as aulas do dia seriam todas remotas “por precaução”.

“Enquanto aguardamos informações adicionais do BCA [sigla em inglês para Departamento de Apreensão Criminal], que está liderando a investigação, continuamos a pedir que os membros de nossa comunidade que se reunirem o façam pacificamente, em meio a nossos apelos por transparência e responsabilidade”, disse o prefeito, em um comunicado.

“Nossa comunidade inteira está cheia de tristeza depois que um policial atirou em Daunte Wright, um jovem de 20 anos. Nossos corações estão com sua família e com todos aqueles em nossa comunidade impactados por esta tragédia”, acrescentou Elliott, que também é um homem negro.

O governador de Minnesota, o democrata Tim Walz, disse em uma publicação no Twitter que está “monitorando de perto” a situação em Brooklyn Center e “orando pela família de Daunte Wright enquanto nosso estado lamenta outra vida de um homem negro levada pela polícia”.

A tensão na cidade está em ascensão devido ao julgamento de Derek Chauvin, um ex-policial branco de Minneapolis que, durante mais de nove minutos, ajoelhou sobre o pescoço de Floyd, um homem negro que estava algemado. A morte do ex-segurança gerou protestos nos Estados Unidos e em todo o mundo contra a brutalidade policial e a injustiça racial.

O julgamento de Chauvin, que começou no dia 29 de março, vem seguindo o roteiro esperado: testemunhas emocionadas, médicos explicando detalhes da morte e advogados e promotores apresentando seus casos ao júri.

A principal tese da acusação contra o ex-policial é que as imagens da morte de Floyd não deixam dúvidas de que o ato foi um assassinato, enquanto a defesa alega que a vítima pode ter morrido em decorrência de outras questões, inclusive por problemas cardíacos ou de overdose.

Neste segunda, devido à repercussão da morte de Daunte Wright, o principal advogado de Chauvin, Eric J. Nelson, pediu à Justiça que os jurados do caso Floyd fossem isolados e ficassem incomunicáveis para que os novos protestos nas ruas não exerçam algum tipo de influência sobre suas decisões.

Segundo o próprio Nelson, as duas mortes têm elementos em comum, e os jurados, entre os quais há ao menos um morador de Brooklyn Center, poderiam se sentir pressionados a condenar Chauvin para encerrar uma possível nova onda de manifestações nas ruas.

O promotor Steve Schleicher se opôs ao pedido, dizendo que o tribunal não poderia reagir a “todos os eventos mundiais que possam afetar a atitude ou estado emocional de alguém” isolando os jurados. A Justiça negou o pedido da defesa, e o julgamento foi retomado como previsto.

No mês passado, os deputados americanos aprovaram um projeto de lei que proíbe táticas policiais controversas e facilita o caminho para ações judiciais contra agentes que violarem direitos constitucionais de suspeitos. O texto ainda precisa ser aprovado pelo Senado.

A “Lei George Floyd de Justiça no Policiamento” inclui medidas como a proibição de estrangulamentos durante a ação policial, o fim dos mandados de segurança que permitem que os agentes entrem em lugares sem se anunciarem —como na ação que matou Breonna Taylor— e a criação de um registro nacional de má conduta policial.

Em uma de suas disposições mais polêmicas, o projeto prevê o fim da “imunidade qualificada”, uma espécie de excludente de ilicitude que, na prática, impede policiais de serem responsabilizados criminalmente por eventuais usos excessivos de força e violações de direitos constitucionais.

A lei determina ainda a obrigatoriedade de câmeras que possam registrar a ação dos agentes, tanto as corporais quanto as que ficam posicionadas nos painéis das viaturas —como no caso de Daniel Prude—, e cria novos modelos de policiamento comunitário, especialmente para bairros de populações minoritárias.