Mestre em microbiologia da Baixada Fluminense é convidado para estudar o coronavírus nos EUA

O Jornal Nacional deste sábado (15) mostrou a história de um dos vários pesquisadores que migraram seus estudos para tentar entender melhor o coronavírus, o mestre em microbiologia Rômulo Neres, que ganhou uma bolsa para estudar o vírus por uma organização dos Estados Unidos.

A trajetória de Rômulo na ciência foi possível graças aos esforços e do incentivo de seu pai, Robson Castro Neres, que trabalha há 22 anos como bilheteiro do sistema de trens do estado do Rio.

Robson ganha R$ 1106 de salário – pouco mais de um salário mínimo – mas se revela um investidor quando o assunto é o incentivo à educação da família.

“Acho que o investimento é a melhor coisa que tem. A própria pessoa saber que tem alguém que acredita nele, investe nela sem a cobrança que tem que fazer, tem que vencer. Eu como pai eu tenho que acreditar nos meus filhos. Se eu não acreditar nos meus filhos quem vai acreditar?”, reflete.

O filho Rômulo é resultado desse investimento. “Ele sempre discutiu muito abertamente com a gente sobre os nossos rumos, sobre a possibilidade de um impacto que a educação poderia ter nas nossas vidas”, lembra Rômulo.

Rômulo está concluindo o doutorado na Universidade Federal do Rio de Janeiro. E, no ano passado, ficou nove meses nos estados unidos a convite da Universidade de Davis, na California, pesquisando chikungunya, tema de sua tese.

Trabalhando como bilheteiro em uma estação da Baixada Fluminense, seu Robson foi fundamental para que o filho seguisse o caminho da pesquisa. A falta de condições materiais criou dificuldades, mas não impediu que Rômulo fosse sempre muito estimulado a se dedicar aos estudos. A principal herança que ele recebeu dos pais foi o amor pelos livros e pela ciência.

Todos na família do Jardim Primavera, em Duque de Caxias, dão prioridade aos estudos. A mãe, a pedagoga Helenita Silva Neres, passou no vestibular aos 40 anos e hoje trabalha numa escola com crianças especiais.

“Sempre tive sede e vontade de estudar de ter uma formação mas nunca tive condições. Aí quando surgiu a possibilidade eu ingressei na faculdade de Pedagogia e a trajetória deles de educação já estava encaminhada”, lembra, referindo-se aos filhos.

A outra filha do casal, Ana Elisa Neres, é formada em direito e acaba de passar na prova da OAB, que permite atuar como advogada.

“Meu pai, quando fui fazer a prova da OAB, via alguma coisa na internet, alguma coisa de Direito [e falava]: ‘Olha tal coisa, você pode usar tal artigo’.

A busca pelo conhecimento é um drible nas estatísticas. Dona Helenita lembra que jovens negros de baixa renda na Baixada Fluminense muitas vezes acabam nas páginas policiais.

“Quando eu falei assim para o jornaleiro: ‘O jornal não pode ter acabado porque saiu meu filho no jornal’, ele arregalou os olhos. Aí eu vi que a notícia era sobre chacina aí eu disse: ‘Meu filho é esse aqui. Ele é cientista e está na mesma página, dividindo ali os noticiários”, lembra.

“Todas as vezes que íamos comprar novos livros, tanto meu pai quanto minha mãe eles faziam esforço, compravam parcelado, entregavam e falavam pra tomar cuidado porque o livro tinha sido caro, investimento de alguns meses

Em junho, Rômulo ganhou uma bolsa de estudos da Dimension Sciences, organização americana de estímulo à ciência, para estudar a genética do coronavírus e suas mutações. Mas devido à pandemia, ele está desenvolvendo a pesquisa nos laboratórios da UFRJ.

Uma conquista que teve participação especial do seu Robson, que ajudou o filho a escolher entre a paixão pela música e a ciência.

‘Ele falou uma vez pra mim que queria ser musico, ele tinha uma banda. Eu falei: ‘Rômulo, o mundo se acabando em doença’… Não que eu fosse contra isso, mas assim, o mundo acabando em doença .[Eu disse]: ‘Você pode fazer a diferença’. Aí acho que ele meio ouviu e hoje ta ai né”, lembra Robson.

“Se eu parar pra pensar, consigo ver eles participando de todas as etapas da minha vida. Meu pai discute comigo todos os projetos que produzo no laboratório. Ele sempre me pergunta: ‘O que você fez hoje? Qual foi o experimento que você fez, a ideia? E, mesmo sem ter uma formação especializada , sem ser da área biológica, ele discute comigo as ideias dos meus experimentos, sugere coisas, alterações. Eu vejo de fato o carinho, a afetividade da presença paterna de ter um pai que se importa comigo”, conclui Rômulo.

Do G1.