A condenação em segunda instância do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT), definida nesta quarta-feira (24) após julgamento pela 8ª turma do TRF-4 (Tribunal Regional Federal da 4ª Região), tornou o petista inelegível de acordo com as regras da Lei da Ficha Limpa, que proíbe a candidatura de políticos condenados por crimes como corrupção e lavagem de dinheiro. Foram exatamente essas as imputações determinadas a Lula pelo tribunal no caso do tríplex no Guarujá (SP).

Entretanto, a decisão de hoje não impede, na prática, o ex-presidente de pedir o registro de candidatura à Justiça Eleitoral e até mesmo fazer campanha e receber votos no dia da eleição – desde que sua prisão, pedida pelos desembargadores do TRF-4, não seja consumada.

Isso porque ele ainda pode apresentar recursos contra a condenação criminal – no STJ (Superior Tribunal de Justiça) e no STF (Supremo Tribunal Federal) – e também com o objetivo de conseguir registrar sua candidatura – na Justiça Eleitoral. Enquanto os recursos não forem julgados em definitivo, o ex-presidente pode atuar como qualquer outro candidato.

A situação jurídica de Lula depende agora de dois fatores: a rapidez da Justiça em julgar os recursos da defesa, tanto no campo criminal quanto no eleitoral, e o sucesso das apelações nos tribunais superiores.

Lula é o pré-candidato do PT à eleição presidencial de outubro e tem liderado as principais pesquisas de intenção de voto para o pleito, sempre seguido pelo deputado federal Jair Bolsonaro (PSC-RJ).

Embargos ao tribunal

O fato de o placar final do julgamento ter sido 3 votos a 0 tirou de Lula a possibilidade de pedir a revisão da condenação dentro do próprio TRF-4. No tribunal, a defesa só poderá apresentar os chamados embargos de declaração, que, em tese, não têm o poder de modificar a decisão, mas apenas esclarecer pontos da sentença.

Enquanto o TRF-4 não terminar o julgamento dos recursos da defesa, não é esperado que a Justiça Eleitoral declare a inelegibilidade do ex-presidente.

Isso porque a instância máxima em processos eleitorais, o TSE (Tribunal Superior Eleitoral), entende que o candidato só pode ser considerado inelegível depois de julgados todos os recursos no tribunal de segunda instância, que no caso é o TRF-4.

Recurso ao STJ e ao STF

Mesmo se a 4ª Turma do TRF-4 não acatar as apelações de Lula, ele pode recorrer de duas maneiras ao STJ e ao STF. Além de pedir que a sentença seja revista, a defesa pode solicitar que os tribunais suspendam de forma liminar (provisória) os efeitos da condenação do TRF-4 até que o caso seja julgado em definitivo.

Isso poderia levar o TSE a não declarar a inelegibilidade do ex-presidente, com o argumento de que, se a condenação em segunda instância está suspensa, então também deve cair seu efeito de determinar a inelegibilidade do candidato.

Mas esse eventual desdobramento do caso não é dado como certo no meio jurídico. Alguns defendem que, mesmo obtendo sucesso no recurso ao STJ ou STF, a Justiça Eleitoral deve de imediato cassar a candidatura do condenado em segunda instância.

“Essa é a dúvida mais cruel desse processo. Esse efeito suspensivo pode tratar da inelegibilidade ou não?”, diz o advogado Daniel Falcão, professor de direito eleitoral da USP (Universidade de São Paulo) e do IDP (Instituto Brasiliense de Direito Público).

“Se é um processo criminal, em tese esse efeito suspensivo só deveria incidir sobre questões criminais desse processo. Existe essa dúvida entre os estudiosos do direito eleitoral, do direito penal: se o efeito suspensivo, nesse caso, tem reflexos na inelegibilidade ou não”, afirma Falcão.

Recurso à Justiça eleitoral

Mesmo se tiver a candidatura rejeitada pela Justiça Eleitoral, Lula ainda pode apresentar recursos ao próprio TSE, e também ao STF, para pedir seu registro como candidato. No caso dos candidatos à Presidência da República, é o próprio TSE quem analisa os pedidos de registro.

A advogada Carol Clève, presidente do conselho consultivo do Iprade (Instituto Paranaense de Direito Eleitoral), afirma que Lula poderá continuar na campanha mesmo se tiver o pedido de registro de candidatura inicialmente indeferido pelo TSE.

Isso porque a Lei das Eleições permite que o candidato continue na disputa enquanto a legalidade de sua candidatura é discutida na Justiça Eleitoral.

“O fato é que ele pode concorrer à eleição. Pode fazer os atos de campanha normalmente”, diz.

E se a situação se resolver só após a eleição?

Se a Justiça só definir a situação da candidatura de Lula após a eleição de outubro, são duas as principais possibilidades jurídicas.

– Primeira hipótese: se a condenação for suspensa até o fim da eleição e a candidatura for autorizada

Se isso ocorrer, Lula, sendo o candidato mais votado, pode ser eleito e tomar posse.

Como a Constituição Federal afirma que o presidente da República só pode ser processado por fatos que tenham relação com o mandato, é esperado que, se Lula for eleito, os processos contra ele anteriores ao mandato fiquem suspensos, incluindo a condenação pelo tríplex do Guarujá (SP).

– Segunda hipótese: se a condenação for mantida até o fim da eleição e a candidatura não for autorizada

Neste caso, os votos obtidos por Lula poderão ser considerados nulos quando a Justiça Eleitoral julgar em definitivo os recursos sobre a candidatura.

Após ter o registro de candidatura negado, Lula até pode recorrer da decisão e participar da campanha até que todos os recursos ao TSE sejam julgados. Mas se o tribunal não acatar as apelações, ele pode perder os votos e o mandato.

O advogado Daniel Falcão explica que os votos dados a candidatos que tem a candidatura posteriormente rejeitada são considerados nulos e, por isso, seria preciso realizar uma nova eleição.

Para a advogada Carol Clève, o ineditismo de uma candidatura presidencial com esse tipo de contestação jurídica dificulta previsões sobre o posicionamento do TSE no caso.

“Vai ser a primeira vez que o TSE vai ser testado a se posicionar. Então tudo é muito novo e está tudo muito nebuloso ainda. Vamos ver o que vai acontecer”, afirma a advogada.