Mais de 100 crianças vítimas de violação de direitos aguardam novo lar na PB

Era uma vez a vida de Clara. Ela cresceu em um casebre com seus pobres pais lavradores e foi capaz de despertar o amor de um belo príncipe. Clara era uma menina que possuía sonhos como todas as jovens de 16 anos, mas era diferente em um único quesito: ela não passava de uma tinta de caneta azul discorrida nas linhas de um velho diário.

A bela história da menina do conto de fadas foi fruto da imaginação de Lívia, Stephanie e Soraya, três amigas que dividiam vidas parecidas: as três são crianças que moravam em uma das instituições de acolhimento mais antigas da Capital, o Lar Jesus de Nazaré, que tinha sua sede no bairro de Jaguaribe sob supervisão estadual e que, desde dezembro de 2012, está sob a responsabilidade da Prefeitura de João Pessoa em uma nova sede.

Instituição de acolhimento é a nova nomenclatura adotada para se referir aos antigos orfanatos e casas de abrigo para crianças em situação de adoção ou negligenciadas pelos pais ou responsáveis. No caso das crianças retiradas do seio familiar, grande parte sofreu algum tipo de violação de direitos, enquadrando-se entre os mais comuns a negligência e as violências psicológica e física.

Atualmente, em João Pessoa, existem seis casas ligadas ao Governo Municipal especializadas em tratar esses tipos de caso, onde cada uma das unidades possui capacidade máxima de 20 acolhidos. Além das instituições ligadas à Prefeitura, existem outras três, sendo essas, Organizações Não Governamentais (ONG), que também auxiliam na causa dos menores.

Infância é estatística

No cenário municipal, atualmente, existem 107 crianças e adolescentes acolhidos em instituições apropriadas, onde 47 deles estão aptos à adoção. Os outros 62 menores aguardam uma reestruturação do seio familiar para que possam ser reintegrados. A procura maior para adoção é de crianças de até três anos. O tempo máximo pelo qual elas podem passar na casa é de dois anos, no entanto, os prazos sempre acabam se estendendo, pois muitas dessas crianças teriam destinos incertos caso fossem retiradas da instituição.

A Paraíba é o 14º Estado no país em número de denúncias de violação de direitos de crianças e adolescentes. Entre janeiro e novembro deste ano, foram registradas 2.197 denúncias no Disque 100, da Secretaria de Direitos Humanos da Presidência da República. O Estado com maior número de casos é São Paulo, com 17.298 registros.

violação de direitos
Fonte: Secretaria de Direitos Humanos da Presidência da República

 

No panorama nordestino, a Paraíba figura como quinto colocado, ficando atrás para Bahia (5.516), Pernambuco (3.150), Ceará (3.108) e Maranhão (2.552).

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Fonte: Secretaria de Direitos Humanos da Presidência da República

As principais violações de direitos de crianças e adolescentes denunciadas neste Disque são negligência (787), violência psicológica (534), violência física (511), violência sexual (311) e outros tipos de violações que contabilizam 54 registros.

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Fonte: Secretaria de Direitos Humanos da Presidência da República

Já os dados do Disque 123 do Governo do Estado, refletem de forma similar, a demanda dos dados expostos anteriormente. Entre janeiro e agosto deste ano, foram 540 denúncias de violação de direitos de crianças e adolescentes. Destes, 358 foram sobre crianças violadas, representando 66,30% do total.

Fonte: Secretaria de Estado do Desenvolvimento Humano da Paraíba
Fonte: Secretaria de Estado do Desenvolvimento Humano da Paraíba

As principais violações nesse meio são negligência e violências psicológica e física contra crianças e adolescentes. E mais uma vez, as crianças são as mais acometidas. Foram denunciadas, neste período, 183 casos de negligência, em que 33,8% era de meninos e meninas abaixo dos 10 anos de idade; 155 casos de violência psicológica, sendo 28,17%; e, 88 de violência física, representando 16,30%.

Fonte: Secretaria de Estado do Desenvolvimento Humano da Paraíba
Fonte: Secretaria de Estado do Desenvolvimento Humano da Paraíba

E nos Centros de Referências Especializados de Assistência Social regionais na Paraíba (Creas) já não são mais denúncias, mas sim casos de violações a este público que passam por atendimento psicossocial. Foram registrados entre janeiro e agosto deste ano, 789 casos de crianças e adolescentes violadas em seus direitos.

Meta é reintegrar à sociedade

De acordo com Expedito Carvalho, coordenador da Proteção Social Especial de Alta Complexidade da Secretaria de Desenvolvimento Social de João Pessoa (Sedes), as instituições realizam “apenas” o acolhimento, o que já se traduz em uma medida preventiva integral.

“A partir do momento em que a criança é acolhida, ela passa a ter toda a proteção, que vai desde a questão da alimentação, da escolarização, da assistência a saúde, tudo o que a Constituição prevê de garantia individual, a casa passa a garantir”, explicou.

Atualmente, houve um reordenamento proposto pela nova política de assistência social no que tange aos serviços de acolhimento. As antigas instituições, hoje, devem funcionar como uma estrutura de casa, por isso, foram abolidos todos os equipamentos de políticas públicas utilizados que funcionavam dentro do ambiente institucional e que davam suporte aos acolhidos.

“A escola funcionava dentro do orfanato, a saúde funcionava dentro do orfanato. Hoje não. As crianças, atualmente, se utilizam de todos os equipamentos dispostos também a comunidade. Não é porque elas estão fora do seio familiar que não sejam cidadãos de direito. Se trabalha também a perspectiva de reinserção dentro da sociedade”, declara o coordenador.

Para a integração das crianças nas instituições referidas só existem duas portas: os Conselhos Tutelares que podem, excepcionalmente, fazer esse acolhimento ou a Vara da Infância e da Juventude. De acordo com a nova política da reformulação da lei de adoção, para que o menor seja inserido na instituição , é necessária uma expedição de acolhimento assinada pelo juiz, por esse motivo, a Vara entra como atuante neste processo.

Clara foi apenas Clara. Com raízes, mas sem sobrenome. Clara era o reflexo da vivência de três meninas de dez anos que conheciam de perto a necessidade de sonhar com os pés no chão. Mas Clara tinha asas e seu destino de vôos sempre foi o futuro. “Um dia alguém daquela geração continuará essa história fascinante”, era a frase que fechava o conto de fadas protagonizado pelo sonho de crianças que não queriam um ponto final, mas uma reticência em suas verdadeiras histórias.