Lula bate recorde e é o presidente que mais editou medidas em 48h

Último governo com tantas medidas logo no início havia sido justamente o do primeiro presidente eleito pelo voto direto após a ditadura militar

A disposição de “reconstruir” o país, tônica de seu discurso de posse, fez o presidente Luiz Inácio Lula da Silva assumir o governo com um extenso pacote de medidas para desfazer atos e marcas do antecessor, Jair Bolsonaro. O caráter de revogaço levou o petista a estabelecer um recorde desde a redemocratização: com 52 decretos e quatro medidas provisórias assinadas, ele se tornou o chefe do Executivo que mais atos editou nas primeiras 48 horas no cargo. A eles, somou-se uma enorme leva de exonerações da administração federal de bolsonaristas alocados em cargos comissionados. Na lista de dispensa estão nomes como Filipe Martins, da ala “ideológica” do bolsonarismo e que ocupava o cargo de assessor especial de Assuntos Internacionais da Presidência.

O último governo com tantas medidas logo no início havia sido justamente o do primeiro presidente eleito pelo voto direto após a ditadura militar, Fernando Collor de Mello, que assumiu em 1990. Na época, utilizou a caneta presidencial para assinar 28 MPs e decretos nos seus primeiros dias no cargo. A medida de maior impacto foi o Plano Collor, que determinou o confisco da poupança, em uma tentativa de conter a hiperinflação.

A necessidade de reconstruir o país após quatro anos de Bolsonaro também deu o tom de discursos de ministros que tomaram posse ontem. Ao assumir a Casa Civil, Rui Costa, por exemplo, disse que um dos desafios na pasta será descobrir quantas obras precisará retomar:

— Isso é a demonstração do caos que estamos recebendo — afirmou Costa durante cerimônia no Palácio do Planalto pela manhã.

Horas depois, também no Planalto, o novo ministro da Secretaria-Geral da Presidência da República, Márcio Macêdo, foi na mesma linha ao se referir a extinção de conselhos populares:

— O que se viu no último governo foi o desmonte de participação popular.

Um reflexo das críticas à herança deixada pelo governo Bolsonaro foi a ausência dos ex-ocupantes da pasta nas cerimônias de posse, como tradicionalmente costuma ocorrer. A exemplo do que fez Bolsonaro ao ignorar o rito democrático da passagem de faixa, a maioria dos seus ministros também não participou da transmissão do cargo aos novos titulares. Dos 18 eventos realizados ontem, em apenas três os antigos donos da cadeira participaram — Paulo Sérgio Nogueira Oliveira, na Defesa, Carlos França, nas Relações Exteriores, e Paulo Alvim, na Ciência, Tecnologia e Inovação.

A passagem de bastão em alguns dos ministérios também foi marcada por protocolos antes impensáveis na Esplanada dos Ministérios. Se em 2019 a então ministra Damares Alves assumiu com o discurso que “meninos vestem azul e meninas vestem rosa”, em ao menos três cerimônias ontem locutores adotaram a linguagem neutra para saudar os presentes.

— Agradeço a presença de todos, todas e todes — disse a cerimonialista que anunciou o evento de posse de Fernando Haddad na Fazenda. O “todes” foi repetido nas cerimônias de Macêdo, da Secretaria-Geral, e de Margareth Menezes, da Cultura.

Sal grosso

Antes de Haddad tomar posse, pela manhã, um grupo de manifestantes chegou a jogar sal grosso em uma das entradas do ministério, numa simpatia popularmente associada à crença que o ritual promove a “limpeza” de locais que eram habitados por espíritos ruins.

No primeiro dia útil do novo governo, o Palácio do Planalto teve movimentação intensa ontem. Além das cerimônias de posse dos chamados “ministros palacianos”, que congestionou o acesso ao prédio, funcionários do novo governo já chegavam para ocupar suas salas para o primeiro dia trabalho — em alguns casos, encontravam o lugar ocupado por servidores da gestão Bolsonaro.

Apesar da série de decretos e outros atos assinados, o presidente, contudo, ainda não chegou a ocupar o gabinete presidencial propriamente dito. No primeiro dia após a posse, Lula se dedicou a reuniões bilaterais com chefes internacionais ou seus representantes no Itamaraty. Eram 17 encontros previstos, mas houve tempo apenas para 10. Na reunião com o presidente da Argentina, Alberto Fernández, sobrou espaço até mesmo para discutir futebol — com direito a provocação do argentino pela vitória da seleção de Messi na Copa do Mundo.

Enquanto isso, a primeira-dama, Rosângela Silva, a Janja, visitou ontem o Palácio da Alvorada, residência oficial da Presidência, para onde ela e Lula devem se mudar futuramente. A intenção do casal, porém, é continuar hospedado no hotel no centro de Brasília nos primeiros dias de governo. No fim do dia, Janja também participou da posse da cantora Margareth Menezes na Cultura. Do O Globo.