Loucura toma conta da CMJP: vereadora pede prisão de cantora e outro quer proibir a Netflix

A loucura neoconservadora tomou conta da Câmara Municipal de João Pessoa (CMJP). É com imenso desprazer que vejo a onda devorar o legislativo da capital de todos os paraibanos. De certo ponto, é um movimento que se assemelha ao que vem acontecendo no governo Bolsonaro, onde a sanidade questionável parece ser um dos pré-requisitos para fazer parte da gestão. Como não lembrar, para citar um caso mais recente, do novo presidente da Funarte, Dante Mantovani, que afirmou que o rock leva ao satanismo e ao aborto?

Apenas ontem, dois votos de repúdio altamente ridículos e desnecessários foram aprovados e nos fazem questionar se os nossos representantes, que ganham uma nota alta para trabalhar, não têm nada melhor para fazer. Neste parágrafo, faço uma menção honrosa à vereadora Sandra Marrocos, que se posicionou e votou contra as duas propostas. Os que votaram a favor, sequer merecem ser mencionados. Que a inexorabilidade do tempo trate de lhes dar o merecido esquecimento.

O primeiro foi à Netflix, uma empresa bilionária multinacional que veiculou em seu catálogo um filme produzido pelo Porta dos Fundos, que faz representações alternativas de Jesus Cristo, Deus e diversos ícones do Cristianismo. No já tradicional “Especial de Natal”, Jesus foi representado como sendo gay e, não apenas isso, mas este fator foi o maior motivador da indignação dos vereadores e dos fundamentalistas religiosos em geral. Pessoas que, certamente, tivessem nascido imersos na cultura de uma comunidade islâmica radical, estariam se explodindo por aí, pois não conseguem enxergar a pluralidade da vida. Nascem e morrem com uma viseira.

Eles agem como se fossem detentores da marca registrada de Jesus e de todo o Cristianismo, proibindo, censurando e vetando qualquer um de usar da liberdade de expressão e de arte para fazer releituras de personagens históricos. Vociferam contra o politicamente correto para justificar todo o tipo de atrocidade e discursos de ódios que reproduzem, mas recorrem a ele no primeiro segundo em que algo que acreditam é questionado. Uma vereadora está mobilizando uma petição para proibir o filme. Isso mesmo: proibir; enquanto outro alienado sugeriu que as emissoras de internet proibissem o acesso ao Netflix.

Quantos votos de repúdio foram elaborados por esses vereadores contra cristãos que depredam locais sagrados para umbandistas e adeptos de religiões de matriz afro? É com a intolerância religiosa que eles estão preocupados, fazendo vista grossa com a violência sofrida por aqueles que são minoria religiosa no país?

A outra vítima da “cagação de regra” dos vereadores foi a cantora Ludmilla, que fez uma música chamada “Verdinha”, no qual se refere ao uso recreativo da maconha. Uma vereadora chegou ao absurdo de pedir A PRISÃO da artista pela canção. Por que então ela não faz uma retrospectiva e confecciona votos de repúdio e de prisão para Bezerra da Silva, Gabriel o Pensador, Lulu Santos, Marcelo D2, BNegão, Pepeu Gomes, Zé Ramalho, Gilberto Gil, O Rappa, Tim Maia, Roberto Carlos, Erasmo Carlos e dezenas de outros artistas que fazem referência ao uso da maconha em suas músicas?

Aonde essa loucura vai chegar? Estamos ao ponto de nos tornamos uma sociedade distópica, decadente, sim, porque os valores são perpetuados pela imposição, pela censura e não mais pela compreensão de que aquilo é bom e deve ser cultivado. Qualquer um que tente alterar a compreensão vigente sobre algum elemento da realidade tem que ser preso, censurado, calado? Não, meu irmão…

Sou assinante do Netflix, mas como não é a minha vibe filmes de humor, sequer tinha sido sugerido para mim o filme do Porta dos Fundos na página principal do aplicativo. Eu também não gosto da cantora Ludmilla e de do funk em geral, se brincar, sequer sei o nome de alguma música dela, além da “Verdinha”. Tudo o que vocês estão fazendo é dar visibilidade a essas produções que vocês repudiam, dando a elas mais alcance. E parabéns, estão conseguindo fazer isso com muito sucesso.

Buscando aqui rapidamente na memória, lembro de um filme musical dos anos 70 chamado Jesus Cristo Superstar, no qual Judas é retratado como uma pessoa lúcida e questionadora e Jesus como um homem cheio de inseguranças, incertezas e medos. A produção foi proibida pela Igreja Católica de ser assistida pelos seus fiéis. Hoje, a produção é lembrada como um dos musicais mais icônicos da história do audiovisual e igrejas de todas as vertentes fazem peças baseadas na produção. Todos os anos, vários países do mundo têm a sua versão de Jesus Cristo Superstar.

Os cães ladram, mas a arte e a liberdade de expressão passam. Não há voto de repúdio, proibição ou censura que possam parar o movimento artístico. Pelo contrário, a história mostra que esse tipo de polêmica em torno dessas produções as promovem gigantescamente. Por este lado, fico feliz com a movimentação dos vereadores, em fazer propaganda gratuita das produções – embora eu não vá consumi-las por uma questão de gosto pessoal, mas tem tanta gente que gosta e não sabia, agora sabe. Por outro, fico preocupado com a insanidade que está chegando cada vez mais pertinho da porta da minha casa.