‘Lampião Verde: A Maldição da Botija’ leva o sertão ao mundo dos games

Em algum lugar do nordeste brasileiro na década de 70, um velho moribundo se diz Lampião, o mais perigoso cangaceiro do sertão. Antes de morrer ele quer recuperar a botija em que deixou guardado seus tesouros. Apesar de moribundo, o velho também é vaidoso e de dentro da botija ele tira um anel que rapidamente coloca no dedo. O que o velho não sabia é que a botija carregava uma maldição liberada pelo anel: de repente, as assombrações das vidas que ele tirou aparecem e todos são sugados pra dentro da botija. Direto pro sertão profundo.

Esse é o enredo de Lampião Verde: A Maldição da Botija, jogo de RPG para PC que está sendo desenvolvido pela produtora paraibana Narsvera. A história se passa em três estados nordestinos, Bahia, Pernambuco e Paraíba, mas o verdadeiro cenário “é o imaginário do povo nordestino”, como disse Rubem José Vasconcelos de Medeiros, o criador do game, em conversa por telefone com a GALILEU. “Saci Pererê e essas coisas de folclore são legais, mas a gente quis mostrar uma cultura viva”, explica o paraibano de Campina Grande.

Sobre cultura viva, leia-se: além do protagonista – que surgiu como uma paródia do Lanterna Verde, personagem da americana DC Comics – estão lá Maria Bonita (“mais atrevida, ela já estava no sertão profundo e seus poderes são relacionados à dança”), o Homem da Meia Noite(inspirado nos bonecos de Olinda, faz parte de uma tribo de gigantes que não podem mais usar os braços) e Hermetuca (híbrido de Hermeto Pascoal e Sivuca, é um sábio que tem o poder de fazer música com qualquer objeto do mundo). “O mundo do jogo é o sertão profundo. Elomar Figueira Mello, um cantador da Bahia, diz que tem o sertão de fora – o sertão da seca, dos problemas – e tem o sertão de dentro, o sertão profundo, onde as lendas têm vida”, conta Rubem.

 (Foto: Narsvera)

A ideia do Lampião Verde surgiu quando uma banda de rock pediu pra produtora de Rubem fazer um game com paródias de super-heróis. Quando, no meio de um brainstorm, alguém teve a ideia do Lampião Verde, eles perceberam que ali estava um jogo inteiro e não só um personagem. O cliente acabou desistindo e o Lanterna Verde do Sertão Profundo começou a ganhar vida. Os mais de 7.600 membros da fanpage do jogo noFacebook participam ativamente da criação do jogo, que está sendo desenvolvido de maneira colaborativa. “O jogo não é só nosso. É do nordeste”, crava Rubem. “Somos muito responsáveis com relação a isso”.

Dessa interação surgiu a ideia de um dos chefões do jogo. Na tradição dos cantadores do Nordeste fala-se muito de dragões, como analogias dos obstáculos do dia a dia. Uma das pessoas que seguiam a página no Facebook então lembrou do filme O Dragão da Maldade Contra o Santo Guerreiro, de um dos maiores cineastas brasileiros, o baiano Glauber Rocha. Essa citação fez com que os desenvolvedores criassem um chefão que fosse um camaleão gigante, uma espécie de analogia da analogia. Os chefões do jogo são representações dos vícios de Lampião, como a maldade (camaleão) e a luxúria na pele do galo da madrugada, nome do maior bloco do carnaval de Recife.

O mapa do game (Foto: Narsvera)

Segundo Rubem, a ideia é que o Lampião Verde seja uma franquia transmídia. Além do game, está sendo preparada uma revista em quadrinhos chamada Lampião Verde e a Pavoa Devoradora de Mundos, nome tirado de Zé Limeira, o poeta do absurdo (ou “o surrealista dos pobres”), conhecido por ganhar todas as batalhas de repente com rimas sem nexo mas com uma métrica perfeita.

 (Foto: Narsvera)

O Lampião Verde está com uma campanha de financiamento coletivo no Kickante. Até o fechamento dessa matéria, R$ 10.798 haviam sido doados por 134 pessoas – a meta é arrecadar R$ 30 mil até o dia 12 de dezembro. “O grande objetivo foi mostrar ao público que esse tipo de jogo existe. No brasil quase ninguém conseguiu fazer um crowdfunding de jogos dar certo”.  A previsão é que o jogo seja lançado em setembro de 2016.  A trilha sonora(formada por xaxado, forró, maracatu, frevo e coco) será toda original e composta por músicos de Campina Grande – se o financiamento coletivo rolar, uma orquestra será contratada.

Sobre a carência de personagens e heróis brasileiros na produção cultural de games e HQs, Rubem acha que “isso não tá bem correto”. “Rola um certo receio, um medo de nada dar certo”, diz. Mas o que mais surpreendeu o desenvolvedor até agora foi a reação dos mais jovens durante a divulgação do game em feiras. “A criançada se empolga demais. Se tudo aquilo estivesse em um livro didático, seria mais ou menos”. As informações são da Revista Galileu.