Juiz condena presos em operação que ocorreu na Paraíba pela Lei Antiterror

O juiz federal Marcos Josegrei da Silva, da 14ª Vara Federal, em Curitiba, usou pela primeira vez a nova Lei Antiterror brasileira para condenar oito acusados de terrorismo na Operação Hashtag, que ocorreu na Paraíba e em mais oito estados do país.

“Há expressa referência a centenas de diálogos, imagens, vídeos e postagens realizadas diretamente e/ou compartilhadas pelos denunciados que demonstrariam os indícios materialidade de autoria do crime previsto no artigo 3o da Lei no 13.260/16, na modalidade de promoção de organização terrorista”, informa o juiz, em sentença da quinta-feira, 4.

“Há referência a diversas postagens realizadas anteriormente à vigência da Lei no 13.260/16 que permaneceram nos perfis dos denunciados posteriormente à vigência da citada Lei (crimes permanentes).”

O magistrado impôs 15 anos, dez meses e cinco dias de reclusão a Leonid El Kadre de Melo, 6 anos e 11 meses de prisão a Alisson Luan de Oliveira, 6 anos e 3 meses a Oziris Moris Lundi dos Santos Azevedo, a Levi Ribeiro Fernandes de Jesus, a Israel Pedra Mesquita, a Hortencio Yoshitake e a Luis Gustavo de Oliveira e 5 anos e 6 meses a Fernando Pinheiro Cabral.

“Trata-se de tipo de ação múltipla e pluriofensivo cujas objetividades jurídicas são, primordialmente, a paz e a incolumidade públicas, mas também a vida, a integridade física e o patrimônio. Na modalidade ‘promover’, ‘constituir’ ou ‘integrar’ é crime permanente. O dolo é o genérico.”

Os acusados se dedicaram, entre 17 de março e 21 julho de 2016, a promover a organização terrorista denominada Estado Islâmico do Iraque e do Levante (ou da Síria, dependendo da tradução do termo ‘al-Sham’. No original em árabe: ‘Al-Dawla Al-Islamiya fi al-Iraq wa al-Sham’), apontou a acusação criminal do Minstério Público Federal.

Na acusação, o Ministério Público Federal afirmou que a lei 13.260/16 “não constitui uma inovação legislativa brasileira, sendo que a incriminação de condutas voltadas ao apoio e à promoção de atos e organizações terroristas se vincula, na realidade, a uma já consolidada tendência internacional de repressão e de prevenção do terror”.

“Nesse sentido, destacou as resoluções do Conselho de Segurança da ONU; Convenção Européia para Prevenção ao Terrorismo de 2005; Código Penal Espanhol; Código Penal Italiano; Código Penal Alemão; Código Penal Belga; Código Penal Francês; Legislação do Reino Unido.”

O juiz da Hashtag explicou em sua sentença que “a imputação atinente ao artigo 3o da Lei no 13.260/2016 está relacionada às postagens em redes sociais de promoção a grupos extremistas realizadas individualmente pelos denunciados, a despeito das comunicações verificadas em grupos de redes sociais e aplicativos de comunicação instantânea”.

Defesa. As defesas dos condenados contestaram o enquadramento dos atos praticados pelos réus na Lei Antiterror. Entre outras coisas, alegaram que “a conduta de ‘promoção de organização terrorista’ prevista no artigo 3.º da referida Lei não se confunde com o conceito de promoção pretendido pela acusação enquanto qualquer difusão de ideologia terrorista”. As defesas ainda ressaltaram “o direito à livre manifestação” para pedir a absolvição.

Na sentença, da quinta-feira, 4,  Josegrei pontuou os argumentos dos réus, entre eles, o que contesta a comprovação de que eles praticaram atos terroristas.

“Destacou o fato de não ter sido comprovada a aquisição pelos denunciados de armamentos, explosivos ou componentes químicos destinados à prática de atentados ou sequer algum planejamento de atentado. As ilações acusatórias se baseiam exclusivamente em mensagens ou postagens de internet atribuídas aos acusados, sem qualquer indício de ato concreto destinado à promoção de qualquer organização terrorista. Não há elementos comprobatórios aptos a sequer evidenciar o engajamento criminoso dos acusados, existindo apenas um relacionamento virtual entre alguns deles. Somente existem conversas virtuais ou postagens, nada mais.”

Internacional. O juiz da Hashtag passou os últimos dois meses debruçado na literatura jurídica internacional e analisando casos pelo mundo de enfrentamento ao terror, para elaborar sua sentença.

“O repúdio ao terrorismo configura um dos princípios constitucionais fundamentais das relações internacionais contidos na Carta da República brasileira, estando expresso no artigo 4o, VIII, da Constituição Federal de 1988.”

Josegrei, sustenta na sentença que “não há qualquer dúvida acerca da legitimidade constitucional da criminalização de condutas relacionadas ao terrorismo, bem como da potencialidade lesiva acentuada das ações levadas a cabo por indivíduos que aderem a organizações desse jaez”.

Condenação. Foram condenados por promoção de Organização Terrorista e associação criminosa Alisson Luan de Oliveira, Oziris Moris Lundi dos Santos Azevedo, Israel Pedra Mesquita, Levi Ribeiro Fernandes de Jesus, Hortencio Yoshitake e Luis Gustavo de Oliveira. Além desses crimes, Leoni El Kadre de Melo foi considerado culpado também por recrutamento com o propósito de praticar atos de terrorismo. Fernando Pinheiro Cabral foi condenado por promoção de Organização Terrorista.

Durante a investigação, o grupo, integrado por brasileiros, foi monitorado principalmente após as autoridades brasileiras receberem um relatório do FBI americano. Os investigados foram presos em nove estados (Paraná, Amazonas, Ceará, Paraíba, Goiás, Minas Gerais, Rio de Janeiro, São Paulo e Rio Grande do Sul) em 2016.

Por meio de quebras de sigilo telefônico, as autoridades rastrearam redes sociais, sites acessados e as mensagens trocadas entre o grupo pelo aplicativo Telegram, e verificaram intensa comunicação entre os integrantes, conclamando interessados a se organizar para prestar apoio ao Estado Islâmico, inclusive com treinamento já em território brasileiro.

De acordo com as investigações, alguns dos envolvidos chegaram a noticiar a realização do “batismo” ao Estado Islâmico, conhecido como “bayat” – juramento de fidelidade exigido pela organização terrorista para o acolhimento de novos membros.

Também foram identificadas mensagens de celular relacionadas à possibilidade de se aproveitar o momento dos Jogos Olímpicos do Rio, no ano passado, para a realização de ato terrorista (inclusive com diálogos sobre como confeccionar bombas caseiras).

“O crime de organização criminosa (art. 288 do Código Penal) decorreria do fato de que os acusados constituíam um grupo estável que tinha como finalidade o cometimento dos mais diversos crimes. Além dos citados acima, deve-se adicionar que afirmavam pretender cometer delitos de preconceito (contra judeus e homossexuais, especificamente), contra o patrimônio (saques e ‘espólios’) e de terrorismo propriamente dito (art. 2o da Lei Antiterror).

Do Estadão