Independente da crise política no país, Ricardo mantém governabilidade na Paraíba

O governador Ricardo Coutinho contrariou ontem, com fatos, durante solenidade no Palácio da Redenção, a máxima de Schopenhauer para quem todo viver seria sofrer.

Nem sempre precisa ser assim. Ao transferir a propriedade de um prédio do Executivo ao patrimônio do Legislativo, para que este possa construir sua nova sede, o governador enfatizou a circunstância de a Paraíba viver em plena governabilidade. Um fato – esse equilíbrio entre os Poderes- capaz de realmente reduzir os sofrimentos impostos pela crise à sociedade.

Dos sofrimentos, não é preciso que se fale muito. Às vezes, um número pode ser capaz de expressar sagas inteiras de desesperança e revolta, um número como este: 11 milhões. De desempregados.

Um número que simboliza o pior da crise, que é também uma queda moral com sua dilapidação dos pactos históricos que formalizam a democracia. Democracia não é só rito, não é só voto, tem conteúdo moral permanente, é a expressão do indivíduo para o coletivo, é contrato ideológico, a funcionalidade do cargo, é o imposto que chega pelos Correios.

A governabilidade aludida por Ricardo no discurso de ontem no Palácio da Redenção é a expressão de condições políticas para a liberdade condicionada pela cidadania com suas responsabilidades e prerrogativas. É o poder gregário do Estado democrático de direito se afirmando, os Poderes interagindo, o dinamismo crítico dos movimentos sociais, as oposições, uma plasticidade histórica e complexa essa da política na Democracia sustentada por uma Constituição.

O evento aconteceu no início da tarde, pouco tempo depois de o novo ministro da Fazenda, Henrique Meirelles, em Brasília, anunciar não só o nome do novo presidente do Banco Central, Ilan Goldfajn, mas principalmente lamentar o curto espaço de tempo de que dispõe o governo interino para definir as propostas com as quais tentará estabilizar a economia. Ele disse que precisava ir devagar, porque tinha pressa. E pouco tempo.

É dando que se recebe

O pacote que está sendo tramado pela equipe econômica interina, e que fatalmente bagunçará mais ainda a mais que bagunçada estrutura da Previdência Social, além de impor aumento de impostos aos esfarrapados bolsos dos contribuintes que mais pagam, depende, no entanto, para sua implantação, do apoio do Congresso Nacional. Senadores e deputados darão a palavra final, seja em nome do cachorrinho da neta, ou em defesa do futuro da nação.

Há o mito de que se Temer teve os votos do Congresso para ocupar, temporariamente, a vaga de Dilma, isso lhe garantiria na Presidência apoio automático para loopings nos voos ao parlamento, principalmente na Câmara. Mas não foi isso que se ouviu nos interstícios do discurso do ministro da Fazenda. Essa governabilidade, a que se referiu Ricardo Coutinho, inexiste em Brasília. Nunca se ouviu tanto por lá aquele trecho mal utilizado da Oração de São Francisco.

É de se esperar que o governo interino não cause mais sofrimento à população com essa inflação em crescimento.

Escolhas que levam ao bem

Muito antes de Schopenhauer, outro sábio, não alemão, mas da Macedônia, apostava que a felicidade resultaria também do hábito de praticar as melhores escolhas. Quem pensava assim era Aristóteles de Estagira. Tanto na sua “Política”, quanto na “Ética a Nicômano”, o sábio vincula a conquista da felicidade à prática cotidiana das escolhas capazes de nos conduzir ao bem comum. Aristóteles sabia o que ensinava. As tragédias gregas diziam bastante sobre os sofrimentos causados por escolhas.

Retornando à modernidade de Schopenhauer, por onde vagueiam o mal-estar da civilização diagnosticado por Freud e a consciência infeliz dialetizada por Hegel, encontramos o pensamento de um contemporâneo do alemão, o inglês Jeremy Bentham. Bentham foi o fundador do utilitarismo, doutrina ética para a qual se deve buscar “a máxima felicidade possível para o maior número possível de pessoas”. Essa máxima foi acolhida pelo liberalismo na perspectiva de que caberia ao indivíduo escapar das sujeições impostas pelo Estado de então através da liberdade individual e da livre iniciativa.

Utilitarismo sob ataque

Karl Marx é quem faz a crítica ao utilitarismo na esteira do confronto e refutação do liberalismo com a sua equação sobre luta de classes, capital, mais valia e a exploração de classe via modo de produção e fetichização da mercadoria e a alienação do operário propiciada pela venda da força do trabalho no capitalismo que se apodera de sua vida e de sua consciência.

Puro sofrimento concentrado numa classe social é o que Marx diagnostica, porque para ele a igualdade que a livre concorrência possibilita só favorece a classe dominante, que inclusive determina a todos os modos de ser, pensar e existir.

Ao persistir ontem no seu elogio à governabilidade enquanto ponte ao bem comum, o governador Ricardo evocou a trajetória das buscas pela democracia, seus agentes provocadores, suas transformações e meios de realização. Um momento pleno de política. Sublime e banal.

(Reproduzido do jornal A União, 18/05/2016)