Incêndio destrói obras de arte em galpão com peças de principais artistas do país

Um incêndio destruiu obras de arte num galpão em Taboão da Serra, na Grande São Paulo, com peças dos principais artistas do país nesta quinta-feira (25).

Obras das galerias Nara Roesler, um dos espaços de arte contemporânea mais importantes do país, e com sedes em São Paulo, Rio de Janeiro e Nova York, e Simões de Assis estavam no local.

Artistas representados pela Nara Roesler afirmam que foram informados do ocorrido naquele mesmo dia à noite, mas que não sabem da extensão do incêndio ou se suas obras foram atingidas.

De acordo com pessoas próximas à galeria, havia milhares de obras de artistas de peso do mercado global armazenadas ali, entre eles Abraham Palatnik, Antonio Dias, Tomie Ohtake, Laura Vinci e Vik Muniz. Eles também dizem que mais de 2.000 obras do espaço estavam no galpão.

A cena do incêndio, que não deixou feridos, se repete há décadas no país, principalmente em museus, como o Museu Nacional e o Museu de Arte Moderna do Rio de Janeiro.

Agora, no entanto, o fogo destrói peças de um acervo privado de uma das galerias mais poderosas do Brasil.

Abraham Palatnik, por exemplo, bateu recorde de venda num leilão em Nova York em 2013, com uma obra arrematada por US$ 785 mil. Vik Muniz teve um trabalho vendido em 2015 por US$ 293 mil, e uma peça de Antonio Dias foi arrematada por US$ 434,5 mil em 2012. O prejuízo pode chegar a R$ 100 milhões, segundo agentes do mercado.

A assessoria da Nara Roesler diz que ainda não sabe da extensão dos danos e que estão levantando quais obras estavam no espaço e que peças foram danificadas.

“Haverá perdas que não podem ser substituídas. Isso é muito triste para uma galeria que tem uma história tão longa e rica como a da Nara”, afirma Vik Muniz, representado pela galeria.

Ele explica que o espaço também armazenava acervos de exposições móveis, mas que está menos preocupado com a possível perda de suas próprias obras e lamenta mais as peças dos nomes que já morreram.

“Da mesma forma que eu fiz uma vez, eu faço duas vezes”, afirma. “Há artistas que não estão mais conosco, e isso configura uma perda para a cultura nacional.”

É o caso da artista Tomie Ohtake, que morreu em 2015 e teve uma de suas maiores tapeçarias destruída no incêndio que acabou com parte do auditório do Memorial da América Latina, em 2013.

Tanto Ohtake quanto Palatnik, inclusive, bateram recordes em leilão de Nova York no mesmo ano do incêndio no memorial, com obras vendidas a US$ 81,2 mil e US$ 785 mil, respectivamente.

Já a galeria Simões de Assis tinha ali 13 esculturas históricas do artista Emanoel Araújo que estavam em trânsito para uma mostra dele nos Estados Unidos.

‘Caboclo Sultão’, uma das 13 esculturas do artista Emanoel Araújo que estava em galpão atingido por incêndio

“Foi realmente uma fatalidade que aconteceu e várias galerias estavam deixando obras estocadas com eles”, diz Guilherme Simões de Assis, sócio da galeria Simões de Assis. “São obras históricas de um artista que já tem 80 anos de idade e está tendo um reconhecimento no exterior. É um pedaço da arte brasileira que vai embora”, afirma o sócio, sobre as esculturas de Araújo.

O próprio artista disse que foi um “choque enorme” a notícia de que suas obras estavam no incêndio. “Quando você perde uma obra, é muito difícil porque não dá para reconstruir. É uma coisa feita no passado, está perdida mesmo”, diz Araújo. “É um abalo moral à obra e ao artista”, afirma. “Não tem justificativa, é uma falta de atenção, de responsabilidade. Pode falar o que quiser, mas nada que se disser resolve.”

O galpão estava num processo de migração de obras para um novo espaço. Em nota, o grupo Alke, dono do galpão, afirma que ainda não há estimativa de valores de obras atingidas no incêndio.

A empresa, especializada em logística, também diz que nunca existiu caso semelhante no grupo e que “estava em dia com o auto de vistoria do Corpo de Bombeiros, licença que comprova legalmente que o estabelecimento está seguro”.​

Outras galerias paulistanas importantes, como Luciana Brito, Vermelho e Zipper, relataram trabalhar com frequência com os serviços da Alke –a empresa faz transportes internacionais, por exemplo. As duas últimas disseram que não tinham obras no galpão naquele momento, no entanto.

Luciana Brito afirma que ainda aguarda a avaliação dos danos, mas que grande parte do acervo da galeria já havia sido transferido para o novo galpão.

“Hoje estamos de luto pela memória da arte e por nossos colegas, artistas, galeristas, colecionadores e pelos amigos da Alke. Nosso carinho mais sincero a todos”, escreveu a assessoria da galeria Vermelho nas redes sociais.

Segundo o Corpo de Bombeiros, o incêndio aconteceu às 17h30, na rua Áurea Tavares, em Taboão da Serra, e o fogo foi controlado com a ação de dez viaturas.

O boletim de ocorrência registra que um empresário do setor de logística, de 33 anos, afirmou que prestadores de serviços, ao abrirem o portão do depósito, viram que o fogo começou na parte superior do armazém.

Ao falar sobre o incêndio, Emanoel Araújo recorda que, quando morava em Nova York e foi apresentado a uma secretária de Cultura da cidade, ela disse que ele vinha “do país que taca fogo nos museus”.

O artista relembra a tragédia no MAM do Rio em 1978 ao falar desse incêndio. O caso é considerado um dos mais graves do país, quando quase todo o acervo do uruguaio Joaquín Torres-García foi destruído.

Em 2008, um incêndio também acabou com grande parte do acervo de Hélio Oiticica e, em 2012, obras valiosas foram destruídas na cobertura do marchand Jean Boghici.

O Museu Nacional também perdeu perdeu a maior parte de seu acervo no incêndio de grandes proporções de 2018.

Do Folha de São Paulo.